O nosso Sistema Único de Saúde (SUS) teve um papel fundamental nos últimos anos em que vivemos a pandemia do novo Coronavírus. Neste começo de 2023, em um contexto político de mudanças, é urgente que governo federal, poderes estaduais e municipais, conselhos de saúde, profissionais da saúde, população e sociedade civil unam esforços para o fortalecimento do SUS. O novo ano começa com muitas necessidades a serem atendidas.
Um dos desafios está no acesso a tratamento para as pessoas que vivem com doenças crônicas, como insuficiência cardíaca e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), e também de quem tem doenças raras, como a hipertensão pulmonar e a fibrose pulmonar. Muitas vezes, quem convive com essas doenças precisa apelar para a justiça para conseguir algo que é básico: o direito à saúde e à vida.
Começamos o ano com boas perspectivas para quem tem Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP). O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de Hipertensão Pulmonar está sendo atualizado, depois de quase dez anos em que foi publicado em discordância com as diretrizes internacionais e nacionais. Um PCDT é o documento que vai nortear como será o diagnóstico e o tratamento de uma doença em toda a rede pública de saúde. No caso da HAP, o texto passou por consulta pública na Conitec no período de 14/12/22 a 02/01/2023. O protocolo que está sendo avaliado é um grande avanço no tratamento da HAP no Brasil, já que possibilita a terapia combinada, ou seja, o uso de mais de um medicamento no tratamento da doença. A associação de medicamentos é um consenso nacional e internacional, sendo baseado em evidências científicas de qualidade e nas melhores práticas clínicas. Dessa forma, nosso desafio neste ano será acompanhar a implementação deste protocolo em todo o SUS e monitorar a compra e a dispensação de medicamentos. Ora, em 2022, a falta de remédios para HAP no SUS se tornou corriqueira em vários estados e no Distrito Federal.
Embora exista este avanço em relação à Hipertensão Arterial Pulmonar, o mesmo não pode ser dito em relação a outro tipo de HP: a Hipertensão Pulmonar Tromboembólica Crônica (HPTEC). Os pacientes desta doença continuam desassistidos no Brasil. Existe apenas um medicamento aprovado para tratamento da doença no mundo, o Riociguate, e ele não está disponível no SUS. Para ajudar essas pessoas, lançamos a campanha “Me Deixe Viver”, que tem como objetivo conscientizar a sociedade sobre a HPTEC e criar engajamento em defesa da disponibilização do tratamento no SUS.
As pessoas que têm DPOC também precisam de atenção e cuidado. A DPOC é caracterizada por enfisema pulmonar e bronquite crônica, e está relacionada ao tabagismo e à exposição à poluição, poeira e produtos químicos. O protocolo de tratamento da DPOC no SUS já foi atualizado, o nosso desafio é acompanhar a implementação e o fornecimento de medicamentos.
Mas o maior desafio ainda é o diagnóstico da DPOC. A condição permanece subdiagnosticada. A estimativa é de que 15% dos adultos com mais de 40 anos e 25% dos idosos tenham DPOC; entretanto, cerca de 80% dessas pessoas não estão diagnosticadas. Muitos médicos ainda não estão preparados para detectar a doença, e o acesso à espirometria para diagnóstico é difícil. Para além do diagnóstico, cabe a nós, associações de pacientes, junto com a sociedade médica, lutarmos por educação continuada e mais acesso a fisioterapia e reabilitação pulmonar – essenciais para o tratamento e a melhora da qualidade de vida do paciente.
Um outro PCDT passou por consulta pública na Conitec entre final de 2022 e começo de 2023: o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Reduzida, que vai nortear o tratamento da doença no SUS. Vamos acompanhar a implementação do documento junto às secretarias de saúde e trabalhar para que as pessoas com IC tenham acesso a tratamento adequado. Um outro desafio é conquistar tratamento adequado para quem tem um outro tipo de IC, com fração de ejeção preservada. Cerca de 50% dos doentes que têm insuficiência cardíaca têm a IC de fração de ejeção preservada, para a qual ainda não há tratamento adequado no SUS.
A insuficiência cardíaca é uma doença de alta prevalência e subdiagnosticada. Por isso precisamos falar mais sobre a IC, porque a doença é responsável por um grande número de internações, altos custos hospitalares, além de causar perda enorme da qualidade de vida e, muitas vezes, aposentadorias precoces e com altos custos para o país. A conscientização da doença é importante também para que os pacientes saibam o nome da doença com a qual convivem. Muitos deles saem dos consultórios sem o nome da doença e entendem que têm um probleminha no coração, ou que o coração está fraco. Apenas com informação, essas pessoas podem chegar às associações de pacientes e lutar por seus direitos.
Nesse cenário, porém, são os pacientes de Fibrose Pulmonar que estão mais desassistidos. A FP inclui uma série de doenças pulmonares intersticiais fibrosantes, com diferentes causas e origens. É essencial que o diagnóstico ocorra de maneira precoce, antes que o comprometimento pulmonar seja muito extenso. Já existem diferentes tipos de drogas efetivas e aprovadas para o controle dessas doenças. Mas o SUS não disponibiliza esses medicamentos. Recebemos cotidianamente pacientes com fibrose pulmonar em nossa Central do Pulmão, angustiados, com um diagnóstico nas mãos e sem acesso a nenhum tratamento. Junto com a sociedade médica, precisamos lutar por protocolos de tratamento da doença. Não podemos deixar essas pessoas para trás.
Advocacy é um processo de reivindicação de direitos e de atuação para influência na formulação e na implementação de políticas públicas que atendam às necessidades da população. A comunicação e a divulgação de nossas pautas mais importantes no momento são parte do trabalho de advocacy. O SUS é uma conquista social e as demandas relacionadas à saúde no Brasil são muitas – vide, neste janeiro, a desassistência em saúde dos povos Yanomami. Demandas que vão da retomada da vacinação em todo o país, passando pela necessidade de investimento na atenção básica e do fortalecimento das redes temáticas de atenção à saúde para ampliação do acesso ao diagnóstico e tratamento para pessoas com doenças crônicas ou raras. E nós, da sociedade civil, estamos prontos para trabalhar junto com a sociedade médica e órgãos de gestão do SUS. Uma união de esforços para que o direito à saúde seja respeitado e para que a população seja bem cuidada.
Flávia Lima é jornalista, especialista em Saúde Coletiva e em Comunicação em Saúde pela Fiocruz Brasília e presidente da ABRAF