Lei do piso da enfermagem continua sem solução e preocupa SindHosp

O setor da saúde já previa que 2023 seria um ano de muitos desafios. Afinal, temos novos governos na União e no Estado de São Paulo, com linhas ideológicas diferentes dos anteriores e isso, por si só, já sinaliza mudanças. Em âmbito nacional, as reformas tributária e trabalhista prometem ocupar boa parte do calendário político. São temas que necessitam ser amplamente discutidos com a sociedade e entidades representativas de todos os setores econômicos, pois têm impacto direto sobre a economia e a sustentabilidade das empresas. Já em São Paulo, a gestão Tarcísio de Freitas, e do novo secretário de Estado da Saúde, Eleuses Paiva, promete transformar o Estado em um polo de referência na utilização da saúde digital, o que realmente pode mudar a maneira como os cidadãos acessam e utilizam o sistema de saúde.

As expectativas e, no caso, temores, não vêm apenas das novidades. A Lei 14.434/2022, que estabelece piso salarial nacional para os profissionais de enfermagem e que foi sancionada em agosto do ano passado pelo então presidente Jair Bolsonaro, é uma bandeira do novo Executivo nacional. E uma preocupação para os prestadores de serviços de saúde, Estados e Municípios. O presidente Lula, na primeira reunião que fez com os governadores, em 27 de janeiro, pediu para que todos tenham compromisso com a pauta. Além disso, uma das primeiras medidas da nova ministra da Saúde, Nísia Trindade, foi montar um Grupo de Trabalho (GT) com o objetivo de viabilizar o pagamento dos novos pisos. A portaria que instituiu o GT, porém, não incluiu representantes do setor privado nas discussões, ainda que boa parte do impacto financeiro do novo piso recaia sobre este segmento. Por isso, entidades que representam a saúde privada ainda tentavam ser ouvidos pelo GT, até o fechamento desta edição.

“O Brasil é enorme e tem realidades distintas entre as regiões. O custo de vida nas grandes cidades é superior ao registrado em cidades menores. A situação também difere de Estado para Estado. Estabelecer por lei um piso salarial nacional para uma determinada categoria, seja ela qual for, é um equívoco de proporções incalculáveis”, afirma o presidente do Sindicato de Hospitais, Clínicas, Laboratórios e Estabelecimentos de Saúde do Estado de São Paulo (SindHosp), Francisco Balestrin.

Histórico

A Lei 14.434 criou piso salarial de R$ 4.750 para enfermeiros, R$ 3.325 para técnicos de enfermagem e R$ 2.375 para auxiliares de enfermagem e parteiras, mas não definiu as fontes de custeio. O impacto financeiro da lei é estimado entre R$ 16,3 bilhões e R$ 23,8 bilhões por ano, segundo estudo realizado pela LCA para a Federação Brasileira de Hospitais (FBH). Temendo o fechamento de hospitais, leitos, demissões e queda na qualidade da assistência, entre outros pontos, a Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) ingressou, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), logo após a sanção da lei, com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN). O SindHosp aderiu como “Amicus Curiae” à ADIN 7222. Por isso, até o fechamento da Hospitais Brasil, a aplicação dos novos pisos estava suspensa por decisão liminar deferida pelo relator, ministro Luís Roberto Barroso, em 4 de setembro e, posteriormente, referendada pelos demais ministros.

Na tentativa de suspender os efeitos da liminar, o Congresso Nacional aprovou, em dezembro, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 127/22 – também sancionada por Bolsonaro, que determina o uso de recursos do superávit financeiro de fundos públicos e do Fundo Social para financiar o piso. Essa medida, porém, atende apenas ao setor público e entidades privadas que prestam pelo menos 60% de sua assistência ao SUS. “Não há, até agora, a indicação de fontes de recursos ou compensações para os mais de 250 mil estabelecimentos privados de saúde com fins lucrativos, em sua maioria de pequeno ou médio porte, que arcarão com um aumento nos custos anuais de, pelo menos, R$ 5,2 bilhões”, citou o diretor Jurídico da CNSaúde, Marcos Vinicius Ottoni, em artigo publicado pelo portal Jota. Além disso, nota divulgada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), lembra que “os superávits dos fundos são incertos e, como nenhum recurso novo foi efetivamente criado pela PEC 127, qualquer eventual uso de saldos desses fundos amplia automaticamente os gastos públicos em um orçamento que sabidamente não tem espaço para gastos adicionais nem previsão de pagamentos de aumentos salariais nos valores exigidos pela lei”.

Francisco Balestrin, presidente do SindHosp

Os fundos públicos são criados e regulados por leis específicas. Por isso, o ministro Barroso, do STF, solicitou à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal informações sobre o projeto de lei que vai regulamentar a agora Emenda Constitucional (EC) 127, “…uma vez que, na previsão constitucional, a efetivação do piso necessita de lei que defina as fontes de financiamento, os critérios de destinação dos recursos e a metodologia de rateio para repasse aos entes e prestadores de serviços. O vazio legal não permite a operacionalização da Emenda 127”, argumentou.

A ministra da Saúde declarou, porém, em entrevista ao programa Roda Viva, que “a determinação é que tenhamos uma solução rápida”. O GT criado para debater soluções para o impasse já entregou ao Ministério relatório preliminar no início de fevereiro, mas ainda avalia os impactos financeiros. A União estuda a edição de uma Medida Provisória (MP) que pode liberar recursos para que a Lei 14.434 entre em vigor.

“Precisamos lembrar que MP é um instrumento com força de lei, adotado pelo presidente da República em casos de relevância e urgência para o país. Será que é o caso?”, questiona o presidente do SindHosp. Balestrin ressalta, ainda, que o SindHosp não é contra o novo piso salarial dos enfermeiros. “É importante ressaltar que se trata de uma categoria com papel importante na assistência e que merece ser valorizada. Questionamos apenas a falta de custeio, pois isso pode fazer com que milhares de profissionais da enfermagem percam seus empregos e muitas empresas fechem as portas”.

O tamanho do problema

De acordo com estudo da LCA, a Lei 14.434 pode tornar insustentável a operação de centenas de estabelecimentos privados de pequeno e médio portes. 74% dos profissionais de enfermagem do país recebem abaixo do piso aprovado. De um impacto total estimado entre R$ 16,3 bilhões e R$ 23,8 bilhões por ano (valor que representa entre 11% e 16% do orçamento do Ministério da Saúde), o setor privado seria o maior prejudicado com a medida, com um impacto anual entre R$ 5,3 bilhões e R$ 7,1 bilhões.

Dos mais de 1,2 milhão de profissionais de enfermagem do país, 62% atuam no setor privado. Ainda segundo o levantamento da LCA, a estimativa é de que haja redução de 30% do quadro de enfermagem nos hospitais com até 100 leitos. Francisco Balestrin clama pelo bom senso dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para encontrar soluções que garantam a qualidade assistencial e a viabilidade das empresas e empregos. “É importante que o setor privado tenha garantias de custeio para os novos pisos salariais. Caso isso não ocorra, para dar conta desse aumento bilionário de custos o setor terá que ajustar seu quadro de pessoal, reduzir leitos e muitas empresas devem fechar. A Lei 14.434 pode levar o setor a uma crise com capacidade, inclusive, de comprometer a sustentabilidade dos sistemas público e privado”, finalizou.

Redação

Redação

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.