Para conhecer a opinião da sociedade sobre as diretivas antecipadas da vontade do paciente, a Fehoesp – Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo realizou uma pesquisa aberta ao público por meio da plataforma digital fehoesp360.
A partir das conclusões do estudo e o debate com outras representações da sociedade, a Fehoesp irá propor ao Congresso Nacional um anteprojeto de lei que discipline a questão do direito do paciente e garanta segurança jurídica a profissionais e serviços de saúde.
Segundo o presidente da entidade, o médico Yussif Ali Mere Jr, existe uma lacuna na legislação brasileira quando se trata de definir até onde vai o direito do paciente quando ele precisa definir cuidados, tratamentos e procedimentos que deseja ou não se submeter quando estiver com uma doença ameaçadora da vida.
No entanto, esclarece Ali Mere Jr, que não se trata de eutanásia, que é a abreviação da vida e considerada crime do Brasil. “Estamos discutindo o direito do paciente em estado terminal de optar por uma morte digna, uma morte natural e a recusa de procedimentos invasivos. Muitos pacientes nesta condição preferem ficar em casa no aconchego da família ou receber cuidados paliativos em hospitais especializados”.
O presidente da federação alerta para o fato de que, atualmente, médicos, hospitais e profissionais de saúde não possuem respaldo legal para atender ao desejo do paciente, pois correm risco de processos judiciais, por exemplo, por parte da família nos casos em que ela não concorde com a vontade do paciente.
Dados
Dos 716 participantes da pesquisa, 70,1% atuam na área da saúde. São médicos (23,3%), enfermeiros (9,7%), outros profissionais da saúde (29%), diretores de serviços de saúde (3,8%) e empresários (4,3%).
Mais de 60% acha necessário o registro do testamento vital em cartório; 52,8% acredita que o documento não precisa de testemunhas, mas 32,8% diz que dispensaria testemunhas se houvesse registro em cartório. A imensa maioria (73,2%) é contrária à possibilidade de pessoas demenciadas elaborarem esse documento. Já quando questionados se adolescentes entre 16 e 18 anos podem fazer o testamento vital, 58,3% se mostra favorável.
Mesmo diante de uma doença fora de possibilidades terapêuticas, 57,4% dos entrevistados disseram que o paciente pode recusar todos os tratamentos e cuidados, incluindo respiração, hidratação e nutrição artificiais, internação em UTI, antibióticos, reanimação cardiopulmonar, entre outros.
A imensa maioria (85,4%) acredita que o testamento vital deve ter validade em todas as situações, ou seja, em estados vegetativos persistentes e doenças degenerativas incuráveis e terminais.
Quase a totalidade dos entrevistados (96,4%) defende que a vontade manifestada em testamento vital prevaleça sobre a vontade dos familiares. E 86,1% também defende que essa vontade prevaleça sobre a dos médicos.
Para conhecer como a vontade manifestada pelo paciente em testamento vital aconteceria na prática, a pesquisa explicou o conceito de mandato duradouro (veja abaixo). Segundo o levantamento, 92% acham que familiares poderão ser nomeados procuradores para cuidados de saúde. Entre os graus de parentesco mais citados aparecem companheiros/cônjuges (49,8%), filhos maiores (47,8%), pais (44%) e irmãos (31,4%). Do total de entrevistados, 48,2% também acham que todo e qualquer parente pode ser nomeado procurador para cuidados de saúde, e 72,1% defendem a necessidade da nomeação de mais de um. Porém, metade (36,1%) acredita que esse segundo procurador deve decidir apenas na ausência do outro. Já 36% defendem que os procuradores decidam de forma conjunta e 54,3% consideram que o médico de confiança do paciente não pode ser nomeado procurador.
A imensa maioria (85,7%) defende que a lei que discipline a matéria permita a possibilidade de, no mesmo documento, a pessoa fazer um testamento vital e um mandato duradouro. Da mesma forma, 91,6% acha interessante a criação de um banco de dados que centralize todos os testamentos vitais no Brasil e esteja à disposição dos hospitais e das equipes de saúde mediante acesso restrito. “Ainda temos dificuldades com dados no Brasil, mas podemos chegar lá muito rápido, pois a velocidade da entrada da tecnologia é alta. O Ministério da Saúde tem atuado de forma veemente na informatização e promete que até o final de 2018 todas as unidades de saúde do Brasil estarão conectadas”, diz Ali Mere Jr. Para ele, a informação única será muito importante tanto para as diretivas quanto para toda as demais questões de saúde durante toda a vida do paciente.
Segundo Luciana Dadalto, doutora em direito de saúde pela Faculdade Mogiana do Estado de São Paulo (FMG), o Direito não obriga o registro do desejo do paciente, mas garante a possibilidade de escolha. E isso vem acontecendo de maneia informal. Diretrizes existem desde a década de 1960 nos EUA, e toda Europa já legalizou essa demanda. No Brasil, tem-se buscado pontualmente soluções, tanto que o CFM – Conselho Federal de Medicina editou, em 2012, a Resolução 1.995/12, que permite ao paciente registrar seu testamento vital na ficha médica ou no prontuário. Esta resolução representa um grande avanço no Brasil, pois garante que o médico siga a vontade do paciente. Inclusive, o Poder Judiciário reconheceu a constitucionalidade dessa resolução. Isso trouxe um aumento de 700% no número de testamentos vitais lavrados em cartórios no Brasil, segundo o Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo, instituição que representa os tabeliães de notas do estado.
“Ainda assim, temos tido problemas práticos em relação a quem pode fazer, o formato que deve ser feito o pedido e como pode ser utilizado. Por isso, sabemos da necessidade de parâmetros objetivos e claros de conteúdo e formalidades. A importância da lei é regulamentar uma realidade que já cresce no Brasil”, finaliza Luciana.
Para saber mais
Além de advogada, Luciana Dadalto é fundadora do Portal Testamento Vital (testamentovital.com.br), desenvolvido com o propósito de centralizar informações sobre o tema. Ela também criou o RENTEV (rentev.com.br), primeiro registro nacional de testamentos vitais.
De acordo com o site, as diretivas antecipadas de vontade são um gênero de documentos de manifestação de vontade para cuidados e tratamentos médicos criado na década de 60 nos Estados Unidos. Esse gênero possui duas espécies: testamento vital e mandato duradouro que, quando previstos em um único documento, são chamados de diretivas antecipadas de vontade.
O testamento vital é um documento, redigido por uma pessoa no pleno gozo de suas faculdades mentais, com o objetivo de dispor acerca dos cuidados, tratamentos e procedimentos que deseja ou não ser submetida quando estiver com uma doença ameaçadora da vida, fora de possibilidades terapêuticas e impossibilitada de manifestar livremente sua vontade.
É importante que este documento seja redigido com a ajuda de um médico de confiança do paciente, contudo, o médico terá o papel apenas de orientar a pessoa quanto aos termos técnicos, não deve impor sua vontade ou seus interesses pessoais, pois a vontade que está sendo manifestada é exclusivamente do paciente. É ainda importante o auxílio de um advogado a fim de evitar que haja disposições contra o ordenamento jurídico brasileiro.
O mandato duradouro é a nomeação de uma pessoa de confiança do outorgante que deverá ser consultado pelos médicos, quando for necessário tomar alguma decisão sobre os cuidados médicos ou esclarecer alguma dúvida sobre o testamento vital e o outorgante não puder mais manifestar sua vontade. O procurador de saúde decidirá tendo como base a vontade do paciente.
No site é ressaltado, ainda, que é possível fazer um testamento vital sem nomear um procurador de saúde, contudo, é desejável a nomeação. Para saber como fazer um testamento vital, acesse o endereço testamentovital.com.br/informacoes.
Matéria originalmente publicada na Revista Hospitais Brasil edição 89, de janeiro/fevereiro de 2018. Para vê-la no original, acesse: portalhospitaisbrasil.com.br/edicao-89-revista-hospitais-brasil