Artigo – Custos do tratamento do câncer no Brasil: como melhorar o foco

Como resultado do rápido processo de transição demográfica e epidemiológica no Brasil, o avanço do peso das doenças crônicas passa a ser um processo inexorável, trazendo como consequência aumentos nos custos de tratamento destas doenças que só podem ser suportados financeiramente por aquêles que tem alguma forma de proteção financeira. O SUS, apesar dos esforços crescentes para melhorar a cobertura de diagnóstico e tratamento, acaba protegendo, ainda que de forma incompleta, aqueles que vivem em Estados e Municípios onde o SUS oferece melhores serviços para o tratamento destas doenças. Como sempre, os grupos mais pobres são os mais desprotegidos.

De acordo com os dados do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, em 2014, o câncer era a segunda maior causa de mortalidade no país. Somente as doenças do coração e aparelho circulatório apresentam maior mortalidade proporcional que o câncer. Naquele ano, cerca de 202 mil mortes por câncer foram registradas no país, sendo os principais aqueles relacionados a traqueia, brônquios, pulmões, cólon, reto, mama (o primeiro entre as mulheres) e estômago.

O crescimento do peso relativo do câncer na mortalidade não ocorre somente no Brasil, mas sim ao nível global. De acordo com a Sociedade Norte-Americana de Câncer (American Cancer Society), o número de novos casos, ao nível mundial, passará de 14,6 para 20,2 milhões por ano, entre 2010 e 2030 e a maioria deles ocorrerá nos países em desenvolvimento como o Brasil, onde os fatores de risco e os processos de promoção e prevenção tem tido menor controle por parte das autoridades sanitárias.

Porque os custos do câncer são crescentes

O volume de tratamento e os gastos com câncer no Brasil aumentam exponencialmente, mas mesmo assim, estão aquém do atendimento das necessidades. Entre 1999 e 2015, os gastos somente com tratamento (excluindo promoção e prevenção) aumentaram de R$  470 milhões para R$ 3,3 bilhões em valores nominais, ou seja, um crescimento de sete vezes num período de 16 anos. Cerca de dois terços destes gastos assistenciais estão relacionados somente à quimioterapia.

As descobertas de novos medicamentos, equipamentos, tratamentos e terapias tem aumentado muito as chances de cura do câncer, mas muitos argumentam que estas inovações agregam custos crescentes impossíveis de serem financiados pelos sistemas públicos de saúde. Será que isso é verdade?

Considerando os atuais parâmetros de tratamento, os custos do câncer aumentam exponencialmente, por ocorrerem em idades relativamente jovens, serem detectados tardiamente, e necessitarem de medicamentos e tecnologias caras. Muitos dos gastos estão associados a tratamentos paliativos, onde as chances de cura em estágios avançados da doença já são muito remotas. Considerando novamente as estimativas da Sociedade Norte-Americana de Câncer, os gastos com tratamento de câncer, ao nível mundial, aumentarão de US$ 290 para US$ 458 bilhões entre 2010 e 2030.

Mas boa parte do aumento destes gastos se justifica pelos custos associados ao tratamento em estágios mais avançados da doença. No Brasil, dado que a maioria dos casos é detectada nestes estágios avançados e as estratégias de prevenção do câncer ainda tem uma cobertura muito baixa, o número de pessoas que necessita de medicamentos e terapias (mesmo as novas e mais caras) tende a ser proporcionalmente elevado. Portanto, no rítimo atual de crescimento da doença, as necessidades de financiamento ficarão sempre aquém das possibilidades de atender a todos os casos.

Os estágios (ou estadiamentos) do câncer são definidos em função da gravidade da progressão da doença. Em geral, os custos diretos do câncer são crescentes de acordo com sua gravidade, exigindo maior intensidade no tratamento e portanto custos mais elevados. Em geral estes estágios podem ser resumidos como:

  • Estágio 0: Carcinoma em situ, ou seja, restrito a área inicial onde aparece
  • Estágio 1: Início de tumor na área inicial mas sem comprometimento linfático
  • Estágio 2: Espalhando-se no tecido inicial ou em mais de um tecido com comprometimento do sistema linfático
  • Estágio 3: Localmente avançado, espalhado por mais de um tecido e causando comprometimento linfático
  • Estágio 4: Metástase a distância, ou seja, espalhando para outros órgãos ou todo o corpo
  • Estágio 5: Fase terminal

No Brasil, segundo pesquisa financiada pelo Tribunal de Contas da União em 2010, 60,5% dos casos de câncer são diagnosticados nos estágios 3 e 4. Nestes estágios, os custos de tratamento costumam ser entre 60% e 80% maiores que nos estágios 1 e 2, com possibilidades de cura sensivelmente menores.

Embora a incorporação de tecnologia de novos medicamentos tenda a ocorrer em todos os estágios do câncer, o custo das novas tecnológias tenderá a ser menor nos estágios iniciais do que nos avançados, minimizando o impacto financeiro da incorporação tecnológica. Portanto, muitas economias poderão ser feitas caso os diagnósticos sejam realizados nos estágios iniciais de tratamento e, por outro lado, sejam aumentados os esforços de prevençao de fatores de risco do câncer, através de medidas como a vacinação contra agentes patogênicos que podem levar ao desenvolvimento do câncer. Por exemplo, a vacinação contra a hepatite B poderá ser um fator importante de prevenção contra o câncer do fígado, que se desenvolve com maior probabilidade entre as pessoas que tiveram esta doença. Da mesma forma, a vacina contra o HPV entre meninas adolescentes é um grande fator de prevenção do câncer cérvico-uterino.

Estudos realizados pela ABRALE sobre alguns tipos de câncer, usando dados do DATASUS, revelam diferenças substanciais no custo de tratamento destes distintos estágios para alguns tipos de câncer no Brasil, como pode ser visto nos gráficos que se seguem, que analisam os custos em diferentes estágios de desenvolvimento, dos cânceres de reto, cólon, mama pré-menopausa e mama pós-menopausa.

Pode-se observar que os gastos do SUS nos estágios dois e três são bem maiores que no estágio 1 para os casos de câncer de reto, cólon e mama. No caso do câncer de mama pré-menopausa, por exemplo, o custo no estágio 3 por paciente era seis vezes maior: R$ 65.125, comparado com R$ 11.373 no estágio 1. Investir em diagnóstico precoce do câncer, além de aumentar as possibilidades de cura, poderá trazer muitas economias ao SUS, principalmente por evitar gastos muitas vezes paliativos elevados com pacientes em estágios mais avançados da doença.

Aonde investir para aumentar as possibilidades de financiamento do câncer?

A primeira resposta a esta pergunta é investir mais em promoção e prevenção, principalmente nas ações que minoram ou evitam os fatores de risco do câncer. Em segundo lugar, se deve investir muito mais em diagnóstico precoce para o câncer, porque permite salvar vidas e gastar menos com tratamento e porque se detectada a doença, estará em estágios preliminares de seu desenvolvimento, fazendo com que os custos de seu tratamento sejam muito menores.

O tratamento do câncer em estágios mais avançados é mais complexo, incerto e caro, trazendo gastos mais elevados com medicamentos, terapias e hospitalização. Um estudo realizado pela UNIMED de Belo Horizonte em 447 pacientes com câncer detectados em estágio avançado e em estágio inicial, entre 2008-2010, revelou que o custo de tratamento dos pacientes em estágio avançado, acumulado em US$ 35 milhões, seria de apenas US$ 5 milhões caso a doença fosse detectada na fase inicial.

Pesquisas internacionais revelam que um terço das mortes por câncer poderiam ser evitadas se os casos fossem detectados precocemente e tratados nos estágios iniciais e um terço de casos adicionais poderiam ser evitados com a modificação de exposição aos fatores de risco já conhecidos, como o tabaco, o álcool, dietas inadequadas, falta de atividade física, exposição a poluição ambiental e a ambientes de trabalho insalubres, além de outros. Nos países onde há maior promoção, prevenção e detecção precoce, os casos de câncer aparecem mais tarde do que em países onde os níveis de promoção, prevenção e detecção precoce são mais baixos, como o Brasil.

Portanto, culpar as inovações tecnológicas pelos altos custos do tratamento do câncer, não parece ser o foco mais adequado. As inovações tecnológicas tem seu custo e portanto, em casos onde estas são necessárias ser utilizadas para salvar vidas, os custos devem ser pagos, quando adequados, através de comprovações realizadas por análises econômicas sérias que avaliem o custos do tratamento vis-a-vis sua efetividade. Os medicamentos biológicos, a imunoterapia e outras inovações, apesar de seu custo, são uma importante promessa para avançar na cura de determinados tipos de câncer (incluindo em estágios mais avançados), a um custo que, embora mais elevado, deverá ser pago quando não há alternativas. Mas se o número de casos que necessita estes tipos de tratamento diminui, em função da prevenção e diagnóstico precoce, os custos do tratamento com estas inovações poderão ser financiados para quem precisa.

O dever de casa dos governos, como parece ser o caso dos gestores do SUS, é minimizar os riscos dos pacientes através dos esforços de prevenção e diagnóstico precoce e de financiar o tratamento através de novas tecnologias quando estas são comprovadas como custo-efetivas, para os casos não evitados. Os governos deveriam se esforçar para aumentar a promoção de hábitos saudáveis, prevenção de fatores de risco e diagnóstico precoce do câncer, buscando reduzir as mortes e aumentar a expectativa de vidas daqueles que tem ou tiveram esta doença.

Estudos recentes realizados pela terceira edição do Programa de Controle de Doenças Prioritárias (DCP3) publicaram, no volume relacionado ao câncer, um conjunto de medidas que teriam grande efeito na redução dos casos de câncer. Estas medidas incluem ações como a taxação do tabaco, a eliminação da propaganda, a proibição do uso do tabaco em locais públicos, a vacinação obrigatória contra o HPV (escolas) e hepatite B (incluindo dose ao nascer); exames e tratamento de lesões pre-cancerígenas de câncer cervical e tratamento precoce quando identificado; cirurgias desobstrutivas e tratamento precoce de câncer colorretal; identificação e tratamento curativo contra câncer de mama em estágio precoce e identificação e tratamento precoce de alguns tipos de câncer infantil. O custo per-capita anual destas medidas seria estimado em US$ 5,72 em países de renda média como o Brasil, que já avançou significativamente em áreas como a taxação, eliminação da propaganda e proibição do tabaco em locais públicos e a vacinação contra a hepatite B e o HPV. Mas o grande investimento estaria realmente em aumentar a capacidade de nossa rede pública para fazer diagnóstico precoce de câncer e em regular a exposição da população a fatores de risco, incorporando para aqueles que precisam, o tratamento através de novas tecnologias e medicamentos de comprovada eficácia.

André Medice é economista de saúde com mais de 30 anos de experiência no Brasil e 20 anos de experiência internacional em temas associados a economia e financiamento da saúde, pesquisa, desenho e negociação de políticas e reformas de saúde em países em desenvolvimento. É editor do blog Monitor de Saúde (www.monitordesaude.blogspot.com)

Redação

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