Está comprovado que os honorários médicos não são os responsáveis pelos altos preços dos planos de saúde no Brasil e nem dos ajustes anuais na casa dos dois dígitos. Hoje os médicos representam menos de 8% dos custos das operadoras de saúde, conforme análise das informações financeiras de operadoras e cooperativas médicas. Mesmo que houvesse um reajuste de 20% nos vencimentos dos médicos, o impacto nos custos totais seria de apenas 1,6%. Se o incremento fosse de 50%, o impacto seria de 4% no total. Isso significa menos de 1/3 do reajuste aprovado pela ANS para os planos de saúde.
Como é de conhecimento de todos, a Agência Nacional de Saúde (ANS) é uma agência reguladora do segmento cujo objetivo, expresso na lei que a criou, é “…promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no país”.
Para a Associação Médica Brasileira (AMB) o entendimento é de que o principal interesse da agência fosse o interesse do cidadão brasileiro que migrou para a saúde suplementar por conta de não ver atendidas suas necessidades no sistema público de saúde, dada toda deficiência de ordem orçamentária e de gestão que sabidamente o SUS apresenta. Dr. Carlos Alfredo Lobo Jasmin, Diretor de Defesa Profissional da AMB, lembra que “ao buscar a saúde suplementar, e pagar por ela diretamente ou via seu empregador, este cidadão está, mesmo que de forma ’secundária‘, ajudando a descongestionar o sistema público de saúde, que também é pago por ele via impostos”.
Dentro desta perspectiva, de agência reguladora, a ANS deveria atuar de forma isenta, procurando avaliar e conciliar os interesses das partes envolvidas no sistema de saúde complementar, sem jamais perder de vista a qualidade e o preço para o usuário final.
Demandas de hospitais, laboratórios de exames, médicos e das operadoras de saúde na grande maioria das vezes são de direções opostas e cabe à agência avaliar e garantir que as negociações sejam realizadas de forma equilibrada, principalmente levando em consideração que estamos falando em grandes corporações de um lado e de profissionais liberais de outro.
Infelizmente, não é o que vem ocorrendo, como ressalta o Dr. Jasmin: “Hoje praticamente não há negociação entre operadoras de saúde e médicos sobre os honorários. O que ocorre é que as operadoras apenas informam o percentual de reajuste, anualmente, muitas vezes inferior aos índices da inflação. Isso vem consolidando os honorários médicos em patamares baixíssimos, que não condizem com a qualificação exigida do profissional. Uma operadora de saúde paga para um médico menos do que a maioria dos pacientes pagam para outros profissionais autônomos, que lidam com aspectos bem menos críticos de suas vidas, como manicure, cabeleireiro ou barbeiro”.
Por outro lado, os reajustes das mensalidades dos planos de saúde aprovados pela ANS ocorrem na faixa dos dois dígitos. Para onde estão indo os recursos pagos pelos usuários dos planos de saúde? Com certeza não é para a remuneração digna do médico que irá atendê-los. Não deveria ser necessário lembrar que os médicos são a linha de frente de qualquer sistema de saúde. Seja ele público, suplementar ou privado.
Não há o que justifique eticamente que os preços pagos por pacientes para os planos de saúde subam cada vez mais, enquanto os médicos, personagens fundamentais neste processo, não tenham sequer a correção inflacionária aplicada nos seus honorários. Esta situação é um desrespeito aos médicos e aos pacientes.
Enquanto isso não ocorre, a ANS não cumpre o seu papel: garantir negociações leais, principalmente quando há grande desequilíbrio de força entre as partes, o que é o caso da relação entre médicos e operadoras de saúde. Em consequência disso, com os honorários médicos mais depreciados, os pacientes terão cada vez mais que contar com profissionais de menor capacidade ou desmotivados.
Recentemente, um grupo de trabalho que discutia o tema dentro da ANS foi sumariamente extinto pela agência, sem qualquer explicação sobre a motivação para tal e nem sobre o andamento da questão no futuro, colocando os médicos brasileiros e diversos outros fornecedores de planos de saúde numa situação de extrema fragilidade para negociar, justamente quando a relação de força entre as partes é tão desigual.
Precisamos de uma ANS mais ativa no seu papel, entendendo de forma mais ampla os impactos de sua atuação ou de suas omissões. A agência não pode ficar parecendo uma mera autenticadora das propostas e demandas das operadoras de saúde. Caso contrário, cai em descrédito, perde credibilidade e coloca em xeque todo sistema de saúde suplementar brasileiro, o que impactará negativamente até mesmo no sistema público. Esta situação não é saudável para ninguém. É especialmente nociva aos médicos e aos usuários dos planos de saúde.
Associação Médica Brasileira (AMB)