Enquanto para muitas mães a alta do bebê é natural e ocorre um ou dois dias após o nascimento, para as mães de prematuros, a alta hospitalar – aguardada com tanta expectativa – significa o renascimento do filho e a esperança de dias melhores. Entre o parto e a ida para a casa, a luta é diária e os sentimentos são intensos. Medo, questionamentos, emoção ao construir vínculo com o bebê, alegria pela evolução e pelas gramas conquistadas dia após dia, gratidão pelo trabalho da equipe multiprofissional e susto ao ter que encarar eventos inusitados são algumas das sensações entre o turbilhão de emoções vividas durante o longo período de internação.
Para aliviar o peso desses sentimentos e possibilitar que as mães externalizem suas dores, angústias e alegrias, a equipe de Psicologia do Hospital e Maternidade Nossa Senhora de Lourdes (HEMNSL) e do Hospital Materno Infantil (HMI), de Goiânia (GO), implantaram o programa “História Contada”. Inspirado no projeto “Treasure Beads”, desenvolvido pelo Stollery Children’s Hospital, do Canadá, que a diretora técnica das duas unidades, Sara Gardênia, teve a oportunidade de conhecer em 2015, o programa incentiva as mães de bebês internados na Unidade de Cuidados Intermediários Neonatal (Ucin) e Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTI Neo) a demonstrarem seus sentimentos por meio de um colar ou pulseira em que cada conta tem um significado.
“Devido à internação prolongada de bebês no Stollery Children’s Hospital, referência no atendimento em cardiocirurgia neonatal, a psicologia criou o programa para fazer os pais participarem e colocarem para fora a experiência de ter um filho em cuidados intensivos. Então, fiquei observando no HMI e na Ucin da HEMNSL a longa permanência de recém-nascidos e a angústia de seus pais e pensei que seria interessante fazer um programa semelhante, mas adaptado à nossa realidade. A vida durante os dias ou até meses de internação vai passar a ser medida não apenas por tempo, mas por contas também“, destacou a diretora e pediatra neonatologista, Sara Gardênia.
Segundo a psicóloga da UTI Neo do HMI, Andressa Barcelos, “o objetivo é de que as mães exponham seus sentimentos e levem essa lembrança do tempo que viveram aqui, que muitas vezes é difícil, mas cheio de conquistas. Acreditamos que a fala cura, então incentivamos que elas falem o que sentem para que sejam curadas”.
O programa foi apresentado pela primeira vez às mães de bebês internados na HEMNSL e no HMI no dia 13 de novembro (terça-feira), durante a Semana da Prematuridade, promovida no HMI. A partir de então, uma vez por semana acontecerão encontros em que as mães que estiverem acompanhando seus filhos poderão montar seus colares ou dar continuidade ao que fizeram na semana anterior, acrescentando contas que representem os sentimentos vividos nos últimos sete dias, sendo que cada formato tem um significado diferente (ex: caveira = medo, coração = vínculo, flor = apoio da equipe).
Maria Solange de Souza, mãe de Cecília, que nasceu com uma má formação e está internada aguardando completar 1.800kg para receber alta, foi uma das primeiras a formar a pulseira que conta a história da sua filha. “O sentimento que mais mexeu comigo e que eu fiz questão de colocar foi o de vínculo, porque quando peguei minha filha no colo pela primeira vez me tocou muito. Coloquei também o medo, porque tenho muito medo do preconceito que a minha filha vai enfrentar, mas sei que preciso superá-lo”, contou emocionada.
Para a psicóloga do HEMNSL, Piera Sampaio Antunes, do ponto de vista psicológico, a forma como Maria Solange encarou a dinâmica é exatamente o que esperam do projeto. “Ao colocar cada conta elas vão reviver a história passo a passo, construindo um símbolo, mas com o pensamento no bebê. E, além disso, elas ainda dão nome aos sentimentos, desabafam e o resignificam. Ou seja, a mãe vai tem em mãos algo concreto e ao mesmo tempo vai elaborar o que viveu”, explica.