Não é de hoje que a área de saúde apresenta a necessidade de ter suas ações respaldadas em evidências científicas e na tecnologia. O 2º Anuário da Segurança Assistencial Hospitalar, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Feluma (Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais) e pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), estima que a cada seis horas, uma pessoa morra em decorrência de eventos adversos. Muitos deles, inclusive, poderiam ter sido evitados se tivessem como premissa a medicina baseada em evidências, somada ao uso de tecnologias de ponta, a favor do paciente.
A medicina baseada em evidências, como o próprio nome sugere, estabelece um elo entre a pesquisa científica e a prática clínica, baseando as decisões médicas em estudos e provas científicas. Neste contexto não há espaço para “achismos”.
“Achismo” pode ser definido como uma tendência em avaliar situações segundo as próprias opiniões ou intenções, ou seja, sem contemplar bases técnicas e científicas. Refere-se à cultura do fazer comentários sem propriedade ou conhecimento e deduzir, por experiência pessoal, algo que não se tem certeza. Por isso, não se pode gerar conhecimento baseado no “achismo”.
Já a evidência é um conceito fundamental em muitas áreas de estudo e trabalho. Advogados e juízes buscam evidências na análise dos processos. Controladores de voos trabalham nos aeroportos com radares e instrumentos que possam trazer evidências (as mais precisas possíveis) com foco na segurança. E na saúde, as evidências são construídas a partir de pesquisas científicas que procuram a verdade sobre etiologias, diagnósticos, tratamento e prognósticos para uma condição clínica.
Vale ressaltar que, embora as evidências científicas auxiliem os profissionais de saúde na tomada de decisão, não substituem o conhecimento e a experiência deles. Sua aplicação deve ser apoiada na integração das evidências com a prática clínica e valores do paciente – sendo essa integração definida por diferentes autores como “prática baseada em evidências”.
Um congresso internacional, uma técnica inovadora, um material de última geração. Nada disso terá valor real se por trás não houver um respaldo técnico-científico, que garanta a saúde e o bem-estar do paciente. O paciente que está enfrentando um problema de saúde busca alternativas seguras e eficazes, que solucionem/minimizem o problema enfrentado. Não quer (e nem deve) ser objeto de novos experimentos, ficando mais vulnerável do que a sua própria patologia já o deixa.
No que diz respeito às OPMEs, nos deparamos com pedidos de materiais que não estão contemplados pelo Rol de procedimentos definidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ou não-indicados ao procedimento proposto. Ou seja, sem respaldo técnico-científico, o que pode ocasionar sequelas aos pacientes.
O “achismo” pode ser fortemente percebido pelos setores de auditoria das operadoras e hospitais – no processo de autorização de procedimentos médicos (principalmente no que diz respeito às OPMEs). Sem embasamento científico para utilização dos materiais, o resultado pode ser desastroso, com danos às finanças da instituição e à saúde dos pacientes.
A globalização, ao mesmo tempo que permite um tráfego rápido das informações, pode trazer efeitos benéficos e maléficos, a depender de como essas informações serão tratadas. Por isso, a inclusão da medicina baseada em evidências na tomada de decisão tem sido cada vez mais importante.
Aliado a esse novo modelo do cuidar, o desenvolvimento de novas tecnologias vem ocupando espaço importante e ajuda a minimizar o achismo na área da saúde. A partir do uso de plataformas e sistemas, é possível aumentar a precisão em diagnósticos, aproximar médico e paciente, centralizar dados e cruzar informações. Quanto mais assertividade, menos achismo, não é mesmo?
Meu objetivo com este texto não é criticar a busca por novas técnicas, materiais ou tendências que estão sendo discutidas. Pelo contrário. Elas são fundamentais para conseguirmos evoluir no setor e proporcionar tratamentos mais eficazes aos pacientes. Mas não podemos esquecer que toda e qualquer ação não pode ser baseada no achismo de cada profissional, sem considerar as especificidades do paciente, a legislação vigente e as evidências científicas.
Muitas tendências podem chamar a atenção e se apresentarem como as melhores soluções para determinado tratamento. Podem, inclusive, serem de fato, as melhores. Mas esta conclusão deve surgir após uma análise criteriosa e embasada.
Vale salientar que as ações no sistema de saúde devem ser pensadas de maneira individualizada, utilizando todos os recursos para que isso seja possível. Acredito que a aliança da tecnologia com a evidência científica pode ajudar na construção de diagnósticos individualizados e assertivos.
Podemos achar muitas coisas. Mas quando se trata da saúde e do bem-estar do paciente, devemos ter certeza. Certeza de que buscaremos a melhor alternativa para o seu tratamento e de que ele será o motivo central de nossas ações.
Andréa Bergamini é diretora técnica da empresa Gestão OPME; mestre em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília; integrante do Grupo Técnico de Trabalho de Órteses, Próteses e Materiais Especiais, coordenado pelas Agência Nacional de Vigilância Sanitária e Agência Nacional de Saúde Suplementar; parte do Comitê Técnico de OPME do Fórum Latino-Americano de Defesa do Consumidor e secretária-geral do Instituto Transparência Saúde (ITS)