Por Carol Gonçalves
Com graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina do ABC, doutorado em Medicina (Tocoginecologia) e pós-doutorado em Ciências da Saúde, ambos pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – FCMSCSP, o Dr. Eduardo Fleury tem experiência em diagnóstico da mulher. Atualmente, desenvolve pesquisas na área de diagnóstico por imagem no IBCC – Instituto Brasileiro de Controle do Câncer em conjunto com outras especialidades. Desde o início de suas atividades no Instituto, há três anos, foram oito artigos originais publicados na área de tecnologia e câncer de mama, com duas premiações em congressos internacionais. Recentemente, tornou-se o primeiro latino-americano portador do European Diploma in Breast Imaging (EDBI) – Diploma Europeu em Imagem das Mamas, concedido pela Sociedade Europeia de Imaginologia das Mamas. Ele ajuda a padronizar a formação e a especialização na área em toda a Europa e é endossado pela Sociedade Europeia de Radiologia. Dr. Eduardo também é Professor Titular de Radiologia do Curso de Graduação em Medicina do Centro Universitário São Camilo e revisor de periódicos, como European Radiology, Diagnostic and Interventional Radiology Journal e Revista da Associação Médica Brasileira.
Fale sobre os seus estudos na área de inteligência artificial em mamografia. Quais as descobertas?
A inteligência artificial passou a ser mais disponível e vivemos uma era de conhecimento desta nova tecnologia. Não existe uma resposta até onde ela pode chegar. No caso dos exames de imagem, eles passaram a ser digitais a partir da década de 2000, permitindo armazenar os dados. Outra revolução se deu nos algoritmos de processamento de imagens. Até o ano de 2014, os softwares de diagnóstico assistido por computador tinham resultados frustrantes. A partir de 2014, com o uso de tecnologias de machine learning e deep-learning, os resultados começaram a ser mais animadores. Basicamente, antes a gente tentava fazer com que o computador pensasse como ser humano, mas os resultados eram ruins. Com estas tecnologias, fizemos com que os computadores criassem critérios próprios para avaliar as imagens. Estes resultados passaram a ser complementares aos dos seres humanos. Vale ressaltar que a aplicação desta tecnologia na prática clínica é muito complexa, há implicações médico-ético-legais que ainda não estão regulamentadas. Essencialmente, o estudo que fazemos hoje no IBCC destinado a IA é baseado em certificação da qualidade das imagens obtidas pela mamografia e para classificar a densidade das mamas. Atualmente, não existe um critério objetivo para determinar a qualidade dos exames, muitas vezes, os médicos solicitantes requerem um novo por não acreditar no laudo emitido. Isto tem várias implicações, desde financeiras, com o aumento dos gastos na realização de um novo exame, até a exposição da paciente a um outro procedimento. Se houver uma certificação atestando sua qualidade, não haverá necessidade de realizar um novo, apenas uma nova leitura. Quanto à densidade das mamas, o uso de um software ajudaria a padronizar a classificação, que não mais seria baseada em critérios subjetivos.
Quais as atividades que você realiza no IBCC?
Faço parte de um grupo de radiologistas especialistas. Cabe a mim coordenar a parte de imaginologia mamária. Formamos quatro residentes por ano em radiologia geral e temos três vagas de especialização em diagnóstico das mamas. O IBCC nos oferece toda a estrutura para o atendimento das nossas pacientes, incluindo os exames de mamografia, ultrassonografia, ressonância magnética e biópsias mamárias em geral. Além disso, temos uma reunião semanal do serviço de imagem das mamas e outra multidisciplinar com as equipes da mastologia, patologia, medicina nuclear, oncologia, plástica e radioterapia. Tivemos no período de três anos um aluno de doutorado, defendi meu pós-doutorado e temos dois mestrandos, todos envolvidos em trabalhos no IBCC.
Quais os diferenciais do IBCC na área de radiologia?
O IBCC nasceu do ideal de seu fundador em realizar o rastreamento do câncer de mama. O Prof. Dr. Sampaio Góes foi um visionário na sua época e hoje é representado pelo seu filho, o Prof. Dr. João Carlos Sampaio Góes. Como um centro vanguardista no rastreamento do câncer de mama, o IBCC hoje tem excelência no assunto. Temos à disposição um arquivo digitalizado de cada paciente por um período de 10 anos. Possuímos, ainda, aparelhos com tecnologia de ponta que oferecem o mesmo exame que é realizado em países de primeiro mundo.
Com quais projetos está envolvido no momento?
Atualmente há quatro projetos especiais no IBCC: uso de inteligência artificial na ultrassonografia para a classificação de nódulos; uso de inteligência artificial em mamografia para determinar qualidade e densidade mamária; avaliação de ducto único dilatado pela mamografia; e avaliação de implantes mamários. Temos ainda projetos referentes ao rastreamento de câncer de mama, carcinoma ductal in situ e carcinoma oculto das mamas.
O que o pós-doutorado em Ciências da Saúde agregou à sua prática diária?
O pós-doutorado me trouxe maior expertise e conhecimento na área de inteligência artificial. Graças à minha aluna de doutorado, tive oportunidade de me relacionar com pessoas brilhantes na área de tecnologia, nas Universidades de Pittsburgh, USP São Carlos e agora na Unicamp.
Como professor, como você avalia a nova geração de médicos?
Acredito que todos na vida evoluem com o tempo, então é difícil falar que a nova geração será pior que a minha. Hoje se tem disponível muito mais informação do que na época em que estudei medicina. Muitas vezes, livros e textos eram passados por vários anos na formação médica, hoje isto é impossível de acontecer. As informações estão muito mais disponíveis e acessíveis. No entanto, a quantidade não reflete qualidade e este é o principal desafio atual: como lidar com a informação. Hoje há uma troca com os alunos, na qual os dois lados aprendem. Vejo enorme potencial nesta nova geração. Meu único receio é que haja uma robotização da medicina. Venho de uma escola na qual a clínica era muito valorizada, a Faculdade de Medicina do ABC. Tento passar para os alunos que nunca devemos nos esquecer da relação médico-paciente. Lembro sempre que entre o médico e o diagnóstico existe um paciente, uma vida que geralmente está fragilizada. Acredito muito na humanização da medicina. É onde fazemos a diferença.
O que sua experiência internacional acrescenta ao seu trabalho no Brasil?
O intercâmbio internacional agrega muito valor na minha prática diária, pois tenho a possibilidade de desenvolver trabalhos em conjunto com grupos de outras nacionalidades. É extremamente gratificante ver os projetos idealizados e desenvolvidos no Brasil serem replicados no exterior, bem como poder reproduzir os trabalhos estrangeiros em nosso país. O intercâmbio de informações tem grande valor para determinarmos condutas e manuseio na área de imaginologia.
A que se deve a conquista do Diploma Europeu em Imagem das Mamas?
Há seis anos mantenho atividades científicas com a Sociedade Europeia de Radiologia. Faço parte da seleção e julgamento dos trabalhos exibidos no Congresso Europeu de Radiologia. No mesmo congresso faço moderação de algumas sessões científicas. Além disso, sou membro do corpo editorial de duas revistas da sociedade, a European Radiology e a European Radiology Experimental. Em 2015, decidi passar de membro internacional da sociedade, onde tinha atividade limitada, para membro ativo. Para isso, tinha de validar o meu diploma médico na Europa, o que fiz em Portugal, onde passei por um processo de avaliação teórico-prática. Após a validação do diploma e a inscrição na Ordem dos Médicos de Portugal, pleiteei virar membro ativo, tanto da Sociedade Europeia de Radiologia como da Sociedade Europeia de Imaginologia Mamária, o que sou atualmente. Isto está permitindo um intercâmbio com os pesquisadores europeus e nosso grupo. Hoje, temos dois projetos de trabalhos conjuntos.
Como você avalia o avanço da medicina em relação à saúde da mulher?
Graças à mulher, a saúde feminina é muito bem compreendida nos tempos atuais. A mulher se cuida, é dedicada, inteligente, tem curiosidade por novas informações. Com isto vai mais ao médico e realiza mais exames. Com a prevenção, conseguimos detectar as doenças em estágios mais precoces e muitas vezes oferecer tratamentos que podem chegar à cura. Veja o caso da mamografia, é o único exame de rastreamento estabelecido e realizado no mundo inteiro. É provado que reduz a mortalidade do câncer de mama e propicia tratamentos menos agressivos para as pacientes. É um “case” de sucesso.
Em sua opinião e dentro de sua área, quais os maiores desafios enfrentados e como vencê-los?
Os maiores desafios são a falta de recursos nos serviços públicos e a dificuldade de acesso para as pacientes menos favorecidas. Eles podem ser vencidos com programas de saúde mais eficientes, menor discussão política e maior discussão técnica, com caráter multiprofissional, dando voz às diversas profissões, comunidades e entidades religiosas. Esclarecer a população da importância da saúde e priorizar como os recursos devem ser aplicados. Havendo organização, a eficiência do sistema pode ser bastante otimizada. Veja o caso do IBCC. A paciente do SUS recebe o mesmo tratamento daquela oriunda da rede privada. Muitas vezes até mais rápido, devido à menor burocracia. Seria muito bom ver a forma de atendimento realizada em nosso serviço replicada na rede pública.
Como é sua rotina diária?
É igual à da maioria dos médicos do Brasil. Acordo cedo para ir ao trabalho, onde desempenho minhas atividades de segunda a sexta em período integral. Após o trabalho, dedico meu tempo à minha família – esposa e dois filhos – e à minha saúde. Como hobby, corro quatro vezes por semana. À noite, geralmente desenvolvo minha parte científica que, infelizmente, no Brasil, ainda não é muito valorizada.
Quais seus planos para o futuro?
Avançar mais na área de pesquisa, estreitar o relacionamento com as sociedades internacionais e estimular a realização de estudos multicêntricos aqui no país. O Brasil tem um enorme potencial para pesquisa, no entanto, há pouco intercâmbio entre as nossas instituições. Muitas vezes vou descobrir estudos de grupos brasileiros em congressos no exterior. Isto não faz sentido. Há pouco estímulo para pesquisas e pouco canais para comunicação entre os pesquisadores brasileiros.
Matéria originalmente publicada na Revista Hospitais Brasil edição 97, de maio/junho de 2019. Para vê-la no original, acesse: portalhospitaisbrasil.com.br/edicao-97-revista-hospitais-brasil