A cada ano que passa, os avanços tecnológicos permitem a realização de procedimentos cirúrgicos com cada vez mais alta complexidade. A cirurgia com o paciente acordado, participando de todo o processo e com possibilidade de mínimas sequelas, é um desses aprimoramentos. Este tipo de operação é utilizada, por exemplo, para abordagem de tumores intracranianos e distúrbios funcionais em áreas eloquentes.
A cirurgia, desenvolvida por vários anos, passa a ser feita no Hospital Anchieta, de Brasília (DF), com o apoio multidisciplinar. Na terça-feira (30), será realizada novamente. “Trata-se de uma operação de altíssima complexidade e necessita não apenas de tecnologia, mas também de capacitação humana. Aqui no Anchieta, nós contamos com anestesistas, oncologistas, radiologistas, neurologistas, neurofisiologistas, neurocirurgiões e um time de profissionais preparado para todo o processo”, explica o neurocirurgião da NeuroAnchieta, Dr. André Meireles Borba.
De acordo com o especialista, durante a cirurgia a interação com o paciente é fundamental e esse é o diferencial do procedimento. “É necessário interagir com o paciente e mantê-lo participativo, ao mesmo tempo avaliando se alguma capacidade funcional, desde linguagem, cálculo, memória ou movimentação de alguma região do corpo possa ser comprometida durante a cirurgia. Isso em tempo real durante a manipulação intracraniana. Simplesmente olhando para o cérebro, não é possível dizer isso. Com essa técnica, pode-se entender como o tumor está afetando cada indivíduo e a estratégia específica que permita a maior remoção da lesão com o mínimo de sequela”, acrescenta o neurocirurgião.
Como funciona a cirurgia
Com o paciente posicionado, seguem-se os preparativos para a abertura craniana e, daí, mantendo-o acordado, a equipe conversa e aplica testes. Isso permite avaliar suas funções ao mesmo tempo em que tumor vai sendo removido. A todo instante, perguntas são feitas, como, por exemplo, “Qual é a cor do céu”, “Quais os meses do ano”, “Quem são as pessoas da sua família”. Além disso, o neurocirurgião, com uso de instrumental especial, pode aplicar pequenas cargas elétricas que ativam as regiões próximas de onde está o tumor até encontrar seus limites, localizando áreas importantes, como as que controlam os movimentos, por exemplo, o que reduz ao mínimo o risco de sequelas.
A decisão de manter o paciente acordado é exatamente com esse propósito, de garantir que áreas eloquentes, responsáveis, por exemplo, pelos movimentos e pela fala, sejam preservadas ao máximo possível. Cada etapa é acompanhada por um especialista médico. “Isso é possível através de técnicas de anestesia e de controle de cada uma das fases da neurocirurgia, desde o começo ao final do processo, com o suporte continuado de diversas equipes e métodos específicos de monitorização. Ou seja, é preciso atenção ao manipular determinada região para não prejudicar nenhuma função cerebral. Por exemplo, quando próximo da área da fala, conversa-se com o paciente para identificar precocemente qualquer eventual alteração na linguagem, inclusive mudanças na articulação de fala, como fala enrolada, uma espécie de gagueira e a qualidade da fala, algo parecido como esquecer como evocar palavras ou formar frases”, conta Dr. André Meireles Borba.
O paciente da cirurgia de terça-feira tem expectativas positivas quanto ao procedimento e não ter sequelas. “Eu vou estar acordado, e prefiro ficar vendo tudo passo a passo, me sinto mais seguro assim. Eu acho que vai ser mais viável para o médico e para mim também. Ele vai mexer no ponto da lesão e saber se está atingindo alguma parte da região motora. É melhor para avaliar o que está sendo feito e não ter sequelas”, afirma P.I.C.M, que preferiu não se identificar.
Sem dor alguma
A primeira decisão é sempre avaliar quanto à necessidade e a possibilidade de fazer a abordagem com o paciente acordado ou não. Quando indicado, ainda existem modos diferentes de realizar a cirurgia dita “acordada”. É possível mantê-lo consciente e dialogando desde o começo do processo, ou optar por estratégias mistas, como uma sedação profunda que é superficializada no momento de manipulação cerebral ou até uma anestesia próxima da geral com uso de máscara, a qual é removida no período necessário.
“Esse tipo de cirurgia não é raro, mas incomum, pois nem todo paciente tem essa necessidade, embora aqueles que a tem se beneficiem muito da técnica. Cada caso precisa ser avaliado para decisão de manter ou não o paciente acordado. Uma vez imaginada a forma de sedação ou anestesia, conversamos com o paciente e explicamos o passo a passo. Isso incluiu preveni-lo de questões como quais ruídos ele irá escutar durante o procedimento, a possibilidade de acordar sentindo a cabeça presa, com o couro cabeludo anestesiado e vários outros detalhes que, aparentemente, poderiam passar despercebidos”, exemplifica Dr. André Meireles Borba.
O procedimento da próxima semana seguirá os padrões de qualidade e segurança que são parte da rotina de trabalho do Grupo Anchieta. Além de ser utilizada nos casos de câncer cerebral, a cirurgia com o paciente acordado é ainda parte do tratamento de várias outras condições neurológicas como, por exemplo, o Mal de Parkinson.