O governo sueco prometeu que lançaria um sistema centralizado de dados de registros de saúde até 2020, que poderia ser acessado pelos pacientes. Uma promessa semelhante foi feita pelo ministro da Saúde de Quebec (no Canadá), Gaétan Barrette. São boas iniciativas, mas sistemas centralizados podem não ser a melhor solução para a saúde quando os dados são fragmentados por natureza. Uma solução baseada em blocos nos permitiria construir uma alternativa descentralizada no lugar de um modelo centralizado, ideal, mas dificílimo de ser implantado e dependente de investimentos públicos e burocracia estatal.
No Brasil, o SUS está subfinanciado, sem perspectiva de investimento significativo para integrar e compartilhar as informações sobre a saúde de cada indivíduo com sua clínica de atenção primaria, médico de família e comunidade e com o próprio paciente e seus cuidadores. Vamos torcer para que algum dia as informações sobre saúde fiquem disponíveis “on-line” e “on-time”.
A limitação orçamentaria do SUS e a grande disparidade de renda entre as classes facilitaram o desenvolvimento da saúde suplementar. No entanto, as informações geradas não são integradas com as diversas modalidades de operadores e muito menos com a base de dados do SUS.
Investimentos significativos estão sendo realizados – na área pública e privada – no registro e agrupamento de dados do paciente. Entretanto, tudo fragmentado e ainda em fase de implementação. Esses agrupamentos de dados necessitam de padronização e uma maior disseminação, especialmente por ser de suma importância ao cidadão e ao sistema. Sem informação confiável, a redundância, a ineficiência e os desperdícios seguem contribuindo para uma inflação de custos da saúde muito acima da inflação da moeda.
Existe consenso de todos os participantes do ecossistema da saúde sobre a necessidade de mudança em busca da sustentabilidade do setor. Os avanços tecnológicos e médico-científicos foram percebidos como condutores essenciais que moldam a organização futura e a prestação de cuidados, diagnósticos e intervenções preventivas, bem como a relação paciente-médico de forma mais ampla.
No particular, avanços e maior uso de inteligência artificial, tecnologias vestíveis, aplicativos digitais e medicina baseada em genômica são amplamente destacados como tendências importantes e que vieram para ficar, mas, para chegarem a bons resultados, dependem de informação disponível e confiável.
Segundo entidades representantes de empresas do setor de saúde suplementar, reajustes refletem a variação dos custos na saúde. Essa variação está relacionada aos seguintes aspectos: maior frequência/utilização dos serviços; incorporação de novas tecnologias; envelhecimento da população; cronificação de doenças que seriam mortais, como hepatite C e HIV; e desperdício ou fraudes no uso do serviço.
Dados fornecidos pela FenaSaúde dão conta que, só nos últimos dez anos, os gastos médicos sofreram um reajuste de 232%. No mesmo período, a inflação da moeda foi de 71%, de acordo com o IPCA. Ao passo que, por parte da ANS, os reajustes concedidos aos planos individuais chegaram a 158%.
Por trás desses números, está uma série de fatores que geram um desequilíbrio entre as expectativas das empresas, seus beneficiários e as atuais condições de oferta por parte das operadoras de planos de saúde, que precisam absorver o aumento dos custos e, ainda assim, manter a competitividade. Essa conta se torna ainda mais complexa tendo em vista que o número de procedimentos cresce na média de 6,4% ao ano, segundo a FenaSaúde.
Para reestruturarmos as redes de assistência à saúde, é primordial conhecermos a população das diferentes regiões. Com informação confiável, podemos identificar dados básicos para um desenho epidemiológico da saúde da população a ser gerenciada.
Sem um sistema único de dados na saúde, ocorre a fragmentação dos cuidados, que acaba causando problemas para pacientes e prestadores no cuidado da saúde. Como os pacientes não possuem seus dados médicos, acabam por enfrentar tratamentos desnecessários, testes duplos ou burocracia extra. Os prestadores de serviço de saúde acabam por solicitar procedimentos desnecessários, gerando custos diretos e indiretos, e muitos tomam decisões com base em informações incompletas.
O desperdício é resultado da fragmentação e do desalinhamento entre os participantes do ecossistema da saúde. Felizmente, eles estão percebendo que a situação é insustentável e estão buscando cada vez mais soluções que podem aproveitar o poder dos grandes dados para melhorar os processos de saúde existentes.
Paulo Marcos Senra Souza é médico, formado pela UFRJ com especialização em Administração de Serviços de Saúde pela PUC-RJ, MBA executivo pelo Coppead UFRJ e mestrado em Saúde Coletiva pelo IESC UFRJ. É cofundador da Amil Assistência Médica, da qual foi executivo por 40 anos. Também é cofundador e conselheiro da ASAP – Aliança para Saúde Populacional e do INLAGS – Instituto Latino Americano de Gestão de Saúde
Matéria originalmente publicada na Revista Hospitais Brasil edição 99, de setembro/outubro de 2019. Para vê-la no original, acesse: portalhospitaisbrasil.com.br/edicao-99-revista-hospitais-brasil