A Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), alerta sobre a importância do exame do Líquido Cefalorraqueano em casos de Covid-19. O novo Coronavírus (Covid-19) tem como sintomas característicos febre, tosse e dificuldades respiratórias. Alguns pacientes evoluem para o quadro de pneumonia, podendo culminar com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-CoV-2).
Alguns estudos internacionais resolveram testar se, assim como outros vírus respiratórios, o SARS-CoV-2 também poderia causar complicações neurológicas. O que se confirmou no primeiro relato de manifestações neurológicas relacionadas ao Covid-19, em fevereiro de 2020, quando Mao e cols. publicaram na China uma série retrospectiva de 214 pacientes internados, dos quais 78 (36,4%) apresentavam sintomatologia neurológica.
As alterações de sistema nervoso central (SNC) ocorreram em 24,8% dos casos, sendo as mais frequentes tontura (16,8%) e cefaleia (13,1%). As manifestações mais comuns de sistema nervoso periférico (SNP), que ocorreram em 8,9%, foram hipogeusia e hiposmia. Alterações de enzimas musculares foram encontradas em 10,7%. Neste estudo não foram analisados dados de neuroimagem nem liquóricos.
Ao longo de março de 2020, surgiram relatos de possíveis casos de encefalopatia e/ou encefalite associadas ao Covid-19. Sun e Guan relataram que um paciente atendido em Beijing que teve o Covid-19 identificado em amostra de LCR. Poyiadji e cols. Descreveram caso de paciente com síndrome respiratória aguda e sintomas neurológicos, cuja ressonância de crânio mostrou lesões hemorrágicas talâmicas bilaterais, em regiões mesiais temporais e subinsulares, compatíveis com encefalopatia necro-hemorrágica. O LCR não foi testado para o Covid-19 nem para o vírus HSV.
Morigushi e col. relataram caso de provável encefalite associada ao Covid-19, em paciente que iniciou com crises epilépticas refratárias após 9 dias de sintomas respiratórios. A ressonância mostrou lesão compatível com encefalite ou esclerose mesial temporal. O LCR tinha 32cm H20 de pressão de abertura, 12 células/mm3, sendo 10 linfócitos e 2 polimorfonucleares e PCR positivo para Covid-19. Não há outros dados liquóricos e o LCR não foi testado para outros vírus.
Os estudos mencionados indicam a possibilidade de uma associação entre o Covid-19 e o SNC – Sistema Nervoso Central. Tal associação foi demonstrada com outros Coronavírus. Tanto o SARS-CoV quanto o MERS-CoV foram identificados em tecido cerebral, dentro de neurônios. O SARS-CoV e o Covid-19 compartilham o mesmo receptor para entrada nas células, o receptor de enzima conversora de angiotensina (ACE-2), que está presente em vários tipos celulares, incluindo neurônios. Foi demonstrada experimentalmente a transferência transináptica destes vírus. Portanto, embora os relatos sejam poucos, é possível que pelo menos em alguns casos, o Covid-19 atravesse a barreira hematoencefálica e penetre no SNC, causando lesão neuronal.
Segundo o Dr. Carlos Senne, ex-presidente da SBPC/ML, como o paciente crônico é entubado, em estado de sedação, a capacidade de análise do seu lado cognitivo fica muito comprometida e pode “mascarar” um estado que merece a atenção da equipe médica.
É necessário conhecer melhor a relação entre o Covid-19 e o SNC. Isso só será possível através da investigação dos casos com manifestações neurológicas através de neuroimagem, preferencialmente ressonância, e LCR, incluindo a investigação da imunoprodução intratecal (para conhecermos a resposta imune ao vírus no SNC) e PCR para Covid-19 e outros vírus neurotrópicos. A inclusão de painel de vírus é importante para afastar diagnósticos diferenciais e melhor caracterizar a relação causa efeito entre o Covid-19 e o quadro neurológico. Por isso a recomendação de realizar PCR em LCR para meningites e meningoencefalire.
Programa de Avaliação de Kits para Coronavírus
Esta iniciativa visa inclusive somar-se ao esforço promovido pelo Ministério da Saúde em disponibilizar testes de diagnóstico tanto para o uso hospitalar quanto para testagens massivas, através de diferentes tecnologias, como testes rápidos imunocromatográficos, POCT (Point of Care), ELISA, fluorimetria e PCR-RT. Neste sentido, conhecer o tipo de teste, o fabricante, seu lote e as características do produto são fundamentais. Para isso, o processo de validação usa amostras de pacientes infectados pelo vírus que indicam a curva de conversão, principalmente para os testes de anticorpos, além de basear-se em protocolos comuns, previamente discutidos entre os especialistas participantes desta força-tarefa.
Utilizando a estrutura dos laboratórios do Hospital Albert Einstein, Dasa, Fleury, Diagnósticos do Brasil, Hermes Pardini, Sabin, Emílio Ribas e Laboratório Central do Hospital das Clínicas da FMUSP, estão sendo testados, além dos mais de 60 testes registrados pela Anvisa, outros tantos que ainda estão sendo importados em caráter excepcional (sem registro), pois, mesmo tendo a análise documental da Anvisa ser obrigatória para que os testes possam ser comercializados, o mesmo não atesta a eficácia dos testes.
Os dados gerados por estas avaliações servirão para estudo internacional promovido pelo International Diagnostic Centre (IDC) da London School of Hygiene & Tropical Medicine (LSHTM) e Aliança Latinoamericana para o Desenvolvimento do Diagnóstico in Vitro (ALADDIV), em cooperação com a União Europeia e Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a importância da “preparedness“, ou seja, em estarmos preparados para lidar com pandemias, seja do ponto de vista regulatório ou de acesso, dentre outros.