Em 2021, os beneficiários de planos de saúde acumularam mais uma preocupação: o reajuste em meio à crise causada pela pandemia. Após meses de suspensão, o aumento voltou a valer. A inflação médica disparou, impactando no preço das mensalidades, e reaqueceu a discussão sobre o alto custo da saúde no país. Hoje, segundo a ANS, 47,3 milhões de beneficiários de plano de saúde no Brasil, isso corresponde a 22,5% da população que sente o reflexo desse aumento no bolso. Em média, o plano de saúde compromete 4% do orçamento das famílias. Nas empresas que oferecem como benefício a funcionários, os gastos com saúde só perdem para os com a folha de pagamento. Com o aumento do desemprego e a dificuldade em arcar com planos individuais, muitos brasileiros da classe média estão recorrendo ao SUS, que mesmo antes da pandemia já sofria com a alta demanda.
Mas será que estamos diante de um problema crônico e insolúvel, que se agrava sob um efeito bola de neve? Eu nasci, cresci e iniciei minha vida profissional na Europa e acompanhei a experiência de alguns países que criaram estratégias eficientes para reduzir essa inflação sem causar danos assistenciais. A principal delas é a Atenção Primária à Saúde (APS), um serviço essencial à sustentabilidade do sistema de saúde, que tem o médico de família como figura central. Países como a Inglaterra, o Canadá, a Alemanha e a Dinamarca criaram seus sistemas de saúde atuais baseados em APS.
No Brasil, o SUS é uma uma referência para o trabalho com os médicos de família, que atuam em conjunto com uma equipe de cuidado para acompanhar o paciente de perto. Quando olhamos para a saúde privada, no entanto, a lógica é outra: aqui funciona o “shopping de especialidades”, baseado no tradicional livrinho do convênio. É um modelo pouco saudável que acarreta em custos altos sem melhorar a qualidade dos desfechos clínicos, além de favorecer um volume maior de consultas e exames, muitas vezes sem necessidade, e de aumentar a sinistralidade dos planos.
O caminho correto a ser percorrido pelo paciente deveria ser, em primeiro lugar, uma consulta com o seu médico de família. Ele que terá todas as informações necessárias baseadas no seu histórico para, caso necessário, encaminhar para a consulta com o médico especialista. Só depois dessa etapa que os profissionais de saúde avaliam se a pessoa precisa ou não recorrer à atenção terciária (quando o paciente carece de internação, cirurgia ou exames mais invasivos). Todas essas etapas fazem parte do Cuidado Coordenado que a APS proporciona ao paciente, pois assim ele recebe um atendimento mais direcionado e sempre tem sua equipe de saúde por perto. Quantas queixas de pacientes são resolvidas pela atenção primária? Há diversos dados que mostram que pelo menos 80% delas. No caso das nossas clínicas, chega a 90%: apenas um em cada 10 pacientes necessita de um atendimento de especialista.
Por que, então, não aplicamos isso em toda a cadeia? Meu palpite é que é difícil romper com um sistema difundido há décadas, que oferece uma pretensa liberdade de escolha para o paciente. Na prática, os beneficiários estão pagando por muito mais do que essencialmente usam. É como se uma pessoa sem filhos e que não é fã de esportes só conseguisse assinar uma TV a cabo se levasse junto o pacote com todos os canais infantis e todos os campeonatos de futebol, basquete, hóquei no gelo e críquete.
Ter um plano de saúde baseado em APS não quer dizer que ele será mais restrito. Pelo contrário, as opções de especialistas sempre estarão lá e há uma nova modalidade a se experimentar. O médico de família garante acesso a um tratamento mais humano ao olhar o paciente como um todo e não apenas para a queixa que ele tem. Existem diversos levantamentos que mostram como a APS reduz os gastos com consultas e exames desnecessários, idas ao pronto socorro, sem contar nas internações.
Estamos diante de uma grande oportunidade para romper com um modelo que já não funciona mais. A APS é um sistema difundido há décadas e que foi bastante fortalecido com uma nova geração de tecnologias. Muitas das queixas de pacientes hoje podem ser resolvidas por teleatendimento. Além do custo menor, também diminui o risco de expor a pessoa a um ambiente hospitalar. Por um aplicativo, o paciente tem acesso a sua equipe médica 24 horas por dia e 7 dias por semana, que conhece o seu prontuário eletrônico e mais uma série de informações. Todos esses dados estão sendo analisados em tempo real, oferecendo subsídios para que os diagnósticos e tratamentos sejam cada vez mais precisos, tanto do ponto de vista da saúde do paciente como dos custos envolvidos.
No final, essa transformação impactará positivamente toda a cadeia, especialmente os pacientes, os maiores beneficiados.
Emilio Puschmann é fundador e CEO da Amparo Saúde, healthtech especializada em Atenção Primária à Saúde presencial e remota