Artigo – O custo político da obesidade

Essa semana, ao ver a foto estampada nos jornais do primeiro jovem que morreu de Covid-19 aguardando na fila de leitos de São Paulo, lembrei de um fato que marcou a minha vida e poderia ter mudado a realidade do colapso que vivemos hoje na saúde do país. Em meados de 2008, fui convidado para fazer uma apresentação na Comissão de Saúde do Senado Federal sobre obesidade e diabetes. Me senti extremamente honrado, pois por anos operei e dei aula em diversos países do mundo, sempre com um orgulhoso capuz do Brasil na cabeça. Aquele capuz, ao fim das cirurgias era objeto de “briga” entre os cirurgiões e estar no Senado para mim, representava que minha voz, finalmente seria ouvida no Brasil. Comecei a apresentação e lembro de olhar para uma plateia de senadores, mas que no início, todos pareciam estar apenas conectados nas suas trocas de mensagem dos antigos Blackberrys.

Em determinado momento, quando apresentei os números relativos às proposições e Projetos de Leis (PLs) para futebol e praias comparados a obesidade e Diabetes, subitamente todos começaram a prestar atenção. Naquele momento, havia 161 PLs para futebol no Congresso Nacional; 49 para praias e para Obesidade e Diabetes, juntos, tínhamos apenas 52.

Já na época os estudos demonstravam que provavelmente em 2030 a maior parte dos sistemas de saúde, seja público ou privado, entrariam em colapso devido ao grande número de infartados, diabéticos, pacientes em hemodiálise, câncer, doenças ortopédicas dentre outras, todas por consequência da obesidade. A pandemia fez o país colapsar 10 anos antes. E muitos dos pacientes que estão morrendo sem conseguir leitos – como o caso de São Paulo – são portadores de obesidade.

Ao fim da apresentação, um conhecido senador me convidou para formularmos um Projeto de Lei. A ideia que sugeri era muito simples. Classificaríamos os alimentos por três cores: verde (alimentos saudáveis), amarelo (saudáveis, mas com alguma restrição) e vermelho (não saudável) e colocaríamos nas embalagens um simples cartão, como dos juízes de futebol, com a cor a qual foi classificado.

A ideia era criar uma mentalidade na população, principalmente nas crianças, de qual alimento eles estariam consumindo e suas consequências, objetivando prevenir a obesidade. A lei nunca passou da Comissão de Constituição e Justiça. Diversas outras foram as tentativas de entidades médicas e da imprensa no sentido de alertar sobre as consequências futuras da doença obesidade.

Passados 13 anos, estamos vendo diariamente centenas de brasileiros, portadores de obesidade e suas comorbidades, morrerem pela Covid-19. Diversos são os estudos nos EUA, China, Itália, Inglaterra e Brasil que demonstram a relação obesidade e piora evolutiva da doença, prolongado tempo de internação e morte, tudo isso com um aumento no consumo de oxigênio, agentes anestésicos, antibióticos e obviamente custo. Está faltando anestésicos e oxigênio, o que temos de sobra, são obesos.

Estudo publicado agora em fevereiro, na revista Clinical Obesity, sobre o custo de internação dos obesos com Covid-19 na Europa, englobando diversos países, comparado com pacientes de peso normal, demonstrou o dobro de custo para os obesos.

Por outro lado, iniciamos, mesmo que modestamente, campanhas de vacinação, e novamente nos deparamos com estudos que demonstram que a produção de anticorpos e consequentemente os mecanismos de defesa da vacina nos obesos têm um efeito menos protetor do que em pacientes com peso dentro da normalidade.

Aldo Venuti, do Istituti Fisioterapici Ospitalieri em Roma e seus colegas, demonstraram que a resposta na produção de anticorpos da vacina da Pfizer/BioNTech é menor nos portadores de obesidade. Nesse mesmo estudo, discute-se a ideia de uma provável necessidade de doses extras de vacinas nessa população.

Estudos da Universidade do Sergipe em conjunto com Universidade da Bahia, publicado no Journal Of Infecction também em fevereiro de 2021, demonstram que a reinfecção é maior na população de obesos.

Não termos tido a responsabilidade e cuidado na prevenção e propagação da doença obesidade levou nosso país a uma incontrolável população de obesos, que têm maior facilidade de se infectar, transmitir, reinfectar e evoluir para a forma grave da doença.

Ao ser vacinado, não se tem estudos suficientes para saber se terá a mesma proteção do paciente de peso dito normal. As consequências econômicas, com maior gasto de anestésico, oxigênio e outros insumos, também é maior no obeso.

Por fim, imaginar que uma doença na maior parte das vezes prevenível pode estar levando ao colapso o sistema de saúde de todo um país é no mínimo nos lembrar a Legião Urbana: “que país é esse?”.

 

 

 

 

Cid Pitombo é médico, mestre e doutor em Cirurgia, editor-chefe do livro ‘Obesity Surgery: principle and practice’

Redação

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