“Eu não podia desistir”, disse Fernando Regis Alves Cavaleiro, 48 anos, o primeiro paciente de transplante duplo no Hospital Brasília (DF). Nos primeiros dias de 2021 o comerciante de Goiânia ganhou nova vida e fez história na capital do Brasil. Fernando recebeu, na mesma cirurgia, dois órgãos: um rim e um fígado.
Há um ano o comerciante de Goiânia teve um mal estar no dia de seu aniversário, em 8 de março, quando foi ao hospital e descobriu que o fígado estava comprometido por uma cirrose. “Fiz uma redução de estômago em 2015. É muito fácil uma pessoa que passa pela cirurgia bariátrica abusar do álcool. Quando cheguei ao hospital, foi questão de tempo até me dizerem que, além do fígado, os rins não funcionavam mais”, relata.
Fernando narra que o diagnóstico veio das mãos de um dos médicos que salvou sua vida. O cirurgião do aparelho digestivo e coordenador do programa de transplante de fígado do Hospital Brasília André Watanabe disse que seria um tratamento complicado, mas possível. Mas o comerciante não desanimou. “Eu disse para ele que não podia desistir, eu queria viver. Passei o natal e o ano novo numa angústia. Eu era o primeiro da fila, mas sentia muita angústia pois só passava muito mal. Foi quando, em 9 de janeiro, minha esposa foi trabalhar, eu fiquei em casa e o telefone tocou. Era a enfermeira do Hospital Brasília me dizendo que os órgãos estavam disponíveis e que eu tinha que ir para Brasília imediatamente. Nem pude beber água, pois ia fazer o transplante no mesmo dia. Cheguei em Brasília e meia noite do mesmo dia eu estava no centro cirúrgico”, conta. Fernando recebeu os órgãos de uma mulher de 31 anos, falecida no Mato Grosso.
De acordo com a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), o transplante duplo, de rim e fígado, não é algo comum. Dados mais recentes da organização mostram que em 2019 só haviam sido feitos 16 transplantes duplos de rim e fígado no Brasil e nenhum deles em Brasília. Já no Hospital Brasília, o transplante de Fernando foi o primeiro da instituição, e o primeiro do ano na capital federal.
Segundo o nefrologista do Hospital Brasília Pedro Mendes Filho, o transplante duplo não é comum porque, para que isso ocorra, é necessária uma combinação de doenças crônicas. “Ele tinha duas doenças ao mesmo tempo: era portador de cirrose que prejudicou o rim. Passados os 90 dias de hemodiálise, o paciente se tornou um renal crônico, sem rim e sem fígados funcionando”, esclarece.
No transplante duplo, as duas operações ocorrem no mesmo ato cirúrgico, porém de maneira sequencial como explica o especialista em fígado André Watanabe. De acordo com o médico, primeiro é colocado o fígado, pois o tempo de vida dele fora do organismo é menor. Logo depois troca-se a equipe e o rim é instalado.
“Esta é uma cirurgia que pode ser realizada em diferentes idades, mas depende da condição do paciente. Não é um procedimento incomum, mas acontece com baixa frequência. Por exemplo, em mais de 600 casos a gente fez no máximo 10, ou seja, foram menos de 2%. É uma cirurgia extensa, com mais de 10h, é complexa e mostra como o Hospital Brasília está habilitado”, destaca Watanabe.
Vida de transplantado
O nefrologista ainda ressalta que Fernando agora vive com três rins. “Ele perdeu a função dos dois rins. Porém, para o transplante só é necessário um rim e é o suficiente para a vida dele. No caso do fígado, o Watanabe tirou o fígado doente e colocou outro no lugar. No rim não é necessário tirá-los, apenas implantar o novo em outro lugar próximo. A pessoa continua com os rins antigos mesmo não funcionando”, revela.
Fernando conta que a cirurgia foi um sucesso. Ficou poucos dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e logo foi para o quarto, onde já se exercitava com auxílio de fisioterapeuta, e podia caminhar pelo jardim do hospital. Após pouco mais de um mês, o comerciante goiano recebeu alta. “Pouco menos de um mês depois da cirurgia eu já estou praticamente recuperado. Graças a Deus deu tudo certo e eu só tenho a agradecer a esse hospital e a equipe daqui, pois salvaram minha vida”, finaliza.
Pedro Mendes ainda destaca que agora Fernando precisa continuar com acompanhamento com as duas especialidades, tomar remédios imunossupressores para evitar a rejeição dos órgãos e manter hábitos saudáveis: evitar bebidas alcoólicas, se alimentar bem, evitando dieta muito rica em sal.