Uma vacina desenvolvida por pesquisadores do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (CONICET, na sigla em espanhol) no Instituto Leloir, em Buenos Aires, desencadeou uma forte resposta imunológica contra SARS-CoV-2 em estudos pré-clínicos em camundongos. Agora a parceria público-privada avança em sua produção de acordo com as boas práticas de fabricação e, em seguida, realizará estudos clínicos para determinar sua segurança e eficácia. Neste contexto, a Fundação Instituto Leloir (FIL), o CONICET e a empresa de biotecnologia Vaxinz assinaram um acordo para desenvolver a vacina e levá-la a ensaios clínicos.
Para o coordenador do projeto, Dr. Osvaldo Podhajcer, chefe do Laboratório de Terapia Molecular e Celular (LTMC) da FIL e pesquisador sênior do CONICET, as primeiras observações são animadoras. “Queremos informar que os resultados dos estudos pré-clínicos confirmam que a vacina gera uma potente resposta imunológica contra o vírus SARS-CoV-2 em 100% dos animais vacinados. E que a proteção é mantida por pelo menos 5 meses sem se deteriorar”, afirma.
O grupo liderado por Podhajcer tem décadas de experiência no uso de plataformas de adenovírus para terapia de câncer e um histórico no desenvolvimento de vacinas experimentais para o papilomavírus humano (HPV). “Em meio à pandemia, em abril, decidimos aplicar nosso conhecimento no uso do adenovírus como veículo para obter uma vacina que ofereça imunidade duradoura contra a SARS-CoV-2”, detalha Podhajcer.
“Junto com o grupo da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-UNIFESP) pudemos comprovar que o soro dos animais imunizados foi capaz de bloquear também a entrada nas células do Vírus SARS-COV-2 vivo e testaremos contra as novas variantes do vírus nas próximas semanas”, acrescentou Sabrina Vinzón, co-coordenadora do projeto.
O consórcio procurou estabelecer uma estrutura de colaboração regional na América Latina para encarar o desafio da pandemia. Com esse objetivo em mente, foi estabelecida uma aliança estratégica com a EPM-UNIFESP, liderada por seu Diretor, Prof. Dr. Manoel Girão tendo como coordenadores o Dr. Francismar Vidal e Dr. Walace Pimentel. A equipe de pesquisa foi liderada pela Dra. Tatiana Bonetti, pelo Prof. Dr. Mario Janini e pela Dra. Juliana Maricato.
Para o Dr. Manoel Girão, diretor da Escola Paulista de Medicina (EPM-UNIFESP), a parceria com a Vaxinz se estabeleceu de forma natural e sinérgica. “Desde os primeiros contatos foi possível perceber o grande potencial de complementação de capacidades. Estabelecemos as etapas iniciais da parceria e começamos os ensaios de neutralização viral, etapa dos estudos pré-clínicos da vacina para Covid-19. Na sequência está prevista nossa participação nos estudos clínicos, a depender da aprovação dos órgãos reguladores”, explica Girão.
De acordo com Girão, outras iniciativas, como o desenvolvimento de novas drogas, estão em elaboração. “É um fato que muito nos alegra, pois iniciativas como essa, aproximando centros de excelência latino-americanos, permitirá o desenvolvimento tecnológico de toda a região. Uma iniciativa de grande relevância, como sobejamente demonstrado por essa pandemia, que traz segurança de acesso para as nações latino-americanas às novas terapias”, complementa Girão.
O Laboratório de Estudos em Virologia e Patogênese Viral da EPM-UNIFESP (LEVIP) está realizando os testes de neutralização das diferentes variantes do SARS-CoV-2 na fase pré-clínica, especialmente da a variante P1, originada em Manaus e já presente em todo o Brasil. Trata-se de uma etapa fundamental para o desenvolvimento de vacinas contra variantes regionais do vírus. Dentro deste quadro de colaboração, prevê-se em breve analisar a proteção conferida pela vacina contra as novas variantes que atualmente circulam na região.
Monitoramento de eficácia para diferentes variantes
A Dra. Verónica López, uma das líderes do projeto e pesquisadora do CONICET no LTMC da FIL, esclarece o que torna essa vacina diferente. “Desenvolvemos uma vacina de segunda geração com um design inovador baseado em vetores adenovirais híbridos diferentes daqueles usados em vacinas baseadas no mesmo tipo de vetores e já aprovado em caráter emergencial”, explica López.
“Os resultados pré-clínicos em roedores mostraram que as vacinas desenvolvidas induzem tanto anticorpos que neutralizam o vírus quanto uma resposta imune celular contra ele, que é o que se busca para obter proteção”, disse a Dra. Sabrina Vinzón.
Paralelamente, o grupo de Podhajcer desenvolveu um sistema de pseudovírus que permitiu demonstrar em estudos in vitro que o soro de animais imunizados bloqueia a entrada do SARS-CoV-2 nas células. “Estamos usando esse sistema desenvolvido pelo nosso grupo para monitorar novas variantes emergentes para produzir vacinas complementares que protejam contra essas variantes”, destacam Vinzon e Dr. Felipe Nuñez, também pesquisador do LTMC.
Um acordo tripartido com alianças estratégicas
Para avançar no desenvolvimento desta vacina, foi assinado um acordo entre o CONICET, a FIL e a Vaxinz, empresa de biotecnologia focada no desenvolvimento de vacinas, que trabalha em colaboração com o Laboratório de Terapia Molecular e Celular.
Dr. Julián Maggini, Diretor Médico da Vaxinz, observa que é essencial criar capacidades locais para enfrentar o desafio da pandemia. “Precisamos conseguir amplo acesso às vacinas e mantê-las atualizadas para conseguir proteção contra novas variantes do vírus, para tudo isso um projeto regional é essencial. A Argentina, Brasil e outros países da região possuem as capacidades científicas e tecnológicas necessárias para isso. Apostamos num modelo colaborativo com o setor científico para atingir este objetivo “, delineia Maggini.
Os estudos de avaliação da eficácia da vacina em animais, peça central dos ensaios pré-clínicos, estão sendo realizados na Administração Nacional de Laboratórios e Institutos de Saúde (ANLIS), órgão dependente do Ministério da Saúde argentino. “É uma grande responsabilidade e orgulho fazer parte das organizações que realizam em conjunto o projeto de uma vacina contra o Covid-19 desenvolvida em nosso país. Os estudos que realizaremos nos permitirão demonstrar sua eficácia em estudos pré-clínicos em animais de laboratório utilizando o vírus vivo”, comentou Alexis Edelstein, Diretor da Unidade Operacional de Contenção Biológica do ANLIS-Malbran.
Boas práticas de manufatura
Já o Centro de Medicina Comparada (CONICET-UNL) está trabalhando no desenho e execução de estratégias de ensaios regulatórios pré-clínicos para harmonizar não só os requisitos da ANMAT (órgão de vigilância sanitária argentino, equivalente à Anvisa) e Anvisa, mas também de outros órgãos reguladores. Este centro possui as respectivas certificações e é o único do gênero no sistema científico argentino que conta com o reconhecimento das Boas Práticas de Laboratório (BPL-OCDE) auditadas pelo Organismo de Acreditação Argentino e um sistema de qualidade com certificação ISO 9001.
“Estamos iniciando o processo de produção GMP (Boas Práticas de Fabricação) com uma empresa farmacêutica local para, em seguida, passar, prévia aprovação dos órgãos regulatórios, para os ensaios clínicos em seres humanos”, disse o Dr. Eduardo Cafferata, pesquisador do CONICET no LTMC da FIL e co-líder de desenvolvimento.
O desenho e execução dos ensaios clínicos de fase 1 e 2 estarão a cargo da Seção de Farmacologia Clínica do Hospital Italiano, em Buenos Aires, liderada pelo Dr. Ventura Simonovich. “Investigar em meio a uma pandemia dessas características requer adaptar o que já sabemos às novas circunstâncias. O desafio deste ensaio clínico é poder avançar com rapidez e adaptabilidade para responder à necessidade urgente de uma vacina que gere imunidade contra as novas variantes do SARS-CoV-2. Gerar informações sólidas que possam dar uma resposta global em um curto espaço de tempo é muito difícil, mas acreditamos que isso seja possível graças à equipe formada por todas as instituições participantes”, afirma o Dr. Ventura Simonovich.