A nova velha medicina: evento debate tratamentos com canabidiol

Uma planta com muitos benefícios para a saúde e utilizada há milhares de anos para o tratamento de patologias ainda tem seu potencial restringido pelo preconceito e pela desinformação. Apesar de ter registros de uso medicinal há mais de cinco mil anos e comprovação científica dos resultados, o uso terapêutico da cannabis medicinal enfrenta obstáculos impostos por diferentes elos da sociedade civil em pleno século 21.

Assim como em outros debates, a saída mais efetiva para combater o preconceito é investir em educação. Foi desse pensamento, aliado à determinação de um grupo independente e engajado com a temática, que surgiu a Conferência Internacional da Cannabis Medicinal (CICMED). O evento será realizado entre os dias 11 e 13 de agosto, em São Paulo (SP). “É preciso sair do academicismo ortodoxo e abrir os olhos para essa ferramenta terapêutica que tem evidências de eficácia há milhares de anos”, explica a Dra. Paula Vinha, Nutróloga com Doutorado e Mestrado em Clínica Médica pela Universidade de Medicina da Ribeirão Preto (SP), e coordenadora Científica da CICMED.

Prescritora da cannabis medicinal há seis anos, ela defende que a classe médica entenda o valor e aplicabilidade da cannabis medicinal por meio do estudo de casos e da troca de conhecimentos. O primeiro dia será dedicado a um curso, voltado aos médicos e profissionais da saúde que desejam aprender as bases dessa terapêutica. Nos outros dois dias, 54 palestrantes de cinco países apresentarão as indicações clínicas, os benefícios e os resultados de pesquisas recentes em diferentes especialidades.

A expectativa é receber 600 médicos e profissionais da saúde, além de 100 participantes no curso pré-conferência. Atualmente, o Brasil tem cerca de três mil médicos prescritores, o que representa apenas 1% da classe médica, segundo a Dra. Paula. “Muitos não sabem que todos os vertebrados têm um sistema endocanabinóide que regula processos fisiológicos, responsáveis pela homeostase do organismo. Esse desconhecimento inclui os médicos, já que a disciplina não está na grade curricular das faculdades de medicina”, pontua a médica.

Panorama global

A primeira evidência científica da existência dos fitocanabinóides se deu em 1964, quando o pesquisador Raphael Mechoulam e sua equipe descreveram o tetrahidrocanabinol (THC) e canabidiol (CBD).

Na década de 1990, ele provou a existência de um sistema endocanabinóide responsável pela produção de neurotransmissores endógenos em todos os seres humanos. Nesta mesma época, o neurologista Dr. Ethan Russo mostrou que os fitocanabinóides contribuam e podiam ajudar em doenças que não encontravam explicação na medicina tradicional, como a fibromialgia e a enxaqueca.

Já em 2021, um grupo de pesquisadores canadenses se aprofundou na temática do professor Dr. Ethan Russo, provando a deficiência de endocanabinóides no liquor de pacientes com enxaqueca e fibromialgia. “Esses pesquisadores estabeleceram o que chamamos de padrão ouro de investigação, evidenciando a falta dos endocanabinóides (anandamida e 2-AG) nestas patologias e a melhora destes no liquor após a suplementação com a cannabis medicinal, comprovando mais uma vez sua eficácia”, explica a Dra. Paula.

A médica acrescenta, ainda, que os fitocanabinóides – as moléculas terapêuticas presentes na cannabis – atuam no sistema não apenas para tratar, mas também para promover o equilíbrio que resulta em prevenção e qualidade de vida. “Estamos cada vez mais longevos e precisamos nos preparar para percorrer essa jornada de forma saudável”, diz.

Segundo ela, os estudos que serão apresentados no evento contribuem para fortalecer um movimento global em prol do uso terapêutico dos canabinóides. Entre os países que estão na vanguarda dessa prática, a Dra. Paula cita Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Holanda, Espanha, Israel e Inglaterra, além do Uruguai, o pioneiro nas pesquisas e aplicações na América do Sul. “Itália, Japão e França também estão se abrindo para o tema, bem como o Chile que já está bastante avançado no assunto”, pontua.

Debate legal

A perseguição à planta foi iniciada na década de 1910 e segue até os dias de hoje, consolidando o preconceito e impedindo a expansão da prática, além de criar situações embaraçosas aos prescritores. “É como uma caça às bruxas”, define a coordenadora científica da CICMED, reforçando o papel primordial do evento em munir os profissionais de informações comprovadas sob a perspectiva científica.

Entre os nomes confirmados estão experts no assunto, como David Bearman, praticante de medicina canabinóide há mais de 20 anos; Mara Gordon, especialista no desenvolvimento de protocolos de tratamento da cannabis para pacientes críticos; Michael Barnes, pioneiro na prescrição de cannabis medicinal no Reino Unido; Raquel Peyraube, especialista em endocanabinologia e na política de drogas do Uruguai; e Carolina Nocetti, brasileira com experiência internacional nas aplicações clínicas.

A grade foi dividida por áreas médicas que incluem manejo, fitoquímica, farmacologia e biotecnologia, além de explanações sobre o sistema endocanabinóide, bem como o potencial para tratamento da dor.

Entre as especialidades médicas contempladas estão neurologia, psiquiatria, pediatria, cardiologia, endocrinologia, nutrologia, medicina esportiva, oncologia e cuidados paliativos. Bastante atual, o painel ministrado pelo canadense Igor Kovalchuk será dedicado à relação da cannabis medicinal com o vírus SARS-COV2.

Além dos temas médico-científicos, a programação reserva um importante espaço para debater o aspecto legal do uso medicinal da cannabis no Brasil. Na palestra de abertura, Leonardo Navarro, advogado, consultor jurídico e membro efetivo da Comissão Especial de Direito Médico e de Saúde, destacará a situação sob o ponto de vista do Direito, fazendo o contraponto entre o conflito ético e o dever do estado.

A Conferência também será palco para o lançamento oficial da Associação Panamericana de Medicina Canabinóide (APMC), fundada neste ano e com estande garantido na área de exposições da CICMED. Nesse espaço, os prescritores terão acesso a produtos à base de cannabis que estão disponíveis no Brasil, empresas que vendem óleos e outras que trabalham com educação canábica. “A ideia é termos um evento anual para atualizar os profissionais brasileiros em relação às boas práticas e atualizações científicas, da mesma forma que ocorre nas conferências de dermatologia, ortopedia, cardiologia e outras especialidades médicas. Queremos dar à cannabis medicinal a importância que ela merece no cenário médico-científico”, finaliza a Dra. Paula Vinha.

Informações: www.cicmed.com.br

Redação

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