A relação entre a Covid-19 e a visão tem sido de proximidade desde o início da pandemia, quando, inclusive, um médico oftalmologista chinês foi um dos primeiros a alertar sobre a doença. Contudo, apesar de relatos de pacientes com queixas relacionadas à visão antes, durante e após a infecção, os impactos da doença nos olhos ainda não estão nítidos e podem estar mais relacionados com o tratamento e o desgaste do organismo no processo de recuperação do que com o vírus em si.
Ressecamento, vermelhidão, lacrimejamento, prurido (coceira) e dor nos olhos. Essas foram algumas das manifestações identificadas em pacientes com Covid-19 por um estudo publicado na revista científica inglesa Journal of Ophthalmic and Vision Research, em janeiro de 2021. Dos 8.219 pacientes analisados, 11,03% relataram algum desses desconfortos relacionados à visão.
Segundo o oftalmologista e fundador do Instituto da Visão de Curitiba (iVisão), Dr. Marcello Fonseca, essas ocorrências não podem ser atribuídas diretamente ao vírus, devendo ser analisadas dentro do contexto exigido pelo tratamento da doença. Como se trata de uma síndrome respiratória aguda, muitas vezes com internação em UTI, ventilação usando máscaras ou mesmo entubação orotraqueal e traqueostomia, e também com desdobramentos pós-infecção que levam ao uso de medicações como os anticoagulantes e corticosteróides, alguns sinais e sintomas podem advir do próprio tratamento.
A conjuntivite, que ainda em 2020 foi apontada como um possível indicador de casos graves da Covid-19, pode ser causada pelo próprio vírus ou como uma infecção bacteriana secundária: “De fato, os olhos são uma das portas de entrada do Coronavírus para o corpo, visto a grande exposição da mucosa conjuntiva do olho. Mas, até o momento, não há comprovação de uma conjuntivite causada pelo Coronavírus”, esclarece o médico.
Sequelas na visão
Uma vez recuperados, as consequência a longo prazo passam a ser uma preocupação para os pacientes. No que tange à visão, o cansaço nos olhos e a vista embaçada aparecem como um dos desconfortos mais frequentes que, assim como as manifestações durante a infecção, não possuem evidências conclusivas de vínculo direto com o vírus da Covid-19.
“Nos meses que seguem a recuperação, normalmente, os pacientes se queixam de uma dificuldade visual para leitura e focalização de objetos próximos. Isso se deve, basicamente, à fadiga muscular que acompanha o ‘pós-doença’ imediato. Os pacientes mal conseguem andar depois que saem do hospital. A recuperação é lenta e gradual e, mesmo depois de alguns meses, eles ainda podem se sentir cansados para fazer atividades básicas. Como temos uma musculatura dentro do olho, responsável pela focalização dos objetos próximos, a fadiga pode ocasionar essa dificuldade de visão”, explica o oftalmologista.
Ainda segundo o médico, a dificuldade de visualizar objetos próximos relacionada à fadiga muscular, também chamada de presbiopia, é um processo gradual que faz parte do envelhecimento natural dos olhos e pode ser contornada com a prescrição de óculos para a correção da visão. Trata-se de uma condição que afeta principalmente pessoas mais velhas, acima dos 40 anos, as quais, também, estão mais suscetíveis à Covid-19.
Uma outra possível sequela está relacionada ao uso de corticoides no tratamento da Covid-19. O medicamento, que já é utilizado para tratar outras doenças, pode ocasionar, a longo prazo, um quadro de catarata devido ao uso prolongado e em alta dosagem. O Dr. Marcello, contudo, ressalta que isso é apenas uma suposição e que, caso venha a acontecer, há tratamento e cirurgia para a correção da catarata.
Enquanto uma doença recente, a Covid-19 ainda requer estudos conclusivos sobre os seus efeitos tardios, inclusive os relacionados à visão, que devem ser identificados conforme os avanços científicos. Independente do surgimento de sequelas, o médico afirma que uma consulta oftalmológica pós-Covid é obrigatória para verificar possíveis impactos na visão e, diante de qualquer desconforto nos olhos, procurar ajuda médica é indispensável, evitando a automedicação e prejuízos maiores à saúde.