Após 19 meses de pandemia, curados da Covid-19 ainda sofrem com danos neurológicos

O novo Coronavírus (Sars-Cov-2), causa da síndrome respiratória aguda grave que há mais de um ano e meio afeta países por todo o mundo, apresentou ao longo desse período uma grande evolução em seu quadro de sintomas e efeitos sobre o organismo. Muito além de comprometer apenas a capacidade pulmonar, sabe-se que o vírus também provoca acometimentos renais, cardíacos, hepáticos e, sobretudo, neurológicos.

Casos conhecidos agora como “Covid longa”, “Covid-19 pós-aguda” ou “síndrome pós-Covid”, têm provado que a doença pós-viral é mais prevalente do que se imaginava inicialmente. Além dos sintomas neurológicos presentes na fase inicial da doença, pacientes que não apresentaram complicações primárias ou comorbidades durante a infecção passaram a experimentar, meses depois, sequelas neurológicas críticas.

Um trabalho realizado pela Unicamp e Universidade de São Paulo (USP), junto ao Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), descobriu alterações tardias na estrutura do córtex cerebral, mesmo em pessoas com sintomas leves de Covid-19. Tal região está ligada a funções fundamentais, como consciência, memória, linguagem, cognição e atenção. A pesquisa também mostrou que o vírus é capaz de infectar e se replicar nos astrócitos – células de suporte e as mais numerosas do sistema nervoso central – prejudicando o funcionamento dos neurônios.

Outros dados preliminares de um recente estudo conduzido na Unicamp sugerem que, mesmo nos casos brandos, a Covid-19 pode alterar o padrão de conectividade funcional do cérebro, provocando uma espécie de “curto-circuito”. No cérebro normal, enquanto determinadas áreas estão sincronizadas durante uma atividade, outras permanecem em repouso. Nos indivíduos que tiveram Covid-19, notou-se uma perda severa da especificidade das redes cerebrais. Para compensar a falha no sinal, o cérebro ativa todas as redes simultaneamente, gastando mais energia e trabalhando de forma menos eficiente, o que pode indicar uma tentativa do cérebro de restabelecer a comunicação nas áreas afetadas.

Entenda o impacto da Covid-19 no cérebro

Estimativas sinalizam que cerca de 50% dos pacientes diagnosticados com Sars-CoV-2 apresentaram problemas neurológicos, como encefalite (inflamação no cérebro), anosmia (perda de olfato), acroparestesia (sensação de formigamento), aneurisma, acidente vascular cerebral (AVC) ou encefálico (AVE), síndrome de Guillain-Barré e outras diversas doenças.

“Nesse espectro de síndromes tardias associadas à Covid-19, os mais comuns atualmente incluem fadiga, névoa cerebral, dores musculares e nas articulações, distúrbios do sono, enxaquecas, dor no peito, erupções cutâneas, nova sensibilidade a cheiros e sabores, além da disautonomia, uma condição normalmente rara que causa um aumento rápido e desconfortável dos batimentos cardíacos quando a pessoa tenta realizar qualquer atividade”, explica o Dr. Feres Chaddad, Professor de Neurocirurgia da UNIFESP, especialista em danos neurológicos e Malformação Artério-Venosa.

A prevalência dos sintomas neurológicos é explicada pela forma como o vírus pode adentrar o cérebro. O artigo “Lifting the mask on neurological manifestations of COVID-19”, publicado na revista Nature, avaliou que o novo Coronavírus pode entrar no Sistema  Nervoso Central (SNC) por duas vias distintas: disseminação hematogênica e disseminação neuronal retrógrada. Na disseminação hematogênica, o vírus se espalha por todo o corpo através da corrente sanguínea e, em seguida, entra no cérebro cruzando a barreira hematoencefálica, enquanto a disseminação viral retrógrada ocorre quando um vírus infecta neurônios na periferia e usa a maquinaria de transporte dentro dessas células para obter acesso ao SNC.

Necessidade e urgência do acompanhamento neurológico prolongado

“A implementação de centros de triagem neurológica é urgente. O acompanhamento longitudinal pós-infecção precisa ser indicado o quanto antes para pacientes recuperados e devem incluir avaliação neurológica, de imagem, laboratorial e neuropsicológica cuidadosa para examinar vários domínios cognitivos. Determinar em que medida a interação entre a infecção central e sistêmica leva a danos no SNC e alterações neurológicas, de maneira precoce, pode reduzir a incidência de danos graves e diminuir riscos futuros”, reforça o Dr. Chaddad.

O maior desafio nesse cenário é o monitoramento dos danos colaterais para o grupo de assintomáticos e não diagnosticados. A desatenção a sintomas neurológicos leves e intermediários, especialmente desses grupos ou com sintomas leves que não acessam o sistema de saúde, esconde a verdadeira taxa de danos presentes nos pacientes pós-Covid. Para endereçar o desafio, os sistemas médicos precisam incluir em seus protocolos de acolhimento a anamnese correlacionando uma possível ligação entre danos neurológicos e o Covid-19, além de desenvolver estruturas de acompanhamento longitudinal para pacientes ambulatoriais de rotina. O investimento em políticas públicas também deve ser avaliado com maior atenção, visto que o contexto pode implicar impactos para todos os setores.

Redação

Redação

4 thoughts on “Após 19 meses de pandemia, curados da Covid-19 ainda sofrem com danos neurológicos

  1. Tive primeiros sintomas da COVID19 dia 12/06/2020, apresentei tosse e muita cefaléia a partir do 5º dia, só foi possível controlar melhor a cefaléia após isolamento. Fui ao neurologista que iniciou com uso de diamox, cefaléia persistiu, aumentou a dose e fez punção lombar que ofereceu resultado normal, mas devido uso do diamox ele afirmou que estaria com hipertensão intracraniana, que se não estivesse em uso estaria alta, inclusive quando fazia punção lombar a dor diminuía consideravelmente. Desde então persistiu com cefaléia e tive que deixar de usar o diamox, fui em outra neurologista, que solicitou Angio TC de veias e artérias cerebrais que evidenciou aneurisma de artéria média direita e esquerda e de basilar.
    Como faço para saber se giram causados ou não por Sars Cov2 ?

  2. Tive primeiros sintomas da COVID19 dia 12/06/2020, apresentei tosse e muita cefaléia a partir do 5º dia, só foi possível controlar melhor a cefaléia após isolamento. Fui ao neurologista que iniciou com uso de diamox, cefaléia persistiu, aumentou a dose e fez punção lombar que ofereceu resultado normal, mas devido uso do diamox ele afirmou que estaria com hipertensão intracraniana, que se não estivesse em uso estaria alta, inclusive quando fazia punção lombar a dor diminuía consideravelmente. Desde então persistiu com cefaléia e tive que deixar de usar o diamox, fui em outra neurologista, que solicitou Angio TC de veias e artérias cerebrais que evidenciou aneurisma de artéria média direita e esquerda e de basilar.
    Como faço para saber se giram causados ou não por Sars Cov2 ?

    Pode p

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