Artigo – A ciência brasileira está no caminho de consolidar um novo sinal vital

Em uma consulta, é comum o médico medir nossa temperatura, frequência cardíaca e respiratória e a pressão arterial e perguntar se estamos com alguma dor e sua intensidade. Ao aferir tudo isso, o profissional de saúde está verificando os sinais vitais de nosso corpo, ou seja, as variáveis que revelam como estão nossas funções orgânicas. E se os sinais vitais estão dentro dos parâmetros considerados normais para o perfil da pessoa que está sendo examinada pelo médico, isso é um indicador de boa saúde.

Essas verificações que hoje são corriqueiras em uma consulta médica e que, muitas vezes podemos fazer até em casa com equipamentos digitais simples comprados em farmácias, representam grandes conquistas da ciência, que acumulam, ainda, o mérito de terem se tornado acessíveis. Por ter esta clareza foi muito impactante ouvir um neurocirurgião da Stanford University, uma das instituições que visitamos nos EUA durante o processo de aceleração pela Singularity, no início de 2017, dizer: “Vocês sabem o que vocês fizeram? Vocês tornaram acessível um sinal vital neurológico! Isso pode impactar positivamente a vida de 1 bilhão de pessoas nos próximos 10 anos”.

O especialista se referia ao método que permite posicionar um sensor externamente na cabeça do paciente e captar as pequenas, quase imperceptíveis, deformações que ocorrem na caixa craniana, resultantes da força exercida pelo volume de três elementos que estão em seu interior: tecido, sangue arterial e venoso e líquor. O equilíbrio entre o volume desses elementos e a pressão intracraniana é o que chamamos de complacência. Ocorre que até o desenvolvimento desse método, a única opção para obter informações sobre a complacência intracraniana era por meio de alguns procedimentos invasivos, como a inserção cirúrgica de um cateter no cérebro, o que limitava seu uso a situações extremas. Isso porque a ciência acreditava que a caixa craniana era rígida e não expansível.

E a união do Professor Sergio Mascarenhas com o farmacêutico Gustavo Frigieri e o engenheiro Rodrigo Andrade, não só derrubou esse paradigma da ciência, como permitiu desenvolver um sensor não invasivo que capta essas deformações, envia para um app que as disponibiliza em tempo real no display do dispositivo móvel, enquanto este faz upload permanente para a nuvem, onde algoritmos processam os dados e entregam relatórios sobre a complacência intracraniana e apresentam parâmetros até então inacessíveis, ou seja, permite representar de modo quantitativo o equilíbrio entre volume/pressão no interior da caixa craniana.

Em 2020, um estudo publicado na revista científica Lancet Neurology, intitulado ‘Global Burden of Neurological Disorders, Translating Evidence into Policy‘, repercutiu no meio científico e fora dele porque mostrou o impacto da saúde neurológica nos sistemas de saúde, afinal hoje os distúrbios neurológicos são a primeira causa de invalidez e a segunda de mortes no mundo. Entre 1990 e 2016, das 9 milhões de mortes globais, 16,5% tiveram origem em causas neurológicas. Ao ler esse artigo, ficou ainda mais claro para mim a relevância do trabalho que estamos fazendo.

A complacência é uma informação vital agora acessível para o médico avaliar a saúde do cérebro e, na presença de um eventual desequilíbrio, um dado que dentro do contexto multimodal, ou seja, aliado a outros sinais vitais já conhecidos e informações clínicas do paciente, pode ajudá-lo no diagnóstico de diversas doenças. E ainda mais importante: em caso de enfermidade, a alteração da complacência precede o aumento da pressão intracraniana, portanto, monitorar os volumes intracranianos permite antecipar um diagnóstico. Na rotina clínica, isso se traduz em aumento da pertinência do cuidado que gera melhores desfechos e maior segurança ao paciente. Para entender como essa informação é relevante no cuidado neurológico, basta saber que alterações dos volumes intracranianos estão presentes na maioria dos distúrbios neurológicos (AVC, trauma, hidrocefalia, edemas, encefalites, edemas etc.) e podem ser provocadas por desequilíbrios em outros órgãos, como coração, fígado, rins, entre outros. Afinal, o sangue bombeado pelo coração circula de maneira sistêmica por todo o organismo. Portanto, um problema renal, apenas para citar um exemplo, pode alterar a complacência intracraniana.

Nos últimos três anos, o método criado por Mascarenhas permitiu à ciência evoluir o equivalente ao que alcançou nos 60 anos anteriores em relação a conceitos sobre volume e pressão intracranianas. Isso porque o método é muito simples e seguro. Ou seja, pode ser usado para avaliar a condição neurológica de um paciente crítico, grave ou uma pessoa sem qualquer sintoma. Com isso, além de apoio diagnóstico, um campo enorme de pesquisa foi aberto. Atualmente há artigos internacionais publicados sobre o método, além de publicações científicas sobre doenças específicas que pela primeira vez na história da medicina puderam ser validadas tecnicamente. Entre os estudos estão inclusive alguns relacionados à Covid-19.

No mundo, na medida em que os pesquisadores adquirem mais conhecimento sobre a Covid-19, constatam que complicações neurológicas estão entre as sequelas da doença. Um em cada três sobreviventes da Covid-19, seis meses depois da infecção pelo vírus sofre de distúrbios neurológicos ou psiquiátricos, de acordo com artigo publicado em abril deste ano na revista científica The Conversation, em que foram analisados 236.379 pacientes britânicos com diagnóstico do novo Coronavírus.

A consolidação da complacência intracraniana como um novo sinal vital, certamente, vai reduzir perda de vidas, incapacidades e sofrimentos das pessoas. Além disso, acende uma luz num quarto ainda escuro da ciência, habilitando o avanço do conhecimento em uma área pouco conhecida e que tem uma contribuição enorme para a sociedade. E igualmente importante a esse legado, é um exemplo concreto dos benefícios do conhecimento científico para o ser humano em um tempo em que isso está, sem qualquer critério ou embasamento, sendo tão questionado.

Plinio Targa é CEO da brain4care desde 2017, healthtech fundada pelo cientista Sérgio Mascarenhas. Em sua trajetória profissional, montou, em 2003, uma consultoria na área de gestão empresarial, a Axia Value Chain, comprada pela Ernst & Young (EY), em 2012. Também atuou como executivo em empresas como a I2 Technologies e SAP. É graduado em Engenharia de Produção pela USP/São Carlos, fez mestrado na mesma instituição e foi professor do curso de Engenharia de Produção da USP, campus de Ribeirão Preto (SP)

Referências: 

Redação

Redação

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.