Atualmente a saúde só é acessível a quem tem planos de saúde. E com o alto custo deste serviço não se sabe até quando muitas pessoas poderão continuar arcando com esta despesa. O certo é que apenas os funcionários de empresas, as classes média e alta e políticos representam essa minoria. Estes últimos, os planos são pagos com o nosso dinheiro.
A saúde no Brasil está doente há muito tempo e pode piorar muito se o país não voltar a crescer. É fato que a aguda crise do setor é de conhecimento de toda sociedade, entretanto, pouco se fala do processo que tem sido particularmente prejudicial a uma significativa parte da população: muitas pessoas perderam seu plano de saúde por falta de pagamento ou porque foram demitidos e, consequentemente perderam esse benefício; outros, porque sua atividade não rendia o suficiente para comportar plano de saúde e outras obrigações urgentes.
Desta forma, coube ao serviço público, no caso o SUS, assumir o atendimento desta população. No entanto, o SUS, combalido e desorganizado, sem dinheiro, sem gestão etc só pode atender pacientes em corredores. Tal qual os seguros e planos de saúde, o SUS foi e é obrigado a fazer convênios com a rede particular de clínicas, hospitais e serviços médicos filantrópicos ou não, e assim atender pacientes que antes eram assistidos pelos planos.
Hoje vemos pessoas correndo atrás de outras opções, a fim de conseguirem uma consulta médica e quando é solicitado um exame complementar, mesmo o mais simples, a via crúcis recomeça. Em alguns raros casos, a pessoa acaba falecendo, antes mesmo desse atendimento. Infelizmente, a situação pode piorar.
O fato é que as clínicas particulares têm travado verdadeiras batalhas no campo gerencial para compatibilizar custos crescentes com receitas estagnadas ou decrescentes, a fim de não comprometerem a qualidade dos seus serviços. Quase todas especialidades existentes em hospitais gerais passam por dificuldades na execução de procedimentos médicos, tendo constantemente que apelarem para conseguir autorização a fim de usarem qualquer material.
O fenômeno acontece em quase todos os serviços, mas na psiquiatria é especialmente preocupante dadas as características desta especialidade. A demanda crescente de clientes portadores de transtornos mentais, a tendência à cronicidade das doenças mentais e o custo elevado motivado por tratamentos instituídos equivocadamente, são preocupantes. Além disso, cada vez mais há uma incidência alarmante de dependência química em menores e poucos serviços disponíveis com qualidade para este tipo de atendimento.
A psiquiatria moderna exige equipe multiprofissional na relação com a família e o paciente, num trabalho insano para conseguir resultados efetivos. Só quem viveu 50 anos acompanhando a evolução das terapias psiquiátricas, entende o significado e importância da equipe multidisciplinar.
Geralmente os compradores de serviços psiquiátricos pagam a diária e a medicação e procedimentos como terapia de grupo, terapias individuais de paciente e família ou em grupo, só são autorizados fora do hospital. Pela minha experiência adquirida nesses anos na psiquiatria, afirmo que as terapias deveriam ter início com paciente internado para terem melhores resultados. Além disso, é necessária uma discussão técnica e abrangente sobre este e outros assuntos particulares da especialidade (eletrochoque e outras novidades). Para clínicas preocupadas com a dimensão humana da medicina e voltadas para transformar seres humanos em pessoas, esta preocupação existe.
Diante de uma visão estritamente econômica da medicina, alguns seguros e planos de saúde preferem não credenciar clínicas de boa qualidade, em detrimento ao bem-estar físico, psíquico e social do paciente e família. Se permanecer a proposta atual dos gestores de planos de saúde nessa questão, certamente vão sobreviver apenas as clínicas de baixa qualidade e de menor custo. Infelizmente.
Dr. Licínio Ratto é psiquiatra e Diretor da Casa de Saúde Saint Roman