Artigo – A nova onda

Desde que autoridades sanitárias da África do Sul anunciaram a identificação de uma nova variante de interesse do SARS-CoV-2, vírus causador da Covid-19, ao menos 16 países já registraram casos da variante batizada de Ômicron. A descoberta ocorreu em uma amostra de secreção respiratória colhida de um paciente do país africano no dia 9 de novembro de 2021. O anúncio da descoberta foi feito no dia 24 de novembro, ou seja, o vírus teve 15 dias para se propagar incógnito por todo o mundo. Já são mais de 150 casos identificados na África do Sul e pelo menos 50 em outros países. Os casos sobem minuto a minuto, então, esses números são imprecisos e subestimados. Essa dispersão é prova do potencial de transmissão dessa nova variante. Ainda assim, até agora, a gravidade permanece baixa, mas já se sabe que é a variante com mais potencial de superar a Delta.

Logo após a divulgação da descoberta, o governo brasileiro anunciou a interrupção de voos vindos da África do Sul e orientou profissionais de saúde a reportarem os casos suspeitos. Essas duas medidas, que parecem racionais, devem impactar muito pouco na disseminação do vírus em nosso país. O vírus já foi encontrado em outras regiões fora da África e basta alguns poucos casos atravessarem as fronteiras para iniciar a transmissão em território nacional. Já há o registro de alguns casos. A única medida realmente eficaz seria o fechamento de todas as fronteiras, inclusive as terrestres. Não me parece ser uma medida factível no Brasil, embora a Austrália, Nova Zelândia e Taiwan tenham tido algum grau de sucesso com essa estratégia. Em relação à identificação, à notificação e ao  isolamento de casos suspeitos, a dificuldade é separar a Ômicron de outros Coronavírus. Até onde se sabe, os sintomas são similares aos de outras variantes e o exame que pode identificá-las com precisão, chamado sequenciamento genético, é pouco disponível no Brasil. Por aqui, sequenciamos menos de 1% das amostras, contra 30% na Inglaterra.

Algumas medidas preventivas como uso de máscaras e isolamento social, certamente continuam eficazes contra as novas variantes. A extensão do isolamento social, que pode variar desde cancelamento de eventos de massa até lockdown, vai depender da letalidade do vírus. A análise dos poucos casos conhecidos até agora não nos permite tirar conclusões a esse respeito. Os dados que vão surgir dos pacientes sul-africanos nas próximas semanas vão ser cruciais para determinar se é seguro passar o Natal em família e se aglomerações serão permitidas no Ano Novo e Carnaval.

Outra incógnita é a eficácia das vacinas: de todas as variantes identificadas até agora, a  Ômicron tem o maior número de mutações no gene que codifica a proteína spike. A maioria das vacinas foi desenvolvida para neutralizar a forma original da proteína, e é possível que essas mudanças na estrutura da molécula diminuam a eficácia vacinal. De qualquer maneira, nesse momento está bastante claro que a efetividade da vacina cai com o tempo e que a erradicação do vírus por meio de imunização em massa não é um objetivo atingível. De uma maneira ou outra, o SARS-CoV-2 veio para ficar.

O que a descoberta da variante Ômicron trouxe de certeza é que o SARS-CoV-2 está longe de ter esgotado o repertório de mutações e que ainda não vimos todo o potencial desse vírus. Nesse momento, tudo ainda está em aberto, inclusive um comportamento mais brando e com menor mortalidade, como apontavam alguns relatórios iniciais de autoridades sul-africanas.

 

 

 

 

Marcelo Abreu Ducroquet é infectologista e professor do curso de Medicina da Universidade Positivo

 


 

Nova variante põe o mundo em alerta sanitário e impõe a adoção de novas medidas de contenção nas áreas de portos, aeroportos e fronteiras

Há quase dois anos, o mundo ainda não conseguiu controlar a pandemia de Covid-19. Hoje, as nações se deparam com mais um desafio: a ameaça da variante Ômicron, oriunda da África do Sul, que pode dar início a mais uma onda de casos e mortes. Para a Meiruze Sousa Freitas, diretora da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), o momento é de alerta sanitário e exige a adoção de novas medidas de contenção nas áreas de portos, aeroportos e fronteiras. “Essa recente variante do SARS COV 2, classificada como de preocupação, coloca a agência em reavaliação das medidas em praticamente todas as suas áreas de atuação, desde orientações técnicas aos serviços de saúde a avaliação se haverá impactos nos kits diagnósticos, em especial no RT-PCR, nas vacinas e nos medicamentos, bem como na epidemiologia da doença”, explicou.

Meiruze Freitas será umas das integrantes do Foro Inteligência, realizado nesta terça-feira (7) com o tema “A ideologização da Ciência e os impactos na pesquisa científica”. Também estarão no debate Maurício Nogueira, médico e doutor em Virologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto e da Univeristy of Texas Medical Branch e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Virologia e Ana Elisa Miller, diretora Institucional da Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica (Abracro).

Desde o início da pandemia, o Brasil vem lidando com questão da politização da Ciência e, ao mesmo tempo, da propagação das fake news, que prejudicam o avanço dos estudos clínicos de vacinas e remédios no combate ao Coronavírus. Para a diretora da Anvisa, apesar do forte barulho e, por conseguinte, o aumento da carga de trabalho e da atenção, a agência buscou sempre pautar os seus temas e ações com agilidade que a pandemia requer, dentro do debate técnico, aliada as principais autoridades internacionais e a comunidade científica. “O histórico e o respeito regulatório construído pela Anvisa, nesses 22 anos, não prejudicou a condução de estudos clínicos no Brasil e nem a apresentação de processos para que kits diagnósticos, equipamentos médicos, medicamentos e vacinas fossem autorizados pela Anvisa”, destacou.

Meiruze Freitas destacou que a Anvisa encarou diversos desafios para pensar, avaliar e atuar na adoção de diversas medidas regulatórias que pudessem reduzir os danos da pandemia, tais como o de ampliar a capacidade de abastecimento de insumos essenciais para o enfrentamento da crise sanitária sem precedentes nos tempos modernos. “Nessas ações, buscamos manter a equipe técnica unida e motivada, sem deixar de lado o trilho da proteção à saúde pública, da transparência e da responsabilidade sanitária da Agência.

Para o virologista Maurício Nogueira, neste período, não houve politização da Ciência. “Ocorreu sim uma ideologização na interpretação de resultados e na criação de falsas pesquisas, que não podem ser chamadas de estudo sério, pois não cumprem o método científico. Este fenômeno foi altamente prejudicial e causou milhares de mortes pelos seus efeitos indiretos”, disse. Ele destacou que a única forma de rebater a fake news é usando a comunicação. Os cientistas têm de estar disponíveis para dar as informações corretas e disseminar a boa informação”, afirmou, ressaltando que, neste momento, o mais importante a ser feito é vacinar a população africana e de outros países com baixa cobertura.

A diretora institucional da Abracro, Ana Elisa Miller, explicou que a ideologização da Ciência prejudica seu desenvolvimento de diversas formas, principalmente prolongando o tempo de maturação dos estudos, uma vez que menos pessoas podem querer participar. “Isso dificulta a obtenção do resultado final, diminui a importância dos trabalhos e desafia a seriedade dos mesmos, procurando transmitir à população a ideia de prevalência dos interesses econômicos à Ciência ou benefício da população como um todo por meio da disseminação de fake news“, ressaltou.

Ana Elisa Miller lembrou que graças à pandemia da Covid-19, a população em geral tomou conhecimento da pesquisa clínica e o mundo teve a oportunidade de mostrar quão essencial ela é no desenvolvimento de novos tratamentos ou na prevenção de algumas doenças, como no caso da vacina. “Acredito que o Brasil tenha tido sucesso nisso, pois apesar de tudo, fomos um dos países de escolha no desenvolvimento de novos tratamentos e vacinas da Covid-19, com rápida inclusão de sujeitos e hoje estamos entre os 10 com maior porcentagem de vacinados, o que mostra uma aceitação da população às vacinas. Para ela, apesar dos desafios, o país teve a oportunidade de passar muita informação de qualidade, mostrando o quão regulado e sério é todo o processo de aprovação de vacinas e novas drogas no combate ao SARS-CoV-2.

O Foro Inteligência é uma parceria entre o BRICS Policy Center e a Insight Comunicação. E o intuito dos encontros é ampliar o debate sobre assuntos estratégicos e manter aberto um canal de comunicação com os países emergentes Rússia, Índia, China e África do Sul, tratando de temas de amplo interesse. São curadores do Foro, os professores Christian Lynch, IESP-UERJ e editor da revista Inteligência, Paulo Esteves e Marcio Scalercio, professores do IRI-PUC e pesquisadores do BRICS Policy Center.

Em eventos anteriores, o Foro Inteligência contou com a participação de Octavio de Lazari Jr., presidente do Bradesco; Rubens Ricupero, diplomada e ex-Ministro; Conrado Hubner, professor de Direito na USP; e Jacqueline Muniz, cientista política e professora da DSP/UFF; em encontros que trataram, respectivamente, sobre os desafios dos grandes bancos, a diplomacia da vacina, a politização nas Supremas Cortes e controle da ação policial em democracias. Esses e outros encontros podem ser assistidos em nossa página de vídeos do Facebook, clicando aqui.

Redação

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