Artigo – A percepção da saúde no Brasil: entre dados e aspirações

As rápidas transformações no contexto global trazem muitos desafios para o setor da Saúde. Entre eles, a promessa da cobertura universal, não de forma utópica, mas, sim, pragmática, baseada na integração, complementariedade e melhoria da eficiência dos sistemas, buscando entregar valor e qualidade pelo menor custo. O Brasil enfrenta os mesmos desafios, dado que seus dois sistemas de saúde – o SUS e a saúde suplementar – precisam ser eficientes, integrar-se e complementar-se para alcançar melhor cobertura e equidade.

Em setembro de 2015, somente 15% da população brasileira, de acordo com as pesquisas IBOPE-CNI, aprovava as políticas públicas de saúde. Este nível caiu para 10% em setembro de 2018. Por outro lado, a crise e o fraco desempenho da economia trouxeram quedas no nível de emprego e uma consequente perda de três milhões de beneficiários da saúde suplementar, que hoje cobre 22% da população.

Ter um plano de saúde é uma das mais altas aspirações das famílias brasileiras, mas os custos crescentes dos prêmios tornam sua posse mais difícil, especialmente num contexto de crise. As perspectivas internacionais mostram que mais eficiência no desenho e gestão dos planos são elementos que permitem contornar parte destes problemas.

Pesquisa da Datafolha, realizada em novembro de 2019, sobre Imagem e Avaliação dos Planos de Saúde mostrou que saúde e família são os dois maiores valores da população brasileira. Depois de adquirir uma casa própria, possuir um plano de saúde é o bem (ou serviço) mais valorizado. Mas entre 2018 e 2019, aumentou de 48% para 55% a parcela de pessoas, com planos de saúde, que gastam mais de R$ 500 por mês para mantê-los. Quase metade da população entrevistada comprometia mensalmente mais de 10% de sua renda com os planos. Os copagamentos afetam 22% dos cobertos, mas sua existência não desestimula o uso em quatro quintos dos que os detêm.

Quase três quartos dos entrevistados gostariam de planos mais transparentes em relação a reajustes, coberturas e carências, e dois terços queriam pagar reajustes menores. Assim, 81% dos pesquisados acham melhor poder escolher as modalidades de atendimento e ter a possibilidade de pagar menores prêmios. Este dado é relevante, pois, com necessidades diferenciadas, as famílias preferem ter opções para desenhar seus próprios planos em vez de contarem com planos caros que tenham como contrapeso direito a serviços não utilizados ou não necessários para seus membros.

Mais de quatro quintos da população aprova os planos de saúde em função da qualidade dos serviços médicos prestados e acesso a laboratórios. Mas em 2019, cerca de 12% dos entrevistados tiveram dificuldades para marcar consultas, agendamentos e cirurgias, reclamando da morosidade na liberação de senhas para obter estes serviços.

Mesmo com alto grau de satisfação, 40% dos entrevistados acham que poderiam perder seus planos de saúde nos próximos 12 meses. Dos que não têm planos, cerca de 40% não os têm há mais de dois anos porque foram demitidos ou não possuem condições para pagar por eles. A maioria destes (85%) utiliza o SUS, mas 67% pagaria até R$ 250 mensais para ter um plano, o que mostra a precariedade da atenção que recebem no setor público.

Diante deste quadro, o que quer a população brasileira? As evidências mostram duas tendências: um grande descontentamento em relação ao SUS e a vontade de que se criem mecanismos para flexibilizar a oferta de planos de saúde, tornando-os mais baratos. Soluções para estes problemas poderão satisfazer os cidadãos em ter um SUS melhor e aumentar o contingente dos que podem pagar por planos de saúde. Tais soluções, além de aumentar a cobertura e entregar mais valor em saúde, poderiam direcionar os recursos do SUS para aqueles que realmente precisam, devolvendo aos descontentes que podem pagar a possibilidade de ter seus planos de saúde de volta.

 

 

André C. Medici é economista de saúde com mais de 30 anos de experiência no Brasil e 20 anos de experiência internacional em temas associados a economia e financiamento de saúde, pesquisa, desenho e negociação de políticas e reformas de saúde em países em desenvolvimento. É editor do blog Monitor de Saúde.

Redação

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