Os recursos para cuidados com a saúde vêm evoluindo com o passar dos anos, mas os profissionais que atuam nessa área sabem que um dos principais desafios ainda é realizar o controle de infecções, principalmente dentro do ambiente hospitalar.
Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária[i] (Anvisa) mostram que as infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS), principalmente quando estão associadas a dispositivos médicos, são um dos eventos adversos mais frequentes e um grave problema de saúde pública, pois aumentam a morbidade, a mortalidade e os custos com tratamentos a elas relacionados, além de afetar de forma negativa a segurança do paciente e a qualidade dos serviços de saúde.
Essa parece uma realidade muito distante da maioria das pessoas, mas os números são alarmantes. De acordo com o CDC, Centro Americano de Controle e Prevenção de Doenças, as infecções associadas às IRAS representam cerca de 1,7 milhão de casos e 99.000 mortes associadas por ano, ou seja, 1 em cada 25 pacientes internados adquirirá uma infecção, principalmente quando levamos em consideração internações longas, reinternações e, no pior dos cenários pode levar à morte[ii].
Parece assustador, mas podemos ser otimistas já que além da tecnologia, temos a nosso favor pessoas e instituições realizando pesquisas contínuas para contornar esse cenário. Um exemplo é o projeto que visa desenvolver revestimentos antimicrobianos para dispositivos médicos, que envolve a equipe do Laboratório de Biomateriais e Bioengenharia da Associação de Ensino, Pesquisa e Extensão Biopark e outras instituições, tais como a Universidade Laval (ULaval), Plasmionique Inc. e o Instituto de Bioengenharia Erasto Gaertner (IBEG).
O foco está no uso de polímeros naturais, como a quitosana, para formular novos revestimentos funcionais que permitem a modulação para liberação de antibióticos de forma controlada, e assim, previnem infecções em pacientes sob risco. Recentes avanços apresentados recentemente no Congresso Internacional Brazilian Materials Research Society (B-MRS/2022), a comunidade científica, em Foz do Iguaçú (PR).
Além disso, os resultados de um dos sistemas estudados no laboratório, recentemente publicados pela revista científica Frontiers in Bioengineering and Biotechnology[iii], mostram que filmes de quitosana combinados com o antibiótico trimetoprima e o flavonóide quercetina – com ação antioxidante e anti-inflamatória, conhecido por fortalecer a imunidade e auxiliar na prevenção de doenças, como tumores – são promissores. Isso porque propriedades biológicas e mecânicas foram obtidas, juntamente com ação bactericida e, portanto, têm grande potencial como revestimentos para aplicações biomédicas.
Dentre os exemplos de aplicações dos materiais, podemos mencionar o uso de dispositivos médicos como cateteres e implantes cardíacos, vasculares e ortopédicos, associados comumente às infecções de biomateriais.
Mesmo com cuidados redobrados com higienização, os dispositivos médicos permanentes como cateteres venosos e urinários centrais, precisam dos revestimentos com propriedades antibacterianas para limitar a colonização e proliferação de bactérias infecciosas e a subsequente formação de biofilme, ou seja, organização bacteriana na qual as comunidades de bactérias estão envoltas por substâncias produzidas por elas mesmas, que as protegem de agentes químicos e antibióticos usados para combatê-las.
Mas, você deve estar se questionando como escolhemos a quitosana como objeto de pesquisa? A resposta é simples: a quitosana é um biopolímero, amplamente conhecida por sua compatibilidade com o corpo humano, biodegradabilidade e não toxicidade. Isto é comumente observado em materiais derivados de fontes naturais (cascas de camarões) que são abundantes na natureza e renováveis.
Ao longo de três semestres de pesquisas e testes, concluímos que os filmes de quitosana são muito promissores, como o exemplo publicado utilizando-se quercetina que representa um sistema interessante para a formulação de revestimentos antimicrobianos para a liberação controlada de moléculas bactericidas para aplicações de dias a semanas. Ainda há muita pesquisa pela frente, muitos outros sistemas para liberações com tempos variáveis – desde 1 dia até anos – estão sob investigação, os resultados são animadores e o melhor, os insumos estão presentes na natureza.
Prof. Dr. Diego Mantovani é professor doutor titular da Universidade Laval há mais de 23 anos, tem experiência e histórico comprovado de ensino superior com relevância para a indústria global de dispositivos médicos. Possui mais de 450 artigos publicados, contabilizando números acima das 13 mil citações e índice-H 56 (Web of Science). É detentor do CRC-Tier I pela Inovação em Cirurgia, Diretor do Laboratório de Biomateriais e Bioengenharia de ULaval e Biopark, e Cientista em Medicina Regenerativa do Centro Universitário Hospitalar (CHU) de Québec
Referências:
[i] Anvisa. Programa Nacional de Prevenção e Controle de Infecções Relacionadas à Assistência À Saúde de 2021 a 2025. Acesso em 16/09/22. Disponível em: www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/publicacoes/pnpciras_2021_2025.pdf
[ii] Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Healthcare-Associated Infections (HAIs). Aceso em 16/09/2022. Disponível em: www.cdc.gov/winnablebattles/report/HAIs.html
[iii] Frontiers in Bioengineering and Biotechnology. Quercetin-Crosslinked Chitosan Films for Controlled Release of Antimicrobial Drugs. Acesso em 16/09/2022. Disponível em: www.frontiersin.org/articles/10.3389/fbioe.2022.814162/full