O preconceito e a desinformação ainda são obstáculos para as mulheres – e para toda a sociedade – em relação ao câncer de mama. O estigma em torno de uma doença que pode ser grave e afeta diretamente um dos maiores símbolos da feminilidade atrapalha de várias maneiras: desde o deixar para depois a realização de exames que deveriam ser periódicos até barreiras emocionais que, uma vez feito o diagnóstico, impedem que essa mulher seja protagonista no seu tratamento.
O agravante é que o câncer de mama é uma doença complexa. Existem diferentes perfis de tumor e momentos específicos, que envolvem decisões, acesso às opções e a adesão ao tratamento escolhido, considerando tratar-se de uma doença tempo-dependente e que não espera nada, nem ninguém, para progredir, sendo mais rápida ou mais lenta, dependendo das características que se apresentam em cada caso.
Por tudo isso, falamos sobre a jornada da paciente com câncer de mama. Uma mulher que é única e tem uma história só sua, mas que deve e pode buscar os cuidados mais adequados e personalizados para o seu perfil. É certo que, nesse caminho, desinformação e prejulgamento fragilizam, enquanto diálogo, conhecimento, autocuidado e rede de apoio efetiva, seja de familiares, amigos, colegas de trabalho e mesmo da equipe de saúde contribuem para a vida antes, durante e depois do câncer. Uma vida que pode ser plena.
Esse olhar coletivo sobre o câncer de mama como um tema de interesse de toda a sociedade é fundamental para a efetivação e o aprimoramento das políticas públicas relacionadas a linha de cuidado da patologia (rastreamento, diagnóstico e tratamento), bem como sobre a navegação das pacientes no sistema de saúde. Embora tenhamos importantes leis aprovadas e um sistema público e universal de saúde, ainda há muito a avançar para salvar um número maior de mulheres.
O câncer de mama é o mais frequente entre as brasileiras, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), e ainda causa a morte de 20 mil delas todos os anos. A estimativa de novos casos para 2021 é de aproximadamente 66 mil. Embora seja rastreável desde o início a partir da mamografia de rastreamento, o diagnóstico precoce permanece ocorrendo bem menos vezes do que nos estádios localmente avançados da doença.
A ciência vem fazendo a sua parte. O planejamento adequado logo após o diagnóstico, associado ao melhor tratamento para o perfil da paciente, permite gerenciar o câncer de mama com maior probabilidade de cura ou controle. Sendo ou não invasivo, as chances de cura são elevadas (aproximadamente 95%) quando a detecção ocorre em fase precoce. Cada vez mais a medicina entende as alterações genéticas nas células que originam e caracterizam os tipos de tumores, conhecimento este que possibilita tratamentos mais adequados e eficientes, que muitas vezes associam terapias antes e/ou após a cirurgia, a depender de cada caso.
Para ilustrar a relevância deste conhecimento, podemos citar as pacientes com um biomarcador específico, o qual chamamos de HER2+. Mulheres cujos tumores apresentam esta mutação podem se beneficiar de terapias direcionadas a essa alteração em diferentes etapas da doença. Quando diagnosticado em estágio inicial, o tratamento correto, no momento mais adequado, pode, inclusive, resguardar pacientes com alto risco de recorrência da doença de evoluírem para um estágio metastático, as aproximando da cura.
Por exemplo, mulheres que precisam iniciar o tratamento antes da cirurgia, por terem tumores maiores e/ou linfonodos comprometidos para aumentar suas chances de cura e possibilitar uma cirurgia conservadora, podem ainda apresentar células tumorais no momento da cirurgia, o que indica um risco maior de recorrência. Por isso, essas pacientes precisam de um tratamento de resgate após a cirurgia, para então reduzir as chances de progredirem para cenários metastáticos. Todo esse planejamento terapêutico personalizado, feito pela equipe que acompanha a paciente, é essencial para garantir que cada pessoa receba o tratamento mais adequado de acordo com as características do seu tumor.
Não poderia finalizar este artigo sem esclarecer, também, que qualquer mulher pode ter câncer de mama. A maioria dos tumores – 90% – não têm origem hereditária. São fatores de risco a alimentação de má qualidade, a ausência de atividade física regular, o excesso de peso, a exposição a hormônios (estrogênios), o tabagismo e o uso excessivo de bebidas alcoólicas, entre outros.
Contudo, não é possível precisar a causa da doença e, por isso, precisamos de uma nova mentalidade. Ao mesmo tempo em que é necessário adotar medidas preventivas que combatam esses fatores de risco – e quanto antes, melhor -, devemos evitar que essa mulher que apresenta o câncer de mama se sinta culpada.
Diante disso, são essenciais movimentos como o Vem Falar de Vida, que disseminam informações de qualidade sobre o tema, reverberam ações de múltiplos signatários unidos por este propósito e fortalecem a mensagem de que o câncer de mama não precisa ser sinônimo de fracasso, de morte, nem de mutilação. Existem meios para que cada vez mais histórias de mulheres sejam transformadas e discutir o acesso a eles é responsabilidade de todos nós.
Dr. Vilmar Marques de Oliveira é presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia Nacional – Associada ao Movimento Vem Falar de Vida