Se há evidente desconhecimento no processo de apuração de custos em unidades de saúde, imagine na ótica dos resultados assistenciais obtidos. Ainda vivemos na era dos resultados departamentais. Já imaginou a indústria automobilística mensurando o resultado econômico da roda, do motor e não do veículo? Pois é, fazemos isso na saúde.
Não bastasse isso, há as velhas confusões entre investimento, custos e pagamento, que comentaremos em outro momento.
Este artigo propõe discutir os custos reais assistenciais dos hospitais – e não na vertente de quem paga (operadora, estado etc.), mais uma confusão. É necessário abandonar, de forma definitiva, a ideia de que valores pagos, seja pelo governo, seja pela esfera privada, refletem custos.
Com tantas confusões, vamos a mais uma: o princípio da competência. Na saúde, de modo geral, esqueceram-no na cadeira da faculdade.
Um sistema de custos “meio caixa, meio competência” gera informação ruim em potencial, que, por conseguinte, gera riscos na tomada de decisão.
A utilização inadequada das metodologias de custeio também pode levar a distorções importantes – aqui o cenário é ainda mais complexo. As metodologias se complementam e não se substituem, seu uso requer cautela e cada uma responde a algumas perguntas e não a outras. Portanto, saber formular a pergunta é um primeiro passo na gestão de custos hospitalares; o outro, é utilizar a metodologia que melhor responde a esses questionamentos.
O processo de apuração de custos na saúde é complexo, cada paciente é único, com trajetórias e consumos assistenciais igualmente únicos. O modelo assistencial fragmentado e ausência de informações consolidadas tornam praticamente impossíveis a medição em tempo real dos custos, além da costumeira ausência de padronização na utilização de materiais, medicamentos e equipamentos que são consumidos em quantidades e tipos diferentes para tratamentos iguais.
Além disso, a ausência de mensuração de custos impossibilita uma boa negociação, prejudica a mudança de modelos de remuneração e inibe a boa competição.
Cabe aqui uma observação importante: os hospitais estão organizados em departamentos, inclusive os seus dados de origem. Logo, é praticamente impossível pensar na aplicação de metodologias baseadas em atividades em hospitais brasileiros, como o ABC (Activity-Based Costing) e o TDABC (Time-Driven Activity-Based Costing). A aplicação dessas metodologias em um estudo aqui e outro ali é factível, mas aplicá-las de forma sistêmica e consolidada é praticamente impossível. Os hospitais brasileiros, de modo geral, têm falhas importantes no processo de qualificação dos dados de origens departamentais, imagine na apuração em atividades.
Não há dúvida que o TDABC ajuda o gestor a entender o efeito, no custo, das variações de processos. Para calcular o custo total usando o TDABC, é necessário primeiro identificar as atividades que compõem o processo e determinar quanto tempo é necessário para cada atividade ser concluída. Em seguida, é preciso determinar o custo dos recursos necessários para cada atividade. Esses recursos podem incluir mão de obra, equipamentos, materiais e outros.
Com a reorganização dos serviços de saúde com unidades centradas na atenção do paciente e com a capacidade de medição do tempo gasto nas atividades, tanto administrativas quanto assistenciais, o TDABC poderá ser aplicado de forma pragmática. Muito provavelmente o uso de tecnologias no futuro poderá registrar o tempo real gasto para as equações de tempo do TDABC e, assim, viabilizar a utilização do TDABC.
Na perspectiva brasileira, o custeio por absorção – apesar de todas as críticas conhecidas – representa instrumento possível e viável para informações consolidadas de custos para atender a essas iniciativas. Até porque, geralmente, os sistemas de custeio oferecem algum nível de alocação arbitrária, tornando o processo de apuração de custos uma ciência não exata.
Um dos principais desafios da saúde é diminuir os custos assistenciais prestados à pessoa durante a sua vida, com a melhor entrega assistencial. A partir deste ponto de vista, a mensuração de custos abandona a visão simplista departamentalizada e avança para uma visão do ciclo do cuidado, possibilitando a mensuração em tempo real do custo assistencial de cada indivíduo durante a trajetória de sua vida, que, em modo ampliado, propiciaria abordagem do custo total do tratamento de sua população de pacientes.
Soma-se a isso informações assistenciais prestadas aos pacientes: procedimentos, cirurgias, complicações, eventos adversos, contratos com operadores de saúde, CID, comorbidades; enfim, um conjunto de informações que, somadas ao custo do ciclo do cuidado, geraria potencial transformador de informações para tomada de decisão.
Uma avaliação do ciclo completo da assistência promove melhor saúde, porque os efeitos da detecção e prevenção passam a ser visíveis, evidencia os custos da alta complexidade versus assistência primária e potencializa a perspectiva da saúde baseada em valor.
A potencialização do ciclo do cuidado é um conceito relacionado à melhoria da qualidade da assistência em saúde através de uma abordagem mais centrada no paciente e focada em todo o ciclo de cuidado, desde a prevenção até a recuperação.
O ciclo do cuidado geralmente inclui várias etapas, como a triagem, diagnóstico, tratamento, monitoramento e acompanhamento do paciente. A potencialização desse ciclo envolve a melhoria contínua da qualidade e eficácia dos serviços de saúde em cada uma dessas etapas, garantindo que o paciente receba uma assistência mais completa e coordenada.
Para potencializar o ciclo do cuidado, é importante que os profissionais de saúde adotem uma abordagem multidisciplinar, trabalhando em equipe e compartilhando informações para garantir que o paciente receba a melhor assistência possível. Além disso, é importante que os sistemas de saúde tenham processos claros e bem definidos para garantir a continuidade do cuidado, evitando lacunas na assistência e garantindo que o paciente seja acompanhado em todas as etapas do tratamento.
A potencialização do ciclo do cuidado também pode envolver a adoção de tecnologias de informação e comunicação, que permitem uma melhor comunicação entre os profissionais de saúde e o paciente, bem como a coleta e análise de dados que podem ajudar a identificar áreas de melhoria e aprimorar a qualidade da assistência em saúde.
Em todas essas situações, a gestão de custos pode guiar para escolhas mais efetivas e que agregue valor ao paciente.
Marcelo Carnielo é especialista em gestão de custos hospitalares e diretor de Serviços da Planisa