Artigo – Esclerose Múltipla

Tinha 43 anos e estava no meu melhor momento no casamento, na família e na minha profissão. Após um feriado estendido, passei a me sentir cansada e alguns dias depois passei a sentir dor de cabeça, tontura, dor no olho e visão dupla. Pensei que era problema de visão cansada devido as minhas intensas atividades e procurei primeiro o meu médico oftalmologista.

Após sua análise inicial, pediu que eu realizasse um exame de ressonância magnética e consultasse com um médico neurologista. Fiz o exame de ressonância magnética do crânio na manhã do dia seguinte e a tarde minha irmã conseguiu um encaixe com um médico neurologista.

Após a verificação das imagens, ele me encaminhou para internamento e realizaram uma punção lombar, exame que se constitui na retirada de um pouco do líquido que banha a medula espinhal. Na sequência, foi efetuada uma pulsoterapia, a qual o médico me explicou se tratar da aplicação de corticoide. Dia após dia, fui notando melhora dos meus sintomas, o que de certo modo me tranquilizou.

Passaram-se cinco dias de meu internamento e no momento da alta, junto de meu esposo, o médico nos explicou que os exames complementares apontavam para o diagnóstico de esclerose múltipla. Receber este diagnóstico me deixou muito angustiada, principalmente pelas incertezas das suas causas, do tratamento e da evolução. Passei por um período reflexivo, principalmente pensando o que seria de mim, da minha filha, do meu esposo, da minha família e dos meus amigos.

O acolhimento da equipe médica e o apoio de todos que me rodeavam foram fundamentais para o suporte psicológico de enfrentamento. Nunca perdi as esperanças e sempre me mantive em fé que poderia vencer.

Hoje, após sete anos, me encontro bem e em tratamento. Talvez minha história seja um excelente caso clínico para alertar a necessidade de um diagnóstico precoce.

Ao contrário do que se pensa, a esclerose múltipla não é uma doença mental, mas sim uma doença do sistema nervoso, onde por um motivo ainda não desvendado, ocorre uma “desorganização” do sistema imunológico, ou de defesa do organismo, e com isto passa a existir a agressão às células nervosas.

Para entender melhor, é preciso compreender que o sistema nervoso, além de suas células, também está composto por vias que unem estas células e por onde transitam todas as informações que são trocadas. Estas vias são revestidas por uma substância denominada mielina, que é responsável por produzir uma aceleração do impulso nervoso, tornando-o mais rápido.

Já o sistema imunológico é responsável pela defesa do corpo, de modo que normalmente produz proteínas, dentre elas a citocina, que são programadas para reconhecerem vírus e bactérias, com intuito de combatê-los defendendo o organismo destes invasores.

Desta forma, devido a alguma causa desconhecida, na esclerose múltipla ocorre uma desorganização do sistema imunológico, de modo que as citocinas passam a atacar e destruir a bainha de mielina, motivo pelo qual é denominada de doença desmielinizante. Esta destruição também resulta em uma atividade inflamatória, que ao final deixa uma cicatriz no local. Por causa desta cicatriz é que a doença é chamada de esclerose, e por atingir múltiplos locais do sistema nervoso central foi denominada de esclerose múltipla.

As fibras nervosas, ou seja, as vias nervosas, ficando sem a bainha de mielina, torna a propagação do impulso nervoso lenta ou até mesmo ausente, na dependência do grau de destruição.

Os sintomas neurológicos exibidos passam a existir na mesma proporção que sua existência, ou seja, quanto maior o número de lesões, mais locais acometidos, mais sintomas e maior debilidade o paciente passa a apresentar.

De acordo com a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla, se estima que a doença acomete cerca de 2,8 milhões de pessoas no mundo, sendo aproximadamente 40 mil brasileiros.

Ela é mais comum no sexo feminino, sendo que a faixa etária do início dos sintomas está entre 20 e 40 anos, porém pode também acometer crianças e adolescentes, sendo rara acima dos 60 anos.

Importante lembrar que não é contagiosa e, embora não seja hereditária, alguns estudos mostram uma suscetibilidade genética.

A esclerose múltipla é considerada uma doença disseminada no tempo e no espaço, ou seja, pode envolver qualquer parte do sistema nervoso central (disseminação no espaço) e em momentos diferentes, tempos distintos (disseminação no tempo), o que faz com que cada paciente tenha uma apresentação clínica variável.

A fraqueza e a fadiga são queixas muito frequentes. De igual forma, os pacientes podem apresentar alteração da sensibilidade (hipoestesia e parestesias), dor, alteração da coordenação motora, alteração da marcha, problemas na bexiga e intestino, alteração da fala (disartria), neuralgia do trigêmeo (dor na face), alteração visual, dentre outros sinais e sintomas.

Na verdade, a ocorrência dos sintomas fica na dependência do local onde ocorre a destruição da bainha de mielina, lembrando que pode ser no encéfalo ou na medula espinhal, ou ainda, em ambos.

Além disso, a esclerose múltipla pode se apresentar de várias formas. Como dito, ela pode apresentar várias fases da atividade da doença. Quando surge o sintoma, estamos na fase ativa (inflamatória da doença) onde está ocorrendo a destruição da bainha de mielina, por isso chamada fase de surto. Na medida em que essa inflamação vai cicatrizando tem-se a fase chamada de remissão, onde o quadro estabiliza, podendo ou não ter melhora do sintoma.

Deste modo, a doença pode se apresentar nas formas:

– Recorrente-remitente: caracterizada por episódios de surtos (comprometimento neurológico = sintomas), com períodos de melhora. Podendo ou não se seguir de novo surto. Ou seja, o paciente apresenta o sintoma, a doença estabiliza e ele passa um período bem, até que após algum tempo torna a apresentar novos sintomas.

– Progressiva: que pode ser primária, quando a doença piora continuamente, de forma gradual e adicionando sinais neurológicos; ou secundária, quando a doença, após um período de surto remissão, passa a evoluir com a piora contínua.

O diagnóstico é feito com base em critérios clínicos, estudos eletrofisiológicos, líquor e de imagem. A ressonância magnética é capaz de demonstrar as diversas fases da doença, tanto a fase de atividade inflamatória (onde as lesões captam contraste), quanto a fase cicatricial (chamadas placas), bem como a fase progressiva silenciosa, que pode ser vista com o aumento das lesões ao se fazer um acompanhamento evolutivo.

Embora não tenha cura, o tratamento atenua os sintomas e tenta retardar a progressão da doença, ou seja, são capazes de modificar sua evolução. O intuito do tratamento é diminuir essa reação inflamatória, tentando fazer com que se limite a destruição da mielina, preservando-a e evitando os sintomas. Além do tratamento medicamentoso, tem-se a fisioterapia e a terapia ocupacional que auxiliam na recuperação dos pacientes.

Nem sempre o diagnóstico da esclerose múltipla é fácil e possível no surgimento dos sintomas, por isso, o acompanhamento médico é muito importante no seguimento do paciente, possibilitando o correto diagnóstico e orientação nestes casos.

A leitura dessa história é um importante alerta para que se busque ajuda médica o mais breve possível, evitando o autodiagnóstico e a automedicação, que muitas vezes podem confundir ou agravar ainda mais o quadro.

Viviane Aline Buffon e Samir Ale Bark são professores de Neuroanatomia da Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná (FEMPAR)

Redação

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