Artigo – Faculdades de Medicina deveriam estimular estudantes a olhar de fato para o paciente

No começo do século passado, a opção por cursar uma faculdade de Medicina era praticamente restrita a filhos de famílias abastadas. Mas uma coisa era certa: essa escolha vinha com a missão de cuidar do outro. De olhar para a pessoa em sua totalidade, levando em consideração o contexto em que o paciente estava inserido, sua luta pessoal para sobreviver, suas expectativas e estrutura familiar. O médico de família estava em alta e, de certa forma, conhecia mais seus pacientes do que eles mesmos. Muitos anos depois e com um sem-número de faculdades de Medicina oferecendo todo tipo de facilidade para a admissão de alunos, o cenário é bastante preocupante.

Se, por um lado, estamos vivendo uma fase privilegiada do ponto de vista de pesquisas e tecnologia, transformando doenças antes consideradas fatais em crônicas, por outro lado os pacientes nunca se queixaram tanto de que os médicos sequer olham para seus rostos durante a consulta. Isso sem contar os inúmeros episódios de violência que acontecem em postos de saúde todos os dias – principalmente no sistema público de saúde. O certo é que, independentemente de o atendimento ser custeado pelo Estado, através dos impostos, ser subsidiado pelos planos de saúde ou ser totalmente pago pelo paciente que pode recorrer a um serviço particular, a conduta tem de ser a mesma. Deve existir um interesse genuíno do médico e de toda equipe multidisciplinar pelo paciente e pelo contexto que o cerca.

É importante apontar, igualmente, a grande dificuldade que muitos médicos sentem hoje em dia em se comunicar e se relacionar com pacientes. Primeiramente, porque cada indivíduo tem sua história e seus dramas pessoais. Depois, porque as pessoas são fruto de uma sociedade adoentada, desassistida e prestes a explodir de raiva por não ter direito a um tratamento adequado, uma educação de boa qualidade para seus filhos e um emprego decente. A julgar pelas manifestações em redes sociais, são muitos os que estão em posição de ataque, sempre prontos para o embate. Falta aquela empatia para se colocar no lugar do outro e perceber que ele também tem direitos e uma opinião que deve ser respeitada. Essa situação tem se refletido em muitas relações de trabalho e inclusive na relação médico-paciente.

Outra reflexão que se faz necessária é que a explosão de conhecimento médico também reflete na complexidade da rotina profissional. Ou seja, hoje o médico não tem apenas de sair de casa e passar em atendimento durante um período ou dois. Ele tem de estar em constante atualização para fazer frente às novidades em termos de tecnologia, diagnóstico e tratamento. Tem de lidar com questões burocráticas o tempo todo, com jornadas de trabalho muitas vezes estafantes – a ponto de, até mesmo, comprometer suas relações pessoais. Em face dessa realidade, é comum o médico sofrer ao se deparar com pacientes sem perspectiva de um tratamento bem-sucedido, com doenças que impactam as faculdades mentais e cognitivas das pessoas, se ressentir ao se deparar todo dia com a possibilidade de morte e tentar não transformar isso num fracasso pessoal. Por fim, ainda tem de lidar com diversas questões legais, culturais e até mesmo religiosas na defesa de quem está sob seus cuidados. Não é fácil.

Diante de tudo isso – levando em conta as necessidades do médico e do paciente –, entidades como a SOBRAMFA Educação Médica & Humanismo se empenham na formação de profissionais que exerçam uma Medicina centrada no paciente. Esse médico humanista segue ao menos SETE princípios fundamentais: 1) respeito pela opinião do paciente e suas preferências; 2) envolvimento da família e amigos no tratamento; 3) suporte emocional; 4)  manutenção de bem-estar físico; 5) informação e educação; 6) integração do atendimento; e 7) garantia de continuidade e transição do tratamento.

É fundamental que as universidades se preocupem de fato em preparar profissionais empáticos, aptos a lidar com as dores do outro. Ensinar a aprimorar e maximizar a relação médico-paciente deveria ser entendido como parte estratégica do curso de Medicina. Desenvolver habilidades de comunicação não nos parece supérfluo num mundo em que o diálogo está na UTI. Aprimorar o olhar para o paciente, enxergando-o no contexto em que está inserido, pode ser a chave para um serviço de saúde de qualidade superior, quer seja na assistência primária ao paciente, na medicina de família, nos hospitais, casas de saúde, lares de idosos, cuidados paliativos etc. O importante é que essa mudança aconteça.

Dra. Graziela Moreto é médica, tem doutorado em Ciências Médicas, e é diretora da SOBRAMFA Educação Médica & Humanismo

Redação

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