Artigo – Liderança x gestão de crise: lições de um “vírus antissocial”

O escritor americano Alvin Toffler, conhecido pelos seus conceitos sobre revolução digital – e que marcou nos anos 80 uma ideia disruptiva chamada “a terceira onda da humanidade” –, tem uma frase que eu particularmente gosto muito e que é extremamente válida nos nossos dias:

“Mudança é o processo pelo qual o futuro invade as nossas vidas”

Se olharmos para as lideranças nas instituições de saúde, essa frase nunca foi tão verdadeira, aliás, de tempos em tempos isso vale para o planeta Terra inteiro, por exemplo, a pandemia da Covid-19.

Na área hospitalar, ao longo de décadas, sempre tivemos um grande desafio: lidar com as crises. Os hospitais filantrópicos que o digam, porque a remuneração do SUS nunca foi levada muito a sério no nosso país, gerando problemas críticos de sustentabilidade.

No meio do caos é difícil aprender e rever conceitos, mas, justamente por isso, decidi escrever esse artigo, para tentar trazer à luz algumas experiências e estratégias que podem nos ajudar a sermos mais fortes nesse momento.

Estratégia 1

Líder precisa ter plano B, C e D

Fomos pegos de surpresa, sim… A velocidade da mudança foi mais rápida que a do processamento intelectual dos líderes. De repente, a gente acordou e o cenário era outro. E as coisas se complicaram muito.

Os líderes nesse momento (independentemente da posição hierárquica) precisam respirar profundamente e traçar cenários. Costumo dizer que o ideal é trabalhar com três cenários em paralelo.

1º Cenário – Situação de resposta rápida: Vamos ser afetados, mas o caos deve durar pouco tempo. Precisamos estabelecer planos de ação imediata ou no curto prazo (no nosso exemplo atual, contra a Covid-19), como olhar de que isso se resolverá em alguns meses.

2º Cenário – Situação de alerta vermelho:  Vamos ser afetados, e como o tempo se estende mais do que o imaginado em meses (médio prazo), teremos de olhar como vamos manter nossa equipe, como vamos organizar o trabalho, como vamos lidar com absenteísmos das equipes, com falta eventual de mat/med e com a gangorra de atendimento hospitalar – que eu chamo de tsunami da crise. Num primeiro momento, o cliente eletivo some (o mar recua), num segundo momento, as UTIs se sobrecarregam e, num terceiro momento, o paciente retorna,num provável efeito manada (uma onda muito grande se aproxima), quando tudo estiver teoricamente normalizado.

3º Cenário – Situação de fim do mundo: Esse é o pior cenário possível. Viveremos nessa crise do médio para o longo prazo, ou seja, não retornaremos a um cenário, entre aspas, normal nos próximos meses ou semestres, e talvez tenhamos de considerar uma possível segunda onda da crise. Nesse caso, como iremos nos posicionar no mercado? Estamos prontos para ações efetivamente inovadoras? Usaremos consultas médicas por videoconferência (telemedicina) ao invés de ambulatórios? Como poderemos fazer o Centro Cirúrgico e o SADT – Serviço de Apoio Diagnóstico Terapêutico voltar a funcionar de forma segura e como faremos para que essa segurança seja percebida pelo cliente que está escondido em casa? São perguntas que já deveriam ser respondidas hoje (de alguma forma) e não quando o médio prazo se mostrar insuficiente para interromper um vírus ou uma outra crise qualquer. A situação “fim de mundo” é apenas uma metáfora para dizer: o mundo hospitalar de ontem acabou. E como dizia Einstein:

“Em momentos de grave crise, a imaginação é infinitamente mais importante que o conhecimento!”

Estes três cenários ou planos de contingência (B, C e D) na recepção, na segurança, no C.A.F. (Centro de Abastecimento Farmacêutico), na UTI, no faturamento e etc. são vitais para corrermos o menor risco possível de ficarmos totalmente à deriva e, nesse caso, vale dizer, o final desse rio pode ser uma queda d´água gigante.

Uma pequena sugestão: acesse nosso canal no Youtube(Fator RH Consultoria)e assista gratuitamente a algumas palestras, entrevistas e/ou “lives” sobre liderança. Isso pode ajudar a refletir nesse momento complexo.

Estratégia 2

Você conhece a lei da variedade requerida?

Outro dia, me perguntaram numa “live” feita pela FATOR RH sobre gestão de crises x liderança: “Prof. Fabrizio, como é possível se ajustar nesse momento de crise no qual tudo é tão novo, nesse cenário para o qual ninguém estava preparado? Será que os planos que estão sendo traçados agora (de contingência) vão servir para alguma coisa, de fato?”

Minha resposta a esse diretor hospitalar é que, independentemente de qualquer coisa, a nossa obrigação de gestão, como líderes, é traçar os três cenários (curto, médio e longo prazo).

Nesse momento, é preciso conhecer um pouco do conceito de sistemas, em especial da lei da variedade requerida, elaborada por um dos fundadores da cibernética, o psiquiatra William Ashby. Por meio dos seus estudos, chegou à conclusão que quanto mais um sistema (máquina ou vivo) amplia seu conhecimento sobre informações diversas, porém selecionadas, maior será o seu controle e poder para tomar decisões assertivas e proativas diante de qualquer situação.

Alguns exemplos disso são: quanto mais uma pessoa tem informações sobre seus talentos e habilidades e sobre si mesmo, maior será a chance de produzir resultados no seu ambiente profissional. O que poucos hospitais se dão conta é que o modelo de gestão por competências bem feito ajuda sobremaneira, nesse exemplo, a aumentar a produtividade dos setores.

Resumindo, para traçar os planos de contingência da Estratégia 1, é preciso envolver o time. E trazer não apenas os líderes, mas também colaboradores (que estão ali na operação mesmo), pois, segundo essa lei: somente a variedade destrói a variedade. Por isso é importante ter o máximo possível de ideias para traçar os cenários.

Estratégia 3

Ações e projetos caminham paralelos

É importante termos os planos de contingência, mas não somente isso… Que projetos podem, de alguma maneira, nesse cenário de distanciamento social (vírus antissocial), garantir uma nova fonte de receitas nesse momento ou num momento futuro?É fundamental discutir e montar times para esses projetos. E, de novo, não esqueça da estratégia anterior (variedade requerida).

Temos de ter um plano de defesa (contingência) para minimizar riscos e assistência no nosso hospital, afinal, plano B não significa mundo ideal, mas, sim, o melhor mundo real possível.

E temos de ter um plano de ataque, também.O que vamos fazer de diferente durante o período e pós-período de crise? Esses projetos precisam caminhar em paralelo. Afinal, é muito importante lembrar:

“A tarefa de um líder hoje é sobreviver a esse caos e sair dele, invariavelmente, melhor do que entrou – tanto ele quanto seu time e sua instituição”

Estratégia 4

Teoria dos 3 A´S (FATOR RH)

Tempos de crise são como uma guerra na qual todos nós entramos, querendo ou não, no campo de batalha. Isso significa que entram no jogo vários aspectos que muitos líderes inexperientes não se dão conta ou acabam percebendo somente quando é tarde demais e o inimigo já está próximo da vitória.

Estou falando dos aspectos psicológicos, como ansiedade, preocupação, medo…Nas grandes guerras que o mundo, infelizmente, já participou, o fator psicológico foi um dos fatores crucialmente importantes na vitória ou derrota, pois geravam maior ou menor engajamento da tropa.

Sempre ensinamos aos gestores, nos nossos cursos de liderança de alta performance, a tática de guerra dos 3 A´s:

1º A = Acompanhamento + Próximo

2º A = Ação + Próxima

3º A = Agradecimento + Próximo

Crise exige proximidade. O primeiro A é fundamental para diagnosticar preocupações e medos em cada membro do time. Vale dizer que ansiedade leva à distração e distração em hospital MATA! Portanto, é fundamental comunicar mais e estar mais próximo dos colaboradores na sua jornada de trabalho para identificar riscos.

O segundo A se refere a tomar ações preventivas diante de possíveis desvios. Se naquele plantão tenho uma técnica de enfermagem que está fora do seu comportamento normal, preciso promover uma troca de função ou outra ação rapidamente para manter barreiras de segurança ao paciente.

E o último A se refere a reconhecimento do esforço de cada um no time… Trabalhe com a ideia de uma batalha por dia e comemore cada missão cumprida. Um exemplo bacana foi um plantão noturno aplaudindo a saída do plantão diurno da UTI num hospital filantrópico no interior de São Paulo. Esse aplauso foi “provocado” pela liderança – isso é gratidão, e faz bem à alma.

Portanto, dê mais feedback positivo ao seu time. Registre mais os desempenhos acima da média, mostre mais que você está ao lado, ombro a ombro, nessa guerra, e que não deixou de agradecer e reconhecer cada um dos seus soldados.

Outra possibilidade que os líderes maiores podem estruturar é o apoio emocional aos funcionários. Se o seu hospital tem um serviço bem estruturado de psicologia, agregue isso para “cuidar de quem cuida”, porque, com a diminuição de internações eletivas, há uma ociosidade que pode e deve ser preenchida com o apoio psicológico ao colaborador, seja no plantão ou virtualmente em horários fora do plantão.

Estratégia 5

E se tudo der errado no planejamento?

Estamos vivendo algo nunca visto antes e, portanto, é possível que alguns planos não sejam os melhores ou não se demonstrem eficazes… Tal qual numa guerra, às vezes, o plano era ótimo, mas o cenário, volátil. Nesse caso, uma última sugestão é ter o seu comitê de crise se comunicando na instituição o tempo todo para identificar rapidamente possíveis mutações genéticas nos planos de contingência.

Aqui cabe uma frase importante, mas que deve ser usada somente depois de os planos de contingência estarem construídos (pois eles são o esteio): se houver disparidade grande entre o mapa e o terreno, fique sempre com o terreno.

Sem dúvida, estamos com o futuro invadindo nossas vidas sem pedir licença. E não seremos mais os mesmos profissionalmente, nossas organizações também estarão diferentes e nossos relacionamentos (solidariedade) também. Se tem algo que no fundo temos de admitir é que, como líderes, a mudança foi abrupta e ainda estamos no caos, mas se soubermos aproveitar essas lições, construiremos um “mundo excepcionalmente novo”.

Prof. Fabrízio Rosso é Administrador Hospitalar, Mestre em R.H., Especialista em Liderança e Motivação pela FGV-SP, autor dos livros: “Gestão ou Indigestão de Pessoas?” e “Liderança em 05 Atos – Ferramentas para Gestores Hospitalares”, Sócio e Diretor Executivo da FATOR RH (www.fatorrh.com.br)

Redação

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