Artigo – Mudança no protocolo clínico é fundamental e urgente para ampliar acesso a tratamento de doença rara

Doenças raras são patologias consideradas incomuns que afetam uma pequena porcentagem da população. Mas apesar da ideia de um grupo pequeno, juntos, os mais de 7 mil tipos atingem cerca de 13 milhões de pessoas, só no Brasil, segundo o Ministério da Saúde (MS).

A fenilcetonúria, também conhecida como PKU (sigla do inglês para phenylketonuria), é uma dessas doenças. A mutação genética é autossômica recessiva, ou seja, a pessoa herda do pai e da mãe o gene alterado. O problema causa um erro na metabolização da fenilalanina (um tipo aminoácido essencial ao ser humano) muito comum e presente em diversos alimentos, principalmente proteínas de origem animal e vegetal. Essa incapacidade gera seu acúmulo no sangue, que reduz a produção de outras substâncias cerebrais e sistêmicas importantes, podendo desencadear um efeito tóxico com lesões neurológicas permanentes, como deficiência intelectual[1]. Tremores, movimentos descoordenados de pernas e braços, hiperatividade, microcefalia, convulsões, lesões cutâneas semelhantes ao eczema, redução de QI e processamento de memória e organização, também são sintomas comumente associados à PKU.

O Programa Nacional de Triagem Neonatal, popularmente conhecido como “Teste do Pezinho”, inclui a avaliação para essa condição. Em 2016, segundo o MS, foram diagnosticados 94 novos casos, o que corresponde a uma incidência de 1 a cada 30.402 recém-nascidos vivos, acima da média mundial de 1 a cada 25 mil. Começa então, logo após o nascimento, uma batalha diária para o tratamento.

O pilar principal para controle da doença consiste na adoção de uma dieta com baixo teor em fenilalanina. O paciente deve evitar a ingestão de alimentos ricos em proteína, como carnes, leite e ovos, por exemplo, assim como suas fontes vegetais, tais como grãos, pães, massas, chocolate, entre outros. Não é preciso ser nenhum especialista para imaginar o quão difícil deve ser conviver com uma condição que interfere diretamente e de forma tão restritiva na alimentação, que além de ser fundamental para sobrevivência, gera conexões, memórias, laços afetivos e interação social essenciais para qualquer ser humano. O prejuízo nutricional e, principalmente o impacto psicológico na vida do portador de Fenilcetonúria e toda sua rede de apoio são inestimáveis.

O tratamento medicamentoso já é uma realidade, auxilia no controle dos níveis do aminoácido no sangue e pode ser indicado de acordo com a equipe médica e nutricional. Mas atualmente, uma orientação contida no Protocolo Clínico e Diretriz Terapêutica (PCDT) do Ministério da Saúde para PKU, recomenda o uso de medicação exclusivamente para mulheres portadoras da condição caso haja uma gestação. Isso porque o período é considerado decisivo em termos de organogênese fetal, e o tratamento pode ajudar a reduzir quaisquer danos ao desenvolvimento adequado do feto.

Pessoas portadoras de PKU que não se enquadram na diretriz imposta pelo PCDT encontram mais obstáculos no acesso ao tratamento medicamentoso, mesmo que prescrito. Não bastando todas as dificuldades impostas de forma inerente pela doença rara, ainda é criada mais uma barreira impeditiva para alcançar qualidade de vida e reduzir os impactos da mutação genética.

O acesso a tratamento de qualquer doença é um direito que não deve ser negado ou dificultado a nenhum indivíduo. Embora na prática, não seja dessa forma, é fundamental e urgente que a sociedade, os profissionais de saúde, as associações de apoio e, principalmente, o Estado se reúnam para identificar as lacunas que distanciam o paciente do tratamento adequado para sua condição e trabalhem para encurtar esse caminho tão árduo e difícil e para resguardar a qualidade de vida e bem-estar dessa população repetidamente negligenciada e desassistida de pessoas com doenças raras como a PKU.

Referência:

[1] Koch, R., F. Trefz, and S. Waisbren, Psychosocial issues and outcomes in maternal PKU. Mol Genet Metab, 2010. 99 Suppl 1: p. S68-74Diretrizes restritivas impedem pacientes com fenilcetonúria de ter qualidade de vida

Paula Vargas é médica endocrinologista pediátrica

Redação

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