Foi em meados de abril que os profissionais da saúde viram o setor tomar impulso com a pandemia da Covid-19, que impôs uma série de restrições e cuidados extras para população e também para os profissionais da área. Assim como já acontece em outros setores, a tecnologia abocanhou uma das áreas mais tradicionais do Brasil: a medicina. Não estou dizendo que o moderno substituirá o bom e velho contato humano, mas a aceleração da transformação digital da saúde está e ainda trará uma série de reflexões importantes para o setor. O modelo que era usado por médicos até alguns meses atrás se transformou.
A pandemia mostrou que a jornada do usuário pode ser melhor otimizada. Muito tem se falado em portas de entrada digitais para o sistema de saúde via aplicativos, por exemplo. Antes, para ter um diagnóstico, o paciente precisava ir ao médico, fazer exames em lugares diferentes, retornar, comprar medicações. É um processo penoso, custoso e pouco eficiente. É preciso enxergar o paciente como um cliente que deseja uma experiência de cuidado que deve ser satisfatória em toda a jornada. Aos profissionais que discordam recomendo fazer um exercício de empatia e se colocar no lugar do paciente.
Agora, pense nas mesmas dificuldades se você tivesse que levar uma criança neste percurso, um idoso ou cadeirante. No mínimo, frustrante, não é? Por isso, aguçar suas habilidades para fazer atendimento à distância e se manter atualizado serão determinantes para o sucesso da sua carreira. No últimos meses, os ambientes de troca de informações virtuais cresceram e provaram que a experiência de aprender pode ser muito boa no ambiente digital, superando inclusive o ambiente presencial para alguns casos. O formato que combina ensino digital com experiências práticas será cada vez mais comum.
Novos formatos de triagem de pacientes baseado em dados se tornaram cada vez mais comuns com a Covid-19, o que contribuiu na otimização dos recursos da saúde. É evidente que a tecnologia não fará tudo, assim como não faz em nenhum outro setor, mas testar rápido, aprender, adaptar, com mínimo de custos, evitando-se o desperdício são pilares que estão sendo incorporados. Claro que as transformações não chegaram apenas para os profissionais. Estamos falando de uma mudança drástica em todas as vertentes e, dentro desta esfera, inclui-se pacientes e familiares.
O profissional deixa de ser a única autoridade em termos de conhecimento. Cada vez mais as pessoas buscam ativamente informações qualificadas sobre doenças, tratamentos, alternativas e possibilidades, há um desejo latente em compartilhar decisões com o médico. O paciente e seus entes queridos querem ter protagonismo no acompanhamento da doença. É ilusório achar que duas ou três consultas por ano resolvem todas as dúvidas e necessidades de alguém com uma doença crônica, por exemplo. Existe uma onda de autocuidado acontecendo.
O médico deve sempre orientar e explicar os cuidados que o paciente precisará ter ao tomar qualquer decisão com base no que vê na internet. Isso é especialmente importante nessa pandemia de fake news. É fundamental enxergar que a boa medicina está cada vez mais distante de somente fazer o diagnóstico e dar uma conduta. Grande parte do valor para o paciente está na capacidade de o médico se conectar com a realidade social do paciente, manejar suas expectativas, emoções e dar uma excelente experiência para o indivíduo.
Antes, o eixo da autoridade técnica estava em grande parte nas mãos das instituições como hospitais e faculdades. Agora, está se tornando cada vez mais democratizado. Um médico pode lotar seu consultório por ser uma autoridade digital e mostrar que tem expertise e conteúdo necessário. Essa autoridade compartilhada permite que os médicos ganhem protagonismo pessoal e tornem-se menos dependentes das estruturas estabelecidas. Plataformas de teleconsulta têm permitido que eles voltem a ser profissionais autônomos, por exemplo.
Os médicos que enxergarem esse processo como oportunidade e menos como ameaça ao seu papel tendem a ter sucesso nesse novo mundo que vem se desenhando. Mas, como de praxe, a tomada de decisão está em suas mãos.
Dr. Caio Nunes é médico radiologista e co-fundador da Sanar