Em caráter emergencial, por conta da crise causada pelo Coronavírus, o governo federal sancionou em abril de 2020 a Lei nº 13.989, que autoriza o uso da telemedicina enquanto durar a pandemia. Em outra ponta, na esfera ética-disciplinar, o Conselho Federal de Medicina está revisando a prática da telemedicina, hoje regulamentada pela Resolução CFM nº 1.643/02 e formou uma comissão para avaliar as mais de duas mil propostas enviadas por médicos dos serviços público e privado e entidades representativas.
Com essas mudanças, o número de buscas pelo termo “telemedicina” no Google aumentou mais de 500% entre março de 2019 e março de 2020, logo no início da pandemia do novo Coronavírus. Desde então, a tecnologia passou a ser amplamente utilizada no país, como alternativa aos atendimentos presenciais, reprimidos em função do avanço da Covid-19.
Outros termos que ganharam popularidade ao longo do último ano foram “home care” e “desospitalização”. Alternativas que ajudam a driblar os impactos da pandemia no cotidiano dos hospitais, oferecem mais conforto aos pacientes e ainda ampliam o acesso da população a serviços médicos que, sabemos, não estão à disposição de toda a sociedade e nem com a mesma facilidade para todos.
Assim, a digitalização da saúde vem ganhando força e credibilidade, com resultados efetivos e avanços surpreendentes no curto prazo. Não à toa, as cada vez mais conhecidas healthtechs receberam cerca de U$ 14 bilhões em aportes para o desenvolvimento e aprimoramento de soluções na área médica em 2020, segundo relatório da consultoria Deloitte.
As novas iniciativas chegam em um momento oportuno para o setor, que vê o número de demandas aumentando e os custos médicos subindo, ao mesmo tempo em que a população sofre com os impactos de uma crise econômica mundial que, só no Brasil, levou mais de 2 milhões de pessoas ao desemprego, totalizando 14,4 milhões de pessoas fora do mercado de trabalho.
De acordo com o estudo “Tendências Globais dos Custos de Saúde”, realizado pela Aon, a tendência é de que os índices de custos médicos, no Brasil, subam cerca de 10% neste ano. Apesar de grande parte das operadoras de saúde ter reportado a queda na sinistralidade no segundo e no terceiro trimestres de 2020, os custos com pacientes internados por Covid-19 e a demanda reprimida para os tratamentos eletivos tiveram um impacto financeiro considerável para o setor.
Neste contexto, a implementação de novas tecnologias é capaz de otimizar os atendimentos médicos e serviços de saúde, com reflexo direto nos custos das operações, que ficarão mais acessíveis para a população de forma geral. Trata-se de um avanço importante e de um tema que precisa ser amplamente discutido.
A comunicação é, portanto, essencial para que as pessoas conheçam essas novas alternativas e para que se sintam confiantes em utilizá-las. Segundo a Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), entre as suas operadoras de saúde associadas, foram reportados mais de 2,5 milhões de teleatendimentos entre abril de 2020 e março deste ano. E esse é apenas o começo. Em países como Inglaterra e China, outro artifício, as cabines médicas já são amplamente utilizadas. Espalhadas pelas ruas, elas garantem o acesso rápido e atendimentos eficientes, evitando desperdício de tempo e diminuindo os custos das operações. No Brasil, a iniciativa já está em fase de testes em Florianópolis (SC), desde meados de março deste ano.
Todas essas soluções comprovam que a tecnologia é um caminho sem volta e não se restringe a poucos e específicos setores da economia. Na saúde, os benefícios são inúmeros, capazes de melhorar os serviços, ampliar a oferta e reduzir custos, com impacto direto no bolso da população.
Claro, é preciso reforçar que essas novas ferramentas e plataformas são complementares aos atendimentos presenciais e que não substituem o contato dos médicos com os pacientes. A ideia é tornar o processo mais dinâmico e eficiente no dia a dia, até para que as pessoas sejam direcionadas aos especialistas corretos, não percam tempo fazendo exames desnecessários e tenham mais informações sobre o seu próprio quadro clínico.
A telemedicina também deve observar a aplicação da Lei nº 13.709/2018 – Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que objetiva proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade dos dados pessoais, especialmente nos meios digitais. Tais direitos que já estavam assegurados pelo art. 5º, XIII, da Constituição Federal, ganharam uma atualizada roupagem com a LGPD, reforçando conceitos protetivos ao cidadão e prevendo severas sanções a quem descumprir as novas regras.
Com os avanços recentes, as operadoras de saúde têm à sua frente um campo gigante para desbravar e que abre possibilidades para que mais pessoas tenham acesso ao setor de saúde privado. Hoje, o total de brasileiros que possuem algum tipo de plano de saúde chega a 48 milhões, equivalente a apenas a um quarto da população. Outros mais de 150 milhões de cidadãos ainda dependem exclusivamente do sistema único de saúde, que não acompanha a infraestrutura para atender a essa demanda com a qualidade e a agilidade do setor privado.
No último ano, evoluímos décadas no desenvolvimento de soluções para a saúde. Vimos uma vacina ser criada, testada e produzida em tempo recorde. Quebramos paradigmas e encontramos novas formas de interação entre médicos e pacientes. Agora, precisamos aperfeiçoar todas essas técnicas e garantir que o maior número de pessoas possa se beneficiar delas.
Alessandro Acayaba de Toledo é advogado especialista em direito na saúde e presidente da ANAB – Associação Nacional das Administradoras de Benefícios