O mês de outubro é o momento de falarmos sobre o câncer de mama que, desde 2021, tornou-se o tipo mais prevalente no mundo, ultrapassando os tumores de pulmão e desconsiderando os de pele do tipo não-melanoma (ainda os mais comuns globalmente). Segundo estimativa do Instituto Nacional de Câncer (Inca), mais de 66 mil brasileiras já foram acometidas pela doença em 2022.
Sabe-se que o diagnóstico precoce, em fase inicial, é fundamental para as chances de cura e, por isso, as campanhas para o rastreamento adequado e o respectivo alcance dessas estratégias para a maioria da população feminina são as engrenagens que movem o Outubro Rosa. Apesar disso, infelizmente, cerca de 35% das pacientes descobrem a patologia em estágio avançado.
O câncer de mama é uma doença heterogênea do ponto de vista molecular e biológico. Classificada em quatro subtipos principais (tumores luminais A e B, HER2 positivos ou triplo negativos), dependendo da expressão de receptores hormonais, da presença de HER2 (proteína na parte externa das células mamárias que promove o seu crescimento) e da taxa de proliferação celular. A ciência vem traçando caminhos novos para driblar o desafio de tratar pacientes com perfis complexos e tão diferentes entre si. A identificação de potenciais alvos terapêuticos, o melhor entendimento do microambiente ao redor da célula cancerígena e formas de vetorizarmos o tratamento para minimizar os efeitos colaterais e potencializar o efeito antitumoral são os segredos da oncologia moderna.
O ano de 2022 veio para mostrar que novos caminhos estão sendo trilhados para pacientes com tumores de mama avançados e metastáticos, permitindo que, cada vez mais, mulheres sejam elegíveis a tratamentos mais seguros e eficazes. Recentemente, uma análise apresentada em um dos maiores congressos internacionais em Oncologia envolve uma classe de medicamentos chamados anticorpos droga-conjugados (ADCs), uma nova forma de terapia-alvo. Essa classe de medicamento já era conhecida anteriormente, mas drogas novas estão sendo estudadas e os seus benefícios têm impactado a classe médica especializada na área.
O estudo “Destiny-Breast 04” é um exemplo. Ele avaliou o uso do medicamento trastuzumabe deruxtecana na população com baixa expressão de HER2 com doença metastática e que já havia recebido um ou dois tratamentos anteriores. Tal estudo, portanto, trouxe uma nova forma de classificar a patologia. Anteriormente, esse grupo de pacientes era considerado HER2 negativos, não elegível à terapia-alvo. O que mudou, então? É uma estratégia que se assemelha à do Cavalo de Tróia, pois um anticorpo monoclonal libera o remédio (quimioterápico) apenas após conectar-se à célula do câncer, potencializando, assim, os resultados. Tal droga, que já havia mostrado benefícios na população com expressão de HER2 alta, mostrou, dessa vez, um ganho importante em sobrevida livre de doença para pacientes com HER2 de baixa expressão, duas vezes maior em comparação ao grupo que não a recebeu.
Esse dado é bem impactante e, com certeza, muda a prática clínica para esse grupo de pacientes. Hoje, o trastuzumabe deruxtecana está aprovado pela Anvisa para uso para a doença HER2 positivo, aguardando ainda aprovação neste cenário de baixa expressão.
O exemplo que usamos mostra que a ampliação das estratégias terapêuticas para o câncer de mama avançado é fundamental, pois, hoje em dia, encaramos a patologia como crônica, em que o tempo de vida das pacientes está cada vez maior, e elas convivem com a doença em si, sem adiar sonhos ou planos. Qual seria, então, o maior desafio, à frente da oncologia atual? Tornar todas as novas estratégias acessíveis para a população. Isso envolve custos, aprovações de órgãos regulatórios e acessibilidade em rede pública.
Camila Nassif Ferreira Brito é oncologista clínica no Vera Cruz Hospital