A notícia de que as Forças Armadas aprovaram a compra de 35 mil comprimidos do medicamento Viagra repercutiu em toda a imprensa. O Ministério da Defesa informou que o medicamento, usado em casos de disfunção erétil, será usado no tratamento de militares com Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP). Enquanto isso, pessoas diagnosticadas com a doença enfrentam corriqueiramente falta de medicamentos no SUS. Precisamos falar sobre a hipertensão pulmonar, precisamos olhar para quem vive com a doença no Brasil.
O princípio ativo do viagra é a sildenafila 25mg. Mas a dose preconizada por estudos clínicos para tratamento da Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP) é de 20mg. As sociedades médicas afirmam que apenas em situações extraordinárias (como quando há falta de sildenafila 20mg), a dosagem adquirida pelas Forças Armadas poderia ser usada para tratar a doença. Segundo a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), a dose de 25mg (como a do Viagra) não traz impactos graves à saúde, porém segue programação e posologia diferentes das estudadas, com doses excedentes ou inferiores às recomendadas.
Cabe aos órgãos competentes, se for o caso, investigar a compra feita pelas Forças Armadas. O que nos interessa aqui é chamar a atenção para as pessoas que vivem com hipertensão pulmonar no Brasil. A falta de medicamentos para tratar a doença tem sido realidade em várias cidades do país. Em plena capital do Brasil, os pacientes estão totalmente desassistidos. Há desabastecimento de três medicamentos nas farmácias da Secretaria de Saúde do DF: sildenafila 20mg, bosentana e iloprosta. Além de viverem com uma doença tão grave e limitante, os pacientes ainda enfrentam cotidianamente o descaso do poder público. Com a falta de medicamentos, essas pessoas estão piorando progressivamente, e suas vidas estão em risco.
A HAP é uma doença rara, grave e fatal, que acomete pessoas em idade produtiva, e principalmente, mulheres em idade reprodutiva. Os principais sintomas são falta de ar e cansaço aos esforços, como caminhar e subir escadas, distensão abdominal, desmaios, fadiga, edema de membros inferiores. A HAP, pois, por ser uma doença limitante, impacta muito a vida dos pacientes e dos familiares. Segundo estudo realizado pela ABRAF em 2019, 56% dos pacientes encontravam-se impossibilitados de integrar o mercado de trabalho. Dessa parcela, 35% se declararam aposentados por invalidez e 21%, afastados por doença. A HAP afeta o cotidiano da vida, que, para muitos pacientes, pode ser muito limitado, encontrando grandes dificuldades na realização de tarefas simples, como andar curtas distâncias, varrer a casa, vestir-se, pentear os cabelos, tomar banho.
Segundo a SBPT, mais de 2 milhões de brasileiros convivem com hipertensão pulmonar. Desses, cerca de 100 mil pessoas têm Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP), um dos tipos da doença. São muitos os desafios para que possamos oferecer um melhor cuidado a essas pessoas no SUS. Já são oito anos de espera pela atualização do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de HAP, o documento do Ministério da Saúde que rege o tratamento da doença no SUS. O atual protocolo é de 2014, e foi publicado em não conformidade com as diretrizes internacionais para tratamento da doença. Ou seja, já nasceu defasado.
O tratamento da doença esteve recentemente em Consulta Pública na Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias), órgão que assessora o Ministério da Saúde nas decisões de incorporação de tecnologias e de publicação de protocolos no SUS. O que está em análise neste momento é a terapia combinada, ou seja, o uso de mais de um medicamento para tratar a doença. A única combinação de vasodilatadores aceita e proposta pela Conitec foi a de sildenafila e bosentana, o que demonstra desconhecimento a respeito da evolução das estratégias terapêuticas para essa doença crônica, grave e progressiva. Em todo o mundo, outras associações são utilizadas rotineiramente, com benefício respaldado em estudos clínicos de qualidade.
Enquanto associação de pacientes, reivindicamos a participação das sociedades médicas – Sociedades Brasileiras de Pneumologia, Cardiologia e Reumatologia – na elaboração do PCDT de HAP. Apesar de a HAP se tratar de uma doença rara e com tantas particularidades, a Conitec dispensou a assessoria de especialistas das três sociedades médicas, que têm mais experiência no cuidado desses pacientes.
Se a hipertensão pulmonar entrou em pauta, que olhemos para quem tem a doença e lancemos luz aos problemas que essas pessoas enfrentam no dia a dia. Cada dia sem tratamento adequado é um risco à vida dos pacientes.
Flávia Lima é presidente da Associação Brasileira de Apoio à Família com Hipertensão Pulmonar e Doenças Correlatas (ABRAF)