A dinâmica das sociedades pode ser lenta ou rápida, mas, com o tempo, as coisas mudam. Ao longo da história, muitas universidades foram fundidas e outras desmembradas; muitos hospitais passaram de privado para público e vice-versa. O Hospital das Clínicas de Botucatu passou da Universidade Pública (UNESP) para a Secretaria de Estado (de público para público, porém com desenho administrativo diferente). Muitas fundações foram qualificadas como Organizações Sociais, podendo atuar dentro de vários modelos administrativos e jurídicos. Portanto, ao analisar o papel de uma instituição, seu passado tem importância, porém, o que interessa é a seriedade, honestidade, intensidade, abrangência e relevância das suas ações.
Os setores econômicos que atuam na sociedade podem ser entendidos como: primeiro setor – representado pelo Estado; segundo setor – o empresarial, que atua em busca do lucro e, terceiro setor – composto de instituições sem fins lucrativos. Além de “sem fins lucrativos”, há necessidade de outras características para ser do terceiro setor, como: atuar para o bem comum da coletividade; atuar com financiamento governamental ou de particulares; ganhar dinheiro com suas atividades, porém, este “lucro” deve ser aplicado exclusivamente em seus objetivos, que, importante repetir, atendam aos interesses da coletividade.
As entidades do terceiro setor, caracterizadas como privadas, ao prestarem serviços de interesse social e sem fins lucrativos, associam agilidade e eficiência do setor privado aos interesses da coletividade. As instituições do primeiro setor, do governo, precisam seguir todas as orientações legais e administrativas do setor público: contratação por meio de concurso público, garantir a estabilidade do emprego, divulgar quanto cada servidor ganha, realizar compras dentro das diretrizes de leis (as tais licitações públicas), entre outras. Estas orientações objetivam garantir que não haja corrupção e privilégios nas ações do Estado. Contudo, não há dúvidas de que muitas destas legislações dificultam a agilidade administrativa. É a eterna contradição: muito controle e pouca eficiência. É neste ponto que o terceiro setor apresenta suas vantagens: agilidade e eficiência da iniciativa privada a serviço da coletividade, sem comprometer a licitude e a transparência das suas ações. Além disso, muitas instituições do terceiro setor são filantrópicas e estão imunes a várias contribuições sociais, podendo contratar pessoas com custos menores.
Há o entendimento que, ao atuar com o Estado, recebendo recursos públicos, as entidades do terceiro setor trabalham em parceria com o governo, isto é, duas instituições atuando conjuntamente para atingir objetivos comuns. Nesta situação, a parceria estará sempre presente, independentemente do arranjo jurídico utilizado, como contrato de gestão, convênio ou interveniência. A questão, lembrada à exaustão, é a associação da agilidade e eficiência da iniciativa privada ao interesse coletivo.
A existência do terceiro setor atuando em parceria com o Estado ocorre porque os governos não conseguem cumprir todas as suas obrigações isoladamente. Portanto, o Estado precisa da agilidade e eficiência do terceiro setor para, em parceria, cumprir suas obrigações junto à população.
Ora, se o terceiro setor, por receber recursos públicos, deve atuar dentro das restrições legais e administrativas do governo, perdendo agilidade e eficiência de seu caráter privado, a pergunta é:
– Mas, afinal de contas, se é para o terceiro setor atuar igualzinho ao Estado, a troco de quê este mesmo Estado vai dar dinheiro para estas entidades fazerem a sua tarefa? Por que ele mesmo, o Estado, não faz tudo?
De acordo com este conceito, não haveria necessidade das parcerias com o terceiro setor. A questão é que, na pratica, o Estado precisa do terceiro setor para cumprir suas obrigações com o povo.
Uma vez que o terceiro setor recebe recursos do Estado para atuar nos serviços públicos, o Estado precisa controlar suas ações e gastos. Tribunais de Contas, Ministérios Públicos e governos atuam como controladores. O problema é que este controle tem como baliza leis e normas criadas para o setor público. Ao exigir que as entidades do terceiro setor, como as Organizações Sociais, de caráter privado, contratem pessoas por meio de concursos públicos, garantam estabilidade de emprego, realizem compras utilizando leis e normas do setor público, divulguem os salários de seus funcionários, forneçam seus dados administrativos e financeiros a vários órgãos do Estado, os controladores estão querendo que o terceiro setor, privado, seja público! Nem Freud explica esta confusão de personalidades!
A preocupação dos controladores do Estado é a corrupção. O que precisam evitar é que os dirigentes das Organizações Sociais peguem o dinheiro do povo e, em vez de cumprir suas obrigações na parceria com o governo, gastem tudo com eles, os dirigentes. É assalto à mão armada! Olhem as notícias: “donos” de Organizações Sociais vivendo no luxo e “suas” unidades de saúde caindo aos pedaços. A pergunta é: não é possível controlar o dinheiro público entregue às Organizações Sociais, sem exigir que elas atuem dentro das regras do setor público? Todo aparato humano e tecnológico das Instituições de controle não é capaz de controlar o dinheiro entregue a uma OS e, ao mesmo tempo, respeitar seu caráter de entidade privada? Além disso, deve-se lembrar que as Organizações Sociais possuem estatutos, regimentos gerais e regulamentos de compras e contratos aprovados pelo Ministério Público. Não se deve esquecer também que há OSs e OSs. Há gente honesta e gente bandida e, neste aspecto, a história da instituição deve ser levada em conta no momento de estabelecer a parceria.
A participação do terceiro setor na sociedade brasileira veio para ficar. A existência de parcerias de sucesso na saúde, cultura e educação demonstra que o terceiro setor é fundamental para os governos atingirem seus objetivos de prestar bons serviços ao povo. Há de haver melhor entendimento entre órgãos de controle do Estado e entidades do terceiro setor, respeitando o rigor no controle do dinheiro público e o caráter privado das organizações.
Trajano Sardenberg é médico, professor da Unesp e vice-presidente da Fundação para o Desenvolvimento Médico e Hospitalar (Famesp)
Antonio Rugolo Junior é médico, professor da Unesp e presidente da Fundação para o Desenvolvimento Médico e Hospitalar (Famesp)