Não é que os profissionais de saúde sejam resistentes à tecnologia, como se afirma frequentemente. Não são: é só constatar a velocidade impressionante como alguns avanços tecnológicos são adotados por eles. O exemplo clássico é a radiografia: menos de dois anos depois de sua descoberta por Wilhelm Röntgen, em 1896, a radiologia já era uma especialidade estabelecida ao redor do mundo, e o uso universal dos raios X tinha se estabelecido no diagnóstico médico. Mais recentemente, a tomografia computadorizada foi outro exemplo de adoção rápida pela medicina, e assim existem muitos outros.
No entanto, outras tecnologias como o prontuário eletrônico do paciente (o PEP) e os Sistemas de Apoio à Decisão Clínica (SADC) continuam ignoradas ou rejeitadas pelos médicos! Qual seria a razão dessa disparidade?
A resposta é complexa, mas basicamente é relacionada à maneira como novas tecnologias são integradas ao fluxo de trabalho e às práticas assistenciais de saúde e se ela é realmente útil para aperfeiçoar, incrementar, ou até revolucionar a prática clínica.
Discutiremos brevemente, a seguir, três das áreas mais importantes da tecnologia de informação em saúde que, embora não sejam exatamente novas, penetraram pouco, ainda, em nosso meio. Elas têm seguramente um enorme potencial de efetuar mudanças realmente significativas em futuro próximo. As duas primeiras, acesso integrado à informação/apoio à decisão, e interoperabilidade, são mais imediatas, pelo fato de serem tecnologias já disponíveis. A terceira, computação cognitiva, no entanto, é muito mais complexa e experimental.
Acesso Integrado à Informação: um dos motivos da forte rejeição do uso de sistemas de registro eletrônico de saúde, como o PEP, é que eles realmente não ajudam muito o médico e os outros profissionais de saúde que deveriam utilizá-los extensamente no seu dia-a-dia, ou seja, não auxiliam o profissional no acesso às informações externas que precisa para avaliar, interpretar, calcular, diagnosticar e tratar seus pacientes. Por exemplo, o médico deve poder, sem sair do PEP, achar e ler o mais rapidamente possível, informações sobre medicamentos, procedimentos, doenças etc., durante a consulta ou visita hospitalar, de modo que elas o apoiem em suas decisões e ações. Felizmente já existem muitos serviços e produtos on-line que oferecem essas informações, como o Clinical Key e o StatDX (para imagenologia), da excelente editora internacional Elsevier. A integração dessas plataformas com os softwares de mercado é algo que ainda está começando no Brasil e isso nos remete ao próximo tópico:
Interoperabilidade: é um fato já bem determinado que não adianta muito os médicos, clínicas, hospitais etc., serem extensamente informatizados quanto à documentação centrada no paciente, se ela ficar restrita e não possa ser compartilhada entre os diferentes provedores. Para que isso aconteça, é necessário especificar e adotar padrões comuns de intercâmbio e de representação dos dados demográficos e médicos, como os do HL7 International (Health Level 7 ®), a maior organização desenvolvedora de padrões. Um exemplo é o padrão HL7 Infobutton, que permite integrar dentro do PEP o conteúdo das plataformas externas on-line de acesso à informação mencionadas acima. Felizmente estamos nesse caminho, já, com a atuação positiva da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), e do Ministério da Saúde, que traçou as diretivas para o Plano Estratégico de e-Saúde brasileiro, que tem um forte componente de interoperabilidade.
Computação Cognitiva: é o que antigamente era chamado de Inteligência Artificial, ou seja, um amplo conjunto de tecnologias de software capazes de dotar o computador de uma capacidade imitativa da inteligência humana (resolução de problemas, planejamento, raciocínio etc.); mas que hoje em dia incorpora metodologias muito mais abrangentes e heterogêneas, com redes neurais artificiais, sistemas capazes de aprender, processamento de linguagem natural, etc. O arquétipo dessa nova computação cognitiva é o famoso IBM Watson, que já está sendo utilizado amplamente no apoio à decisão médica, como em oncologia. Essa talvez seja a tendência tecnológica com o maior potencial revolucionário na medicina, mas eu já vi isso ser anunciado há décadas, com os primeiros sistemas especialistas médicos, mas que não atingiram seu potencial, por não se encaixarem bem dentro do fluxo de trabalho e do “timing” da atenção aos pacientes. De qualquer forma, a computação cognitiva têm muitos pontos de interação com as duas outras tecnologias tratadas acima.
Prof. Renato M.E. Sabbatini é diretor, professor e pesquisador do Instituto Edumed, nas áreas de Informática Biomédica e Telemedicina, e é vice-presidente e diretor de educação do Instituto HL7 Brasil