ASCO 2021: Encontro global sobre câncer debate avanços e impactos da Covid-19 no tratamento

Um ano depois, os impactos da pandemia na área oncológica estão entre temas centrais debatidos durante o 57º Encontro Anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO, da sigla em inglês), o principal e mais importante congresso internacional sobre o assunto no mundo. O tema deste ano é ‘Equidade: Todos os pacientes. Todo o Dia. Em todo lugar’, cuja proposta é debater formas de garantir acesso aos cuidados oncológicos de alta qualidade independente de limites territoriais e/ou classe social. Entre os trabalhos que foram aceitos e estão sendo apresentados, há novidades no tratamento de câncer de próstata, pulmão, mama e renal, entre outros. Foram 4,9 mil resumos aprovados e metade será mostrada durante a conferência, que teve início na sexta-feira (4) e vai até 8 de junho.

Apesar de focado em pesquisas e tratamentos de câncer, a pandemia da Covid-19, e como ela afetou a área, permeia diversos painéis. O próprio evento, novamente, está sendo realizado de forma virtual para evitar a disseminação do vírus. Mais de um ano depois do início da pandemia, especialistas tiveram tempo de desenvolver pesquisas, dados e estudos sobre como o Coronavírus impacta a saúde de pacientes oncológicos – não apenas fisicamente, mas também em suas rotinas, por exemplo, com a saturação de hospitais e o isolamento social em todo o planeta.

Em 2020 foi observada uma redução global nos índices de diagnóstico e tratamento de câncer em todos os países do mundo – e o Brasil não foi exceção. A Organização Mundial de Saúde (OMS), indica que em torno de 50% dos serviços públicos de tratamento de câncer foram parcial ou totalmente interrompidos durante a pandemia. Por aqui, mais de 70 mil pessoas deixaram de ser diagnosticadas por não fazerem exames, segundo a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica (SBPC).

“A Covid-19 trouxe desafios importantes para a medicina como um todo. No caso da oncologia, os reflexos negativos desses atrasos na descoberta de tumores malignos são parte dos desafios com os quais especialistas de diferentes partes do globo já estão lidando nas suas rotinas de acompanhamento de pacientes oncológicos e ainda deve gerar novos desdobramentos negativos, que impactarão diretamente na forma como lidaremos com essa ‘herança’ na prática clínica”, comenta o oncologista Bruno Ferrari, fundador e presidente do Conselho de Administração do Grupo Oncoclínicas.

Segundo ele, a ASCO 2021 certamente traz importantes reflexões para que especialistas possam conjuntamente pensar soluções para as milhares de vidas afetadas pelo câncer – e que representam uma barreira adicional a ser superada diante de tudo que experimentamos como sociedade nesses quase 18 meses do novo Coronavírus. “A missão de todos nós é evitar uma epidemia de casos de câncer sendo descobertos tardiamente – o que, obviamente, eleva os riscos de letalidade e compromete a luta contra o câncer de forma ampla”, ressalta.

Bruno Ferrari lembra que os problemas causados pela pandemia também serviram como combustível para estimular o desenvolvimento de novas soluções tecnológicas, científicas e humanitárias para o segmento oncológico, e que os resultados desses esforços devem permear a programação da conferência.

Imunização contra a Covid para pacientes oncológicos

Em tempos de discussão sobre eficácia da vacina contra a Covid-19, este é um assunto que não poderia ser ignorado pela ASCO. O presidente do Conselho de Administração do Grupo Oncoclínicas relembra que no Brasil a parcela de pacientes com câncer qualificada como imunossuprimida – pessoas em tratamento ou que passaram por quimioterapia ou radioterapia nos últimos seis meses, bem como aqueles que fazem uso de outras medicações imunossupressoras, tenham neoplasias hematológicas ou receberam transplante de medula – têm prioridade para tomar o imunizante.

Primeiro autor da pesquisa brasileira publicada pelo JCO Global Oncology no início de 2021, que mostra que o risco de letalidade pela Covid-19 em pessoas com câncer foi seis vezes maior quando comparada à da população do país em geral, Bruno Ferrari lembra que o encontro promovido pela Sociedade Americana de Oncologia Clínica deve reforçar a mensagem de importância da vacinação para quem luta contra tumores malignos.

“Muito se discutiu desde os primeiros resultados positivos em testes com as vacinas contra o Sars-CoV-2, em meados de 2020, se as diferentes composições criadas até aqui seriam seguras para pacientes oncológicos. No geral, o que observamos é que apesar de indivíduos com câncer não terem sido incluídos nos estudos clínicos, essas alternativas são seguras para essa parcela população. A vacina salva vidas, os riscos de não tomar as doses em caso de contaminação pelo Coronavírus são muito maiores para quem tem câncer”, ressalta.

Ainda sob a ótica da Covid, a ASCO 2021 promove uma programação robusta, com novos estudos sobre como o Coronavírus pode ter afetado de diferentes formas pacientes a partir de uma visão mais específica por tipos de tumores.

Igualdade de acesso a tratamentos e medicina de precisão

Como demanda o tema deste ano, pautado pela democratização dos cuidados adequados no combate ao câncer, estão sendo também mostrados durante a conferência os avanços que possibilitam novas políticas de saúde pública para redução da desigualdade nas oportunidades de diagnósticos e acesso a terapias de alta qualidade.

Neste sentido, o valor do uso de imunizantes é ressaltado em outras frentes, como na prevenção do câncer de colo de útero. Em uma revisão da incidência e tendências dos cânceres relacionados ao papilomavírus humano (HPV), um novo estudo, que será apresentado na ASCO, descobriu que, nos últimos 17 anos, a incidência de tumores cervicais diminui anualmente em 1%.

“Acredita-se que a redução significativa esteja relacionada a um rastreamento claro e às diretrizes de vacinação contra o HPV. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) comprovam que países com pior estrutura de saúde e áreas mais pobres tendem a ter maiores índices de câncer ligado ao vírus, que é de fácil rastreamento e prevenção, através do exame de colpocitologia oncótica (Papanicolau), realizado em consulta ginecológica de rotina, e com a vacinação de jovens contra o HPV”, diz Andréia Melo, líder de tumores ginecológicos do Grupo Oncoclínicas.

Outra importante pesquisa nessa linha de melhora nas políticas de prevenção e rastreamento mostra a avaliação de resultados de homens afro-americanos mais jovens submetidos a exames frequentes para detecção de câncer de próstata. O resumo divulgado sobre o assunto sinaliza que eles parecem ter um risco menor de metástase e de doença fatal, de acordo com dados de um estudo observacional. As descobertas reforçam a importância de discutir os prós e os contras do rastreamento do câncer de próstata com os pacientes para desenvolver uma abordagem personalizada para o tratamento da próstata.

O foco de trabalhos apresentados considera ainda “áreas-chave”, como o tratamento do mieloma múltiplo e câncer de pele, pulmão e mama. Para o oncologista Carlos Gil Ferreira, líder de tumores torácicos do Grupo Oncoclínicas e Presidente do Instituto Oncoclínicas, a conferência traz bons resultados relativos a tratamentos de câncer de pulmão.

“Uma análise mostra que a imunoterapia aliada à quimioterapia no tratamento de câncer de pulmão para casos classificados como não pequenas células mais avançados – em estágios II e III – melhora a qualidade de vida e taxas de sobrevivência de pacientes com a condição. Os resultados detalhados durante a ASCO 2021 podem servir de base para a futura adoção dos imunoterápicos como tratamento padrão pré e pós-cirurgia para estes casos, o que certamente beneficiará pessoas com a doença”, frisa Carlos Gil.

Já quando o tema é câncer de mama, que lidera o ranking de mais incidentes em todo o mundo, novas maneiras de lidar com casos avançados trazem boas notícias. Entre os estudos que mostram perspectivas animadoras está o uso de terapias avançadas para tumores metastáticos positivos para receptor de estrogênio (ER), subtipo que representa cerca de 75% de todos os casos. Há avanços no uso de moléculas projetadas para tratar esse tipo de doença, renovando assim as esperanças de pacientes. “Esse é um ano excepcional na ASCO para câncer de mama, com dados extremamente relevantes. Em uma impressão geral, o câncer de mama começa realmente a mergulhar na era genômica, ou seja, de tratamentos direcionados por biomarcadores”, afirma Max Mano, líder de tumores de mama do Grupo Oncoclínicas.

Já na sessão plenária foram detalhados os resultados do OlympiA, um estudo que traça alternativas para diminuir a recorrência de câncer dentro do grupo de pacientes com mutações genéticas hereditárias. “Isso deve ser certamente comemorado. O estudo OlympiA avalia o papel do olaparibe – medicamento que funciona como uma quimioterapia oral e atua como inibidor de uma enzima chamada polis da polimerase (PARP) – como forma de diminuir a recorrência de tumores entre o grupo de pacientes com câncer hereditário do tipo HER2 negativo com mutações nos genes BRCA 1 e BRCA 2. É um estudo reportado como positivo e que tem enorme potencial de alterar a nossa prática clínica”, destaca Max Mano.

Em 20 anos, números serão ainda maiores

A incidência global de câncer deve atingir patamares recorde nos próximos anos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), apresentando uma evolução contínua que deve fazer com que em 2040 mais de 28 milhões de pessoas recebam o diagnóstico da doença – um aumento de quase 50% em relação aos registros mundiais feitos em 2020, quando 19,3 milhões de novos casos foram detectados mundialmente. Atualmente, considerando uma prevalência de 5 anos da doença, a entidade informa que mais de 50 milhões de pessoas estão vivendo com Câncer em todo mundo, sendo que 1,5 milhão delas está no Brasil. Por aqui, ainda este ano outros 625 mil novos casos da doença serão somados a essa equação em 2021, segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA).

As neoplasias já figuram entre as principais causas de morte em mais de 200 países, o que exige das lideranças governamentais e dos cidadãos de forma geral uma atenção aos cuidados com a saúde, a partir da conscientização sobre hábitos de vida saudáveis e a detecção precoce de tumores por meio de uma rotina de acompanhamento médico e exames. A boa notícia é que aliada à ampliação de campanhas para conscientização sobre o câncer, a ciência avança a passos largos no acesso à saúde e a tratamentos avançados, com a chegada de drogas inovadoras e tratamentos que prometem melhorar não só as chances de sobrevivência, mas também ao bem estar dos pacientes.

“Alternativas de terapias cada vez mais personalizadas e individualizadas fazem com que o câncer se aproxime cada vez mais de se tornar uma doença considerada crônica, com benefícios efetivos à qualidade de vida de pessoas com diagnóstico da doença”, finaliza Bruno Ferrari.

Imunoterapia mostra potencial inédito para câncer de rim

Pela primeira vez uma imunoterapia mostrou benefício no tratamento do tipo mais comum de câncer de rim como abordagem complementar e posterior a uma cirurgia. Os resultados dessa investigação sobre pembrolizumabe, anti-PD-1 da MSD, para o carcinoma de células renais foram anunciados durante o congresso anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO, na sigla em inglês).

Há décadas, a comunidade científica busca encontrar opções terapêuticas para este tipo de paciente. E agora, após um acompanhamento médio de 24 meses, esse medicamento demonstrou redução estatisticamente e clinicamente significativas no risco de recorrência da doença ou de morte em 32% na comparação com o placebo. Adicionalmente, foi observado uma tendência favorável a ganho de sobrevida global para este medicamento, com uma redução no risco de morte em 46% quando comparado ao placebo. Esses são os primeiros resultados do estudo clínico Fase 3 – KEYNOTE-564[1] onde pembrolizumabe foi avaliado como potencial tratamento adjuvante em pacientes com carcinoma de células renais em risco intermediário-alto ou alto de recorrência após remoção cirúrgica do rim ou após cirurgia e ressecção de lesões metastáticas.

“Esperamos desenvolver essa importante pesquisa e fornecer novos tratamentos para pacientes com câncer renal”, afirmou o líder do estudo, Toni K. Choueiri, diretor do Lank Center for Genitourinary Oncology, co-líder do Kidney Cancer Center, Dana-Farber Cancer Institute e professor de medicina na Harvard Medical School. Segundo o investigador, quase metade dos pacientes com carcinoma de células renais em estágio inicial apresentam recorrência da doença após a cirurgia.

Na avaliação da diretora médica executiva da MSD Brasil, Márcia Abadi, o KEYNOTE-564 demonstra esperança para os pacientes: “Esses dados destacam a importância cada vez maior de pembrolizumabe contribuir no tratamento dos pacientes nos cenários mais precoces da doença, impedindo que o tumor se espalhe e se torne mais difícil de tratar. Com esses resultados, pembrolizumabe se torna um novo padrão de tratamento para pacientes com câncer de rim em estágio inicial e esperamos trabalhar em estreita colaboração com as autoridades regulatórias para tornar esta opção de tratamento disponível para os pacientes o mais breve possível.”

A MSD continua a estudar pembrolizumabe, em combinação ou como monoterapia, bem como outros produtos experimentais em vários cenários e estágios do carcinoma de células renais, incluindo a doença avançada ou metastática, por meio de um amplo programa de desenvolvimento clínico, que inclui mais de 20 estudos e mais de 4 mil pacientes.

A imunoterapia está atualmente aprovada nos Estados Unidos, Europa, Japão e Brasil, em combinação com axitinibe, para o tratamento de primeira linha de pacientes com a doença avançada.

Carcinoma de células renais

O carcinoma de células renais é o tipo mais comum de câncer renal – cerca de nove em cada 10 cânceres renais. É quase duas vezes mais comum em homens do que em mulheres. A maioria dos casos é descoberta acidentalmente durante exames de imagem para outras doenças abdominais. Em todo o mundo, estima-se que houve quase 431.300 novos casos de câncer renal diagnosticados e quase 179.400 mortes pela doença em 2020.

O câncer renal tem causas variadas como tabagismo, obesidade, hipertensão arterial, insuficiência renal terminal e histórico familiar, bem como algumas síndromes clínicas raras, presença de doença renal cística adquirida, uso prolongado de analgésicos não esteroides, e exposição ocupacional a alguns agentes como cádmio e derivados de petróleo, entre outros[2].

Pembrolizumabe

O medicamento pembrolizumabe, comercialmente conhecido como KEYTRUDA nos países onde está aprovado, é um anticorpo monoclonal humanizado, desenvolvido para aumentar a capacidade do sistema imunológico de combater os cânceres avançados. O medicamento bloqueia a interação entre a proteína PD-1, das células de defesa do corpo, e seus ligantes, como PD-L1 e PD-L2, expressos pelas células tumorais. Ao interceptar essa interação, o medicamento aumenta o potencial de ataque das células de defesa sobre as células cancerígenas, ou seja, faz com que haja mais ação contra o tumor.

O medicamento está aprovado no Brasil para 16 indicações em diversos tipos de cânceres, entre eles, pulmão, pele (melanoma), sangue (linfoma de Hodgkin), estômago, rim, bexiga e cabeça e pescoço, ampliando o arsenal terapêutico de tratamento definido pelo médico oncologista[3].

Referências:

[1] Estudo de segurança e eficácia de pembrolizumabe (MK-3475) como monoterapia no tratamento adjuvante de carcinoma de células renais pós-nefrectomia (MK-3475-564 / KEYNOTE-564) Disponível em clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT03142334 . Acesso em 02  de junho 2021.

[2] AMERICAN CANCER SOCIETY. Risk Factors for Kidney Cancer. Disponível em: <www.cancer.org/cancer/kidney-cancer/causes-risks-prevention/risk-factors.html> Acesso em: 03/6/2021.

[3] Bula KEYTRUDA. Disponível em Consultas – Agência Nacional de Vigilância Sanitária (anvisa.gov.br) Acesso em: 03/06/2021.

Redação

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