Com ‘Lean nas Emergências’, superlotação cai 43% em hospitais do SUS

A superlotação nos serviços de urgência e emergência em 20 hospitais públicos teve uma redução de 43% em seis meses, com uma diminuição média de 39% no tempo de passagem do paciente da urgência até a alta, e uma média de 12h a menos no pronto-socorro.

Esses são alguns dos resultados do terceiro ciclo do projeto ‘Lean nas Emergências’, que visa aplicar processos que melhorem os índices de superlotação nos serviços de urgência e emergência em hospitais do SUS. Além da longa espera, a superlotação causa outros problemas, como o aumento da média de permanência do paciente no hospital, desperdício de tempo e recursos e menor giro de leitos.

O projeto, liderado pelo Hospital Sírio-Libanês por meio do PROADI-SUS – Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde, utiliza metodologias estruturadas de gestão e otimização de recursos para mudar esse cenário.

Desde 2017, quando deu início o ciclo 0, o projeto impactou 57 hospitais públicos e filantrópicos e capacitou cerca de 475 profissionais de saúde em todo o Brasil. No próximo ciclo (4), a iniciativa vai se expandir para mais 40 instituições em 18 estados. Entre os selecionados estão o Hospital Municipal Dr. Arthur Ribeiro de Saboya, em São Paulo, e a Maternidade de Alta Complexidade do Maranhão.

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Metodologia

O ‘Lean nas Emergências’ possui uma metodologia única criada com a própria evolução do projeto. São trabalhadas ferramentas específicas para reduzir a superlotação dos serviços de urgência. Uma das principais é a metodologia Lean, ou pensamento enxuto, que tem foco em identificar valor agregado e reduzir desperdícios.

Além de ferramentas Lean, como 5S, Mapa de Fluxo de Valor (Value Stream Mapping), Matriz Esforço-Impacto e Diagrama do Espaguete, são utilizadas no projeto outras teorias, como Plano de Capacidade Plena (Full Capacity Protocol, Peter Viccellio®), Daily Huddle (IHI®), Teoria da Variabilidade (Eugene Litvak®), além das Estratégias de Fluxo.

O Plano de Capacidade Plena é um protocolo que identifica níveis de superlotação por meio da definição da capacidade instalada do pronto-socorro e do hospital. Ele foi criado por Peter Viccellio, médico emergencista de Harvard. Alguns dos impactos do PCP são: melhorar o cuidado de todos os pacientes; permitir que os tratamentos sejam iniciados no tempo correto, além de reduzir erros.

Já o Daily Huddle é executado por reuniões de curta duração. É uma ação proposta pelo Institute for Healthcare Improvement (IHI), que apoia a gestão da rotina por reuniões diárias que duram entre 10 a 15 minutos.

Por fim, as Estratégias de Fluxo permitem segmentar os fluxos hospitalares com o intuito de ter o paciente no lugar certo, com os recursos certos, no tempo certo. Entre as EF utilizadas estão: Fast Track, Sala de Curta Permanência (Short Stay Unit), Sala de Decisão Médica (Clinical Decision Unit) , Sala de Alta, Teoria de Filas e Teoria das Restrições.

Durante a execução, são implementados indicadores de gestão, como o NEDOCS, que mede o grau de superlotação do pronto-socorro e o seu risco para os pacientes. A sigla em inglês significa Escala Nacional de Superlotação dos Serviços de Urgência.

“A otimização de tempo, recursos e espaços cria um ambiente com processos organizados e ainda mais seguros, contribuindo para resgatar o propósito do trabalho dos profissionais de saúde”. Marco Saavedra Bravo.

Esse indicador considera o número de leitos do hospital e da emergência, número de pacientes na emergência, o maior tempo de espera de um paciente, entre outros. A partir desses dados, é formado um índice. “Dessa forma, o ‘Lean nas Emergências’ considera o NEDOCS como indicador de mensuração do projeto nos hospitais para entender a diminuição do nível de superlotação e, dessa forma, a efetividade do projeto”, explica o gestor da iniciativa, Marco Saavedra Bravo, gerente do ‘Lean nas Emergências’ do Hospital Sírio-Libanês.

Ele lembra que os hospitais públicos e filantrópicos beneficiados pela iniciativa não realizam nenhum investimento para implementação do Lean. Os recursos vêm do próprio Hospital Sírio-Libanês, como forma de contrapartida pela imunidade das contribuições sociais.

O processo de implementação é o mesmo em todos os hospitais. A primeira etapa é composta por mensuração, com o Diagnóstico Operacional e Capacitação Lean Healthcare, seguida da análise, utilizando ferramenta 5S, Estratégias de Fluxo, Mapa de Fluxo de Valor, entre outros, passando por fim para a execução do projeto, com o Plano de Capacidade Plena, 5W2H e Daily Huddle. Para finalizar, há a parte de controle, que é a gestão dos indicadores.

Marco destaca a importância do caráter transformador desse projeto. “A otimização de tempo, recursos e espaços com a metodologia Lean cria um ambiente com processos organizados e ainda mais seguros, contribuindo para resgatar o propósito do trabalho dos profissionais de saúde”.

Desafios

Os principais desafios na implementação do projeto nos hospitais públicos são mudar a cultura desses locais e engajar os profissionais para o entendimento das ferramentas e do método em si. “Além disso, cada pronto-socorro tem um perfil diferente, então é necessário adaptar-se à realidade do local para conseguir resultados efetivos”, conta Marco.

Ele destaca que a cultura é essencial para o sucesso do projeto, pois é uma metodologia que depende das pessoas. Sem elas, a implementação não é possível. Além dos gestores, é preciso que as equipes na operação estejam unidas no mesmo propósito.

Sobre os principais erros cometidos pelos hospitais, o entrevistado diz que não há certo ou errado, mas, sim, hospitais com realidades e perfil distintos, seja de administração municipal, estadual, tripartite ou por OSS – Organização Social de Saúde, entre outros.

“O projeto figura como uma oportunidade de mudança de cenário e da realidade junto aos hospitais participantes, dando esperança de melhorar as experiências dos pacientes do SUS e também das próprias equipes, como servidores e profissionais da área da saúde pública do país”, expõe.

Por meio de uma análise feita antes do início das visitas, é criado um relatório em versão de diagnóstico, que é basicamente um raio X do cenário atual do pronto-socorro e também do hospital. Esse diagnóstico traz clareza para identificar onde se encontram os principais gargalos que geram a superlotação, além de responder a perguntas como:

  1. A demanda é maior ou menor que a capacidade instalada
    do PS/Hospital?
  2. Quão ágil é o hospital na substituição dos leitos?
  3. O hospital interna mais pacientes que os necessários?
  4. A escala precisa de mais profissionais ou tem profissionais suficientes para atender a demanda diária?

Os desafios são vencidos por meio do trabalho em parceria. O projeto é pessoa-dependente, ou seja, feito por pessoas para pessoas. Os consultores especialistas do Hospital Sírio-Libanês (dupla de médico e especialista Lean) executam visitas quinzenais de dois dias durante a implementação do projeto. Os desafios e barreiras são identificados e mitigados em conjunto.

Vale ressaltar que os hospitais são acompanhados por um período de um ano depois do fim do ciclo de intervenção, por meio da comunidade ‘Lean nas Emergências’, para monitoramento e efetividade do projeto.

Desempenho

Durante o terceiro ciclo, dois hospitais se destacaram: o Hospital Regional do Cariri, no Ceará, que teve uma redução de 66% em seu índice de superlotação, além de 51% de queda no tempo médio de permanência do paciente no hospital. Já o Hospital Municipal Dr. José de Carvalho Florence, em São Paulo, apresentou uma redução de 65% em seu índice de superlotação, e queda de 78% no tempo médio de permanência do paciente no hospital (veja tabela acima).

Luciana Maria Pereira, enfermeira da emergência do Hospital Regional do Cariri, conta um pouco sobre os resultados do projeto. “Após a instituição do Lean, os profissionais passaram a ser mais comprometidos com relação ao olhar para os pacientes. Antes, um paciente chegava a esperar de cinco a dez dias para ser transferido para a torre, hoje, com o ‘Lean nas Emergências’, o tempo de espera chega a 48h, e nas áreas cirúrgica e ortopédica não chega a 24h. Um sucesso! Estamos muito satisfeitos!”, comemora a profissional.

Para saber mais

O PROADI-SUS foi criado em 2009 com o propósito de apoiar e aprimorar o SUS por meio de projetos de capacitação de recursos humanos, pesquisa, avaliação e incorporação de tecnologias, gestão e assistência especializada demandados pelo Ministério da Saúde. Hoje, o programa reúne cinco hospitais sem fins lucrativos que são referência em qualidade médico-assistencial e gestão: Hospital Alemão Oswaldo Cruz, HCor, Hospital Israelita Albert Einstein, Hospital Moinhos de Vento e Hospital Sírio-Libanês. O PROADI-SUS é mantido com recursos de imunidade fiscal dos hospitais participantes.

Os projetos levam à população a expertise dos hospitais em iniciativas que atendem necessidades do SUS. Entre os principais benefícios do PROADI-SUS, destacam-se: redução de filas de espera; qualificação de profissionais; pesquisas do interesse da saúde pública para necessidades atuais da população brasileira; gestão do cuidado apoiada por inteligência artificial e melhoria da gestão de hospitais públicos e filantrópicos em todo o Brasil.

Para participar do projeto, os hospitais são selecionados por uma comissão formada pelo Ministério da Saúde junto ao CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde e ao CONASEMS – Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. Além disso, hospitais públicos e filantrópicos podem solicitar o projeto por meio da comunidade ‘Lean nas Emergências’ (www.leannasemergencias.com.br).

A participação na iniciativa acontece em ciclos, que se iniciam a cada seis meses. Aos interessados, basta realizar sua inscrição por meio de um endereço de e-mail que será indicado na véspera de um novo ciclo e atender aos critérios de elegibilidade, como ser instituição pública ou filantrópica, ter mais de 150 leitos, trabalhar com plantão horizontal, entre outros. Mais informações estão disponíveis no site hospitais.proadi-sus.org.br.

Matéria originalmente publicada na Revista Hospitais Brasil edição 101, de janeiro/fevereiro de 2020. Para vê-la no original, acesse: portalhospitaisbrasil.com.br/edicao-101-revista-hospitais-brasil

Redação

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