Com programa de felicidade, Hospital Anchieta aumenta satisfação dos clientes

Em 2017, a crise econômica no Brasil chegou para valer e enfraqueceu diversas empresas, muitas fecharam suas portas. No entanto, o Hospital Anchieta, de Taguatinga (DF), não se deixou abalar. Comprometido com um programa de promoção da felicidade dos colaboradores, é o primeiro do Brasil a implementar este tipo de projeto.

Lorena Porto Pereira, gestora idealizadora do modelo inovador de cultura organizacional, conta que tudo começou com um sonho. “Por duas vezes eu me vi no Anchieta, mas o hospital estava diferente, era exatamente como na Disney. Oportunamente, no início do ano, revisitamos o planejamento estratégico para validar ou redirecionar as ações. Durante a reunião, já no cafezinho com as lideranças, comentei sobre esse sonho. Dias depois chegou à minha mesa o livro ‘Se a Disney administrasse seu hospital’, de Fred Lee, que faz uma comparação das experiências do cotidiano das instituições de saúde com a referência em entretenimento, a Disney World”.

Lorena Porto Pereira

Foi quando os gestores despertaram para o sentido de que mesmo a estratégia mais perfeita é mais difícil implantar se as pessoas não enxergam a oportunidade delas e somente da instituição em si. “Precisávamos de um modelo que despertasse paixão pela missão, que fizesse as pessoas se preocuparem com a marca que cada uma está deixando no mundo. Assim, fomos buscar as ferramentas necessárias para criar um novo modelo organizacional”, explica Lorena.

A partir de novembro de 2016, a instituição começou a usar essa abordagem como ferramenta para a revisão do planejamento estratégico. O corpo gestor foi o primeiro a usar alguns conceitos para construir práticas que davam certo e ajustar conforme a vivência. Logo em abril de 2017, já embasados no estudo da Ciência da Felicidade e no indicador da Felicidade Interna Bruta – um Programa de Felicidade e Encantamento, a estratégia foi lançada para toda a instituição.

O FIB foi desenvolvido pelo Butão na década de 1970 e atualmente é preconizado pela ONU como novo paradigma de desenvolvimento a ser adotado pelas nações signatárias. Ele verifica o progresso de um país sob os prismas da boa governança, do crescimento econômico sustentável, da preservação do meio ambiente e da promoção da cultura – sempre com foco no bem-estar humano.

“Revisitamos o planejamento estratégico que culminou no redesenho da identidade organizacional, estrutura, processos e tecnologias voltados para o encantamento e o acolhimento dos clientes, que passaram a receber o tratamento de hóspedes, o mesmo dispensado às pessoas queridas que recebemos em nossas casas. A ideia é sustentada pelas quatro chaves do padrão Disney de encantamento ao cliente: Segurança, Cortesia, Show e Eficiência”, destaca.

Dessa forma, foi criado o Comitê da Felicidade, que, inclusive, foi introduzido no organograma. Além de Lorena, esse comitê é formado por outros quatro membros efetivos: Maria Orlanda Pereira, diretora de clientes e qualidade; Glória Gomes, coordenadora de recursos humanos; Rosilda Avelar, coordenadora assistencial; e Carla Furtado, consultora do Instituto Feliciência.

Resultados

Com a estratégia, 2017 foi marcado por grandes conquistas. Com muita dedicação, o elenco alcançou a meta anual de satisfação do cliente externo, com 95,16%, e superou a expectativa de satisfação do cliente interno, com 98,04%.

A equipe está cada vez mais engajada com os objetivos e os valores institucionais. Os resultados mostram uma crescente participação nos treinamentos de 89,16% e um alto grau de comprometimento com a saúde ocupacional, com redução de mais de 50% do absenteísmo.

Além desses números, o hospital manteve a alta performance na segurança assistencial em conformidade com as melhores práticas do setor de saúde e conseguiu otimizar os processos, que propiciaram uma distribuição de resultados com um salário no primeiro semestre e ¼ da remuneração no segundo semestre.

Pela inovação na forma de gestão corporativa, o Anchieta foi reconhecido em Butão, país asiático que se tornou referência pela criação do FIB, indicador amplamente disseminado pela ONU e atualmente em debate na UNESCO. Na Conferência Internacional Gross National Happiness (GNH) of Business, o hospital marcou presença como o único case da América Latina. Também foi convidado a apresentar o modelo em Portugal, no México e na Hungria.

Atividades

Na pesquisa de Felicidade Interna Bruta, foram observadas as dimensões bem-estar psicológico, saúde, uso do tempo, vitalidade comunitária, educação, cultura, meio ambiente, governança e padrão de vida. Visando melhorar os índices identificados, o hospital elaborou extenso programa de promoção da felicidade dos colaboradores.

Entre as atividades já implementadas estão: Academia do Encantamento; Clínica do Bem Viver – para promoção da saúde; Café com a Diretora – encontro mensal dos colaboradores com a diretora executiva; Diretora na Escala – ocasião na qual a diretora executiva integra a escala de trabalho de um dos setores da instituição; e Meditação – introduzida como prática continuada.

“Partindo da premissa que só podemos doar aquilo que temos, motivamos colaboradores e parceiros, conceituados como elenco, a serem protagonistas de momentos memoráveis com seus hóspedes, como passaram a ser tratados os clientes, elevando as percepções de satisfação no atendimento”, conta Lorena.

Além disso, o hospital promove aos colaboradores ações que envolvem dimensões importantes para garantir bem-estar físico e psicológico, como saúde, educação e cultura. “Assim, ao gerar significado na atividade de cada colaborador, deliberando a oportunidade de ser protagonista em seu trabalho e proporcionando o bem-estar e a qualidade de vida, ganhamos um aliado comprometido com a missão e a segurança dos processos da instituição”.

Ela explica que o elenco é capacitado desde a consciência da sua essência, para que cada um se torne pleno em sua vida, entendendo que estão deixando uma marca, um legado, principalmente, por atuar na área da saúde, o bem mais precioso que o ser humano pode ter. “A gente dá as ferramentas e eles decidem acessar ou não para entregar esses momentos memoráveis”, acrescenta.

Desafios

Lorena lembra que uma vez perguntaram ao Márcio Fernandes, um dos líderes mais admiradores do Brasil, se foi difícil implantar o programa de felicidade na Elektro. Ele respondeu: “Quem não quer ser mais feliz?”. Segundo a gestora do Anchieta, certamente, toda nova proposição pode gerar alguma resistência, mas isso dura o tempo necessário para que as pessoas entendam que existe ali uma proposta legítima. “No hospital, a aceitação foi tão imediata por parte das áreas operacionais que costumavam brincar dizendo que se nós, gestores, não atrapalhássemos o processo, seria um grande sucesso”, comenta.

Na prática, o desafio real é eleger uma metodologia de mudança competente. No caso do Anchieta, o hospital foi apoiado pelo Instituto Feliciência, cuja expertise é a implantação de programas de transformação cultural que englobam fortalecimento do propósito da organização, desenvolvimento de líderes, bem-estar dos colaboradores e melhoria da experiência do cliente com incremento nos resultados. Para isso, foram utilizados Psicologia Positiva, Neurociência, FIB e Teoria U (metodologia para fazer uma equipe inteira aprender algo novo, desenvolvida pelo Massachusetts Institute of Technology).

De acordo com Lorena, para vencer a resistência diante da proposta de uma nova cultura é necessário que ela, em primeiro lugar, agregue valor para as pessoas, sejam colaboradores ou clientes. “Em seguida, é imprescindível que haja coerência entre a proposta e o comportamento da alta gestão. Se eu oriento o elenco a meditar, tenho de ser a primeira pessoa a fazê-lo. Se peço que criem momentos memoráveis para nossos hóspedes, preciso ser o exemplo vivo disso”, detalha.

Quanto às resistências, desde o início os gestores previram que elas ocorreriam e decidiram atuar de maneira orgânica, ou seja, dando o tempo necessário e oportunidades para que as pessoas aderissem ao que estava sendo proposto. “No mais, uma boa estratégia é dar visibilidade às histórias positivas que acontecem dentro da instituição em decorrência da nova cultura, mostrar os depoimentos dos hóspedes e o quanto tocamos positivamente suas vidas enquanto estavam hospitalizados”, expõe.

Próximos passos

Mas não acabou por aí: o Anchieta tem uma ampla agenda pela frente. Neste ano, o hospital voltará a mensurar o FIB para verificar os avanços obtidos em comparação ao início do programa. Também trabalhará para amadurecer e sedimentar as ações iniciadas em 2017, pois a construção de uma nova cultura leva em média três anos. Será dado, ainda, um importante foco ao desenvolvimento de líderes, especialmente em soft skills.

“Estamos também em processo de implementação do Planetree, ou seja, a centricidade no paciente deverá guiar todas as nossas ações. Tudo que fazemos e faremos tem no centro o ser humano – seja ele membro do nosso elenco, hóspede ou comunidade”, acrescenta a gestora.

Dicas

Para outros hospitais que desejam implantar essa ação, Lorena dá as dicas. “Um programa como esse precisa estar alinhado ao DNA da organização, deve ser autêntico, pois qualquer tentativa de forjar um compromisso com a felicidade humana e o encantamento dos clientes é rapidamente percebida pelos colaboradores, pelos pacientes e pelo mercado”, avisa.

Ela destaca que se trata de um trabalho científico, profundo e de longa duração. Contudo, os resultados qualitativos e quantitativos são tão impactantes que se torna um caminho sem volta. “Os colaboradores têm a oportunidade de experimentar uma melhor versão de si mesmos e, com isso, entregam aos clientes uma experiência excepcional. Como resultado, a empresa cresce. Mas não estamos presos a isso: o propósito e o legado nos movem a cada dia – inclusive às segundas-feiras, que, por aqui, estimulamos todos a amar tanto quanto as sextas”, finaliza.

Psicologia positiva

Durante décadas, mais precisamente desde os anos 1960, estudiosos de diversas universidades, com destaque para as universidades da Pensilvânia e de Harvard, se debruçaram em estudos sobre a felicidade. Neste período, Martin Seligman e outros pesquisadores fundaram a psicologia positiva e o conceito do florescimento humano, contribuindo de forma essencial para as descobertas aceitas atualmente.

Com a psicologia positiva, condições que envolvem relações interpessoais, propósito, satisfação e motivação deixaram de ser abstratas e passaram a ser analisadas de forma sistemática e científica. “Até então, não se considerava que estes aspectos poderiam ter um certo padrão, que revelassem um tipo de sistema de condições que geram a felicidade, assim como os padrões dos conceitos analisados pela neurociência”, explica Flora Victoria, mestre em Psicologia Positiva Aplicada pela Universidade da Pensilvânia e presidente da SBCoaching.

Segundo ela, ao trabalhar suas potencialidades e autoconhecimento, o indivíduo amplia sua capacidade de raciocínio e percepção, o que lhe ajuda a construir uma fonte de recursos internos para lidar com adversidades, passando a vivenciar mais episódios positivos. “Quanto mais emoções positivas, mais aptos nos tornamos a reproduzi-las em situações futuras; conforme este ciclo virtuoso se perpetua, ele ajuda a consolidar a resiliência psicológica e o bem-estar subjetivo para que ele aconteça de forma mais perene, levando ao que chamamos de florescimento humano”, diz.

Para Flora, a chave do sucesso é entender nosso próprio valor e lugar no mundo, para depois investir tempo e energia buscando metas valiosas. Comunidades com maior bem-estar subjetivo (relacionado com a avaliação cognitiva e emocional que uma pessoa faz sobre sua vida) têm menor índice de criminalidade, corrupção e estado de saúde menos precário. Pessoas com maior bem-estar subjetivo vivenciam uma variedade de resultados positivos, como aprendizado eficaz, produtividade, bons relacionamentos e boa saúde.

Matéria originalmente publicada na Revista Hospitais Brasil edição 90, de março/abril de 2018. Para vê-la no original, acesse: portalhospitaisbrasil.com.br/edicao-90-revista-hospitais-brasil

Redação

Redação

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.