Como formações geológicas rochosas estão revelando novos tratamentos para cálculos renais

Os cálculos renais nos humanos são tão antigos quanto as pirâmides de Gizé no Egito. O cálculo renal mais antigo foi encontrado em um tecido mortuário egípcio de 4.400 a.C. No ano passado, a Mayo Clinic processou e analisou aproximadamente 90 mil cálculos renais de todo o mundo. Esse número cresce a cada ano, revelando um aumento global da doença do cálculo renal. Novas pesquisas descobriram como os cálculos renais são formados, o que pode ser a chave para o tratamento e até mesmo a eliminação desta enfermidade dolorosa.

Há cerca de três anos, um estudo realizado pela Mayo Clinic e pela University of Illinois desacreditou o consenso de que os cálculos renais crescem por meio de um processo metódico, camada por camadas e que são difíceis de serem dissolvidos. “Pensava-se que, uma vez que eles tivessem crescido e se desenvolvido, não seria possível que os cálculos renais de cálcio fossem dissolvidos nas condições naturais dos rins”, disse o Dr. John Lieske, nefrologista e diretor do Rare Kidney Stone Consortium da Mayo Clinic, que lidera a equipe.

Contrariando essa crença antiga, o estudo descobriu que cálculos renais de oxalato de cálcio se formam de maneira muito parecida à do travertino, uma rocha encontrada no Mammoth Hot Springs, no Parque Nacional de Yellowstone. Em outras palavras, os cálculos renais (assim como as rochas formadas em ambientes naturais) sofrem ciclos repetidos de cristalização, dissolução, fraturamento e falhas; o processo é chamado de diagênese.

A descoberta abre um novo caminho para tratamentos novos e não ortodoxos para os cálculos renais, e foi possível pela parceria das áreas de geologia e biologia (geobiologia) da University of Illinois com a experiência em urologia e nefrologia da Mayo. Para o estudo, as amostras de cálculos renais removidas cirurgicamente de pacientes da Mayo tiveram que ser cortadas em seções finas como folhas de papel de arroz.

“Fizemos cortes tão finos que era possível ver a luz através deles”, disse Bruce Fouke, Ph.D., geobiólogo e diretor do Roy J. Carver Biotechnology Center, cujos laboratórios na University of Illinois possuem as ferramentas especializadas para o trabalho. “Quando você atinge um cálculo renal (cortado em uma camada muito fina) com luz UV e observa-o no microscópio (em uma escala de um milionésimo a um bilionésimo de um metro), observa que há camadas sob camadas de cristais individuais com formas perfeitas, que são cortados transversalmente por outros cristais, orifícios, fraturas e falhas dissolvidos. “Eles são muito parecidos com o que você vê no Grand Canyon, onde há camadas rochosas impressionantes”, complementa o Dr. Fouke.

As implicações da pesquisa incluem novos protocolos de tratamento que podem interromper a formação de um cálculo ou ajudar a dissolvê-lo. Esta é uma excelente notícia visto que um cálculo preso pode ser mais doloroso do que o parto. De acordo com o último artigo da equipe, publicado na revista médica Nature Reviews Urology, o estudo em andamento realizou mais descobertas. Os pesquisadores estabeleceram um esquema de classificação, que oferece aos médicos uma forma de classificar os cálculos renais em diferentes categorias, independente de saber com precisão onde os cálculos se formam nos rins.

“Não é apenas um crescimento mineral, mas uma complexidade de eventos contínuos e múltiplos de cristalização e dissolução, cristalização e dissolução”, disse Dr. Fouke. “Quando um cálculo passa pela etapa de dissolução, ele não se dissolve completamente. Um cálculo cresce e então se dissolve apenas parcialmente durante um desses ciclos. Ele parece um pequeno queijo suíço. Você deixa para trás um pouco de massa mineral, que contém cristais, orifícios, fraturas e falhas anteriores. Na próxima sequência, ocorre mais crescimento mineral, dissolução, fraturamento e falhas, e assim por diante. Agora documentamos, quantitativamente, essa série de etapas da história de formação rochosas chamada de sequência paragenética.”

Os pesquisadores descobriram que os rins humanos removem naturalmente mais de 50 por cento, em volume, da massa original do cálculo durante as etapas de dissolução. A equipe detalhou como a formação de cálculos renais humanos é controlada pela “mesma sequência fundamental de processos que controlam a deposição mineral em outros ambientes naturais e projetados na Terra ao longo do tempo geológico”, afirma Jessica Saw, estudante de medicina da Alix School of Medicine da Mayo Clinic e ex-estudante de doutorado no laboratório do Dr. Fouke. “Quando uma pedra ou rocha está crescendo, há a taxa de cristalização versus a frequência de camadas.”

Estes mesmos princípios básicos estão agora sendo usados pelo rover Perseverance da Nasa, em Marte, para procurar rochas compostas de vida microbial antiga e em camadas, em depósitos chamados de estromatólitos. Mas os cálculos renais humanos sofrem uma frequência muito maior de formação de camadas do que qualquer rocha em camadas ou depósitos minerais vistos anteriormente na natureza.

“Temos usado as mesmas ferramentas em cálculos renais que usamos para entender como os corais respondem ao rápido aumento nas temperaturas da superfície dos oceanos durante o aquecimento global”, disse o Dr. Fouke.  “A taxa de crescimento de cristais em muitos ambientes naturais é muitas vezes mais rápida do que vemos em cálculos renais. No entanto, a frequência de formação de camadas cristalinas e orgânicas exibidas nos cálculos renais é muito maior do que qualquer coisa vista em sistemas naturais.”

Em Mammoth Hot Springs, a taxa de deposição de cristais em rochas de travertino é de um milhão a um bilhão mais rápida do que a maioria das outras rochas de calcário que se formam na superfície do planeta. Isso explica por que mais de uma tonelada de travertino é depositada por dia neste local: as bactérias microbianas em fontes termais produzem proteínas e outras moléculas que permitem que as rochas cresçam extremamente rápido. Proteínas similares também são criadas nos rins pelo hospedeiro humano e pelos microrganismos residentes, também conhecidos como microbioma. A diferença é que o rim tenta se defender e diminuir ou inibir a formação de cálculos, enquanto a natureza permite o processo de formação de camadas que promove o crescimento rochoso.

“O que tem sido muito empolgante sobre nosso trabalho com a Mayo é descobrir que não há outro sistema natural no planeta como os rins e a formação de cálculos renais”, afirma Dr. Fouke. “Estamos falando do oceano mais profundo, da montanha mais alta, das calotas polares na Antártida e de cavernas subterrâneas profundas. “A pesquisa também mostrou que o microbioma fica enterrado e fossilizado dentro dos cálculos renais em crescimento. O Dr. Fouke diz: “Isso levanta uma série de outras questões a respeito de como o microbioma pode aumentar ou impedir o crescimento dos cálculos, dependendo do estado dos rins.”

Redação

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