O Dia Mundial das Doenças Raras, realizado no último dia de fevereiro de cada ano, é uma comemoração para fomentar a conscientização sobre as 400 milhões de pessoas afetadas por enfermidades raras em todo o mundo. Isso representa uma parcela de 3,5% a 5,9% da população mundial, que precisa de um olhar atento da sociedade para o acolhimento de suas necessidades.
A data é uma oportunidade, ainda, para lançar luz à uma questão essencial que pode mudar o percurso das enfermidades raras: o diagnóstico precoce. Estar atento aos sinais iniciais de doenças é o primeiro passo para o tratamento adequado, e é o caminho para que a população possa se beneficiar de tantos avanços da ciência hoje disponíveis.
Conforme destaca o médico geneticista Roberto Giugliani, professor Titular do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Membro Titular da Academia Brasileira de Ciências e da Sociedade Brasileira de Genética Médica, o diagnóstico precoce é vital para a medicina dar o suporte apropriado aos pacientes. “Isso porque em muitos casos as doenças têm sequelas irreversíveis. Se conseguimos identificá-las e tratá-las precocemente, temos mais chance de interromper o processo da enfermidade em um estágio que permite uma qualidade de vida melhor”, esclarece.
Os grandes avanços da medicina, com terapias disruptivas como as Terapias Gênicas, representam novas possibilidades para os pacientes ao mudar o curso natural de patologias, como exemplos, a Atrofia Muscular Espinhal (AME) – uma doença genética rara e devastadora que leva à fraqueza muscular progressiva e, em alguns casos, paralisia ou morte2, e a Distrofia Hereditária da Retina (DHR) – doença genética hereditária que afeta a retina e pode causar cegueira noturna e perda de sensibilidade à luz, podendo levar os pacientes à cegueira total3.
A presidente de Instituto Nacional de Atrofia Muscular Espinhal (INAME), Diovana Loriato, destaca ainda que o diagnóstico precoce, de maneira geral, é a esperança real de um prognóstico melhor, com a possibilidade do tratamento acontecer mais cedo. “No caso específico da AME, a inclusão da doença no teste do pezinho é o único caminho que temos hoje para poder pensar em um futuro sem Atrofia Muscular Espinhal”.
É essencial proporcionar o acesso a tratamentos inovadores para pacientes com enfermidades devastadoras e raras, incluindo distúrbios genéticos. “O Brasil tem dados passos na direção correta, que é a de estabelecer serviços de referência em doenças raras, que devem ser ampliados em número e fortalecidos em estrutura para dar o atendimento diagnóstico e terapêutico que os pacientes necessitam”, ressalta o doutor Giugliani.
Cada vez mais há necessidade de se evoluir para a medicina personalizada, especialmente quando se fala em doenças raras, e as terapias gênicas, por exemplo, representam um grande salto neste sentido, em virtude do potencial de tratar a causa raiz de enfermidades, mudando, assim, o seu curso natural.
Segundo o doutor Giugliani, “os desafios trazidos pelas doenças raras, que afetam 13 milhões de brasileiros4, somente serão vencidos se houver a participação efetiva e combinada dos diferentes segmentos envolvidos, isto é, pacientes através das suas associações, os diferentes tipos de profissionais necessários para o diagnóstico e tratamento, a indústria farmacêutica que desenvolve terapias inovadoras e as autoridades de saúde, a quem cabe gerir o sistema e prover o acesso”, observa.
“O importante é despertar a conscientização nas pessoas, na sociedade em geral, nos influenciadores, atletas, artistas também”, complementa Diovana. E o Dia Mundial das Doenças Raras propicia essa reflexão e prática, de um olhar em todos os desafios que os raros enfrentam, e no que a sociedade pode fazer para contribuir com a inclusão. É um dever cívico de todos.
“Doenças raras representam importante causa de mortalidade em crianças de até 5 anos”, alerta SBP
Doenças raras existem e não podem ser esquecidas. O alerta é do presidente do Departamento Científico de Genética da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), dr. Salmo Raskin. Segundo ele, as anomalias congênitas, muitas delas consideradas Doenças Raras, passaram, da quinta posição de causa de morte até 5 anos de idade em 1990, para a segunda posição a partir de 2015. Em algumas regiões, como Sul, Sudeste e Centro Oeste, as anomalias congênitas, já em 2015, passaram a ser a primeira causa de mortalidade infantil até 5 anos de idade, porém no Brasil como um todo, a prematuridade ainda é a principal causa de mortalidade infantil até 5 anos de idade.
Em entrevista especial ao SBP Notícias, o especialista fala sobre as diferenças entre doenças raras e doenças genéticas, sobre como deve ser a relação médico-paciente e suas famílias, aborda as causas no atraso no diagnóstico e a importância de se fazer o diagnóstico precoce. No bate-papo, dr. Salmo Raskin fala ainda sobre os preparativos da SBP para a realização do “Simpósio de Doenças Raras – Elas existem e não podem ser esquecidas”, que será realizado no próximo dia 27 de fevereiro pela SBP em parceria com a Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica (SBGM).
O evento online, que acontece às vésperas do Dia Mundial das Doenças Raras, será voltado para médicos e outros profissionais de saúde. “O objetivo principal do Simpósio é mostrar ao pediatra que ninguém escolhe ter uma doença rara, e que muitas pessoas com essas doenças já podem ter passado em suas mãos sem que ele percebesse”, acentua. Os interessados podem se inscrever neste link: www.sbp.com.br/especiais/simposio-doencas-raras.
LEIA, A SEGUIR, A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA:
SBP Notícias – Qual o objetivo do Simpósio de Doenças Raras?
Dr. Salmo Raskin (SR) – Nosso principal objetivo com o Simpósio é mostrar ao pediatra que ninguém escolhe ter uma doença rara e que muitas pessoas com essas doenças já podem ter passado em suas mãos sem que ele percebesse. Doenças raras existem e não podem ser esquecidas. Estar alerta é o melhor caminho para evitar as odisseias diagnósticas e suas consequências nefastas.
SBP Notícias – Por que se percebeu a necessidade de realizar um evento sobre doenças raras?
SR – Um pediatra não escolhe que tipo de paciente vai bater à sua porta, um com a doença mais frequente ou com a doença mais rara. Mas espera-se do pediatra que, independentemente da frequência, reconheça os sinais e sintomas, faça o diagnóstico correto e inicie o tratamento. O pediatra é muito bem treinado para cumprir todas estas etapas quando se trata de uma doença conhecida. Mas não é a mesma realidade para uma doença rara. A consequência é que muitos destes pacientes ficam em uma verdadeira “odisseia” diagnóstica, perambulando de médico em médico, enquanto a doença progride. Este ciclo vicioso precisa ser quebrado, e o pediatra é peça fundamental neste processo, visto que a doença rara se manifesta, na maioria das vezes, na faixa pediátrica.
SBP Notícias – Qual a importância da participação dos pediatras neste evento?
SR – O pediatra terá uma ótima oportunidade de se atualizar nos principais temas que impactam os pacientes com doenças raras, em poucas horas será exposto a situações de sua rotina e, após o Simpósio, terá melhor capacidade de suspeitar e até de diagnosticar doenças raras.
SBP Notícias – Somente os pediatras são o público-alvo ou outros profissionais da saúde podem participar do evento? Haverá algum tema que é de interesse de profissionais de outras especialidades?
RS – Qualquer profissional de saúde pode e deve participar, visto que as doenças raras são sistêmicas e necessitam de atendimento multiprofissional, envolvendo todas as profissões da área de Saúde.
SBP Notícias – Poderia destacar os temas relevantes que serão debatidos?
SR – Na primeira parte da manhã falaremos sobre o que são doenças raras, quando o pediatra deve suspeitar de uma doença rara, quais são os exames laboratoriais para confirmar o diagnóstico de doenças raras e o impacto de agentes teratogênicos na gestação, com consequências para a criança. Em seguida, haverá uma seção de cinco casos clínicos, mostrando situações clínicas que são do dia a dia do pediatra, mas que por treinamento, ele pensará primeiro na hipótese diagnóstica de uma doença frequente. Queremos mostrar que doenças raras existem e o pediatra tem que inclui-las nos seus diagnósticos diferenciais. Que doença rara pode levar uma criança a apresentar hipotonia? A ficar agudamente enferma? A ter dismorfismos? A ter baixa estatura? A ter imunodeficiência? Em uma manhã, o pediatra poderá ter todo este aprendizado com especialistas nestes temas.
SBP Notícias – Qual a diferença entre doenças raras e doenças genéticas? Os sinais são comuns?
SR – Nem todas as doenças raras têm origem genética. Algumas são infecciosas, inflamatórias, autoimunes. Mas cerca de 75% são genéticas. Destas, nem todas são hereditárias.
SBP Notícias – Quando os pediatras devem suspeitar e como devem proceder ao identificar um paciente com uma doença rara?
SR – Teremos uma aula especificamente sobre isto. Existem algumas dicas simples para o pediatra suspeitar que aquele determinado paciente tem uma doença rara. Sinais e sintomas diferentes do habitual, falta de resposta ao tratamento habitual, presença de consanguinidade na família são alguns pontos que devem acender a luz amarela para pensar em uma doença rara. A dra. Ana Maria Martins, médica geneticista com vasta experiência no acompanhamento de pacientes com doenças raras, vai abordar este tópico.
SBP Notícias – E a relação entre o pediatra e a família de um paciente diagnosticado com doença rara, como deve ser conduzida?
SR – Este é um tópico da maior importância, pois por serem hereditárias em muitos casos, sempre serem crônicas e muitas vezes graves, afetam não só o paciente, mas todo o núcleo familiar. A importância do Aconselhamento Genético familiar permeará todas as palestras. É preciso ter um componente de sensibilidade maior no atendimento das famílias com doenças raras, pois tudo atua para fragilizar estas famílias. O momento do diagnóstico de uma doença rara, por exemplo, não é simples. Implica em informar que o paciente vai ter aquela doença pelo resto de sua vida. Então é preciso que o pediatra haja com empatia e acolhimento.
SBP Notícias – As doenças raras são um problema de saúde pública? Por quê?
SR – Sim, pois dados de 2015 demonstram que as anomalias congênitas, que são apenas uma parte das doenças raras, representam, no Brasil como um todo, a segunda maior causa de mortalidade infantil até os 5 anos de idade . A tendencia é que em breve as anomalias congênitas ultrapassem a Prematuridade como principal causa de mortalidade infantil até 5 anos de idade.
SBP Notícias – Quais as principais causas de atraso no diagnóstico das doenças raras?
SR – Inicia pelo fraco treinamento que o médico tem na graduação a respeito de doenças raras. Claro que a prioridade do treinamento médico deve ser as doenças mais frequentes, mas será que seis anos de curso de Medicina não é tempo suficiente para incluir uma única disciplina sobre doenças raras no currículo? Por serem raras há pouco desenvolvimento tecnológico sobre elas, o que impacta na dificuldade de diagnóstico e de acesso ou até mesmo existência de tratamentos. Os gestores de saúde também têm sua parcela de culpa, pois não dão às doenças raras o status que elas merecem, de grave problema de saúde pública. Um ciclo vicioso negativo, com graves consequências não só para o paciente e seus familiares, mas para todo o sistema de saúde do País.
SBP Notícias – Qual a importância de o médico fazer o diagnóstico preciso de uma doença rara?
SR – É onde tudo começa, mal ou bem. Se o médico não fizer o diagnóstico ou fizer de forma errada, todo o conhecimento que a Medicina já acumulou sobre aquela doença não será aplicada ao paciente. Os problemas de saúde do paciente com doenças raras não vão desaparecer sozinhos e só vão piorar. As chances de ele ter uma qualidade de vida boa ou até de sobreviver são totalmente dependentes de um diagnóstico preciso e precoce. Além disto, o diagnóstico rápido permite o Aconselhamento Genético familiar antes que outros pacientes com a mesma doença venham a nascer naquela família. O diagnóstico correto e preciso dá a chance de vida próxima do normal. E está nas mãos do pediatra.