Na quinta-feira (14), a Suprema Corte do Peru reconheceu o direito à eutanásia de uma mulher que sofre de uma doença incurável e degenerativa. A notícia trouxe de volta à pauta um assunto que é considerado por muitos um tabu: o ato intencional de proporcionar a alguém uma morte indolor para aliviar o sofrimento causado por uma doença incurável ou dolorosa. Mas qual a legislação sobre o assunto no Brasil?
“Não hão há regulamentação brasileira sobre eutanásia”, esclarece a advogada e especialista em Direito Médico Daniela Ito, sócia do Fonseca Moreti Ito Stefano Advogados. “A prática é criminalizada, uma vez que é entendida como homicídio. Não há brechas. O Código Penal Brasileiro apenas concede uma redução na pena no crime de homicídio se comprovada a motivação de ‘relevante valor moral’ na prática da eutanásia – ou seja, se comprovada a motivação de compaixão, a tentativa de poupar alguém de sofrimento atroz, por exemplo.”
Também especialista em Direito Médico, a advogada Mérces da Silva Nunes reitera o entendimento. “A eutanásia é uma conduta omissiva ou comissiva de um terceiro que, por compaixão, interrompe a vida de um paciente acometido de grave doença, física ou psíquica, mas que ainda não entrou em processo de morte”, diz, acrescentando que a prática é considerada “homicídio privilegiado, tipificado no artigo 121, §1º, do Código Penal”. Mais uma vez: “A legislação brasileira não contempla exceção para a prática da eutanásia: apenas autoriza o juiz a diminuir a penalidade que será aplicada ao agente”.
A especialista Daniela Ito explica, porém, que há outros termos semelhantes – além de eutanásia – que também se referem ao processo de morte de um paciente: ortotanásia e distanásia.
“A ortotanásia é conduta médica plenamente lícita em que se opta por tratamentos e intervenções não invasivos, evitando o incremento de sofrimento físico e/ou psicológico do paciente, proporcionando assim uma terminalidade de vida menos dolorosa, mais tranquila e digna”, explica Daniela, acrescentando que “é imprescindível o consentimento do paciente ou de seu representante legal: tudo deve constar registrado no prontuário do paciente”. “A partir do momento que se define pela ortotanásia, ativa-se a área dos cuidados paliativos, que é a especialidade que passa a cuidar do paciente multidisciplinarmente, garantindo-lhe o bem-estar de forma universal, incluindo até mesmo aspectos religiosos, se for conveniente.”
Mérces Nunes reitera que a ortotanásia é “a morte natural do paciente, sem antecipação ou prolongamentos desnecessários”. Segundo a especialista, a prática é autorizada pelo artigo 41, parágrafo único, do Código de Ética Médica e pela Resolução no 1.805, do Conselho Federal de Medicina.
Já a distanásia, por sua vez, nas palavras de Daniela Ito, é quase uma “obstinação médica”. “Prevalece o objetivo de combater uma doença e suas consequências, em detrimento das questões subjetivas que envolvem o paciente, como o nível de sofrimento físico, psicológico e espiritual, o custo-benefício subjetivo do tratamento e as expectativas do paciente, por exemplo.” Mérces Nunes observa ainda que a distanásia “é considerada uma má prática médica, porque prolonga a dor e o sofrimento, sem melhorar a qualidade de vida do paciente”.
Se um brasileiro precisar dos serviços paliativos da ortotanásia, porém – ou se considerar a eutanásia – a quem deverá recorrer?
Segundo a também advogada e especialista em Direito Médico Nycolle Araujo Soares – sócia do Lara Martins Advogados -, os cuidados paliativos são praticados no Brasil e estão “avançando e se tornado uma prática aceita”. Nycolle explica que os países que permitem a eutanásia são o Canadá; os Estados Unidos, “nos estados de Oregon, Washington, Montana, Vermont e Califórnia”; e a Colômbia.
Mérces Nunes dá maiores detalhes. “A eutanásia é admitida também na Holanda, na Bélgica, em Portugal – mas apenas em casos considerados desesperadores -, na Suíça e na Suécia. A França permite a aplicação de medicamentos que levam à sedação profunda até à morte.”
Ainda na seara da morte assistida, surgem dois outros conceitos: o suicídio assistido — permitido na Itália e proibido no Brasil, em que o próprio paciente, de posse das suas capacidades mentais, administra em si o medicamento, sob supervisão de um médico; e o testamento vital.
Mérces Nunes esclarece. “Testamento vital, também chamado de Diretivas Antecipadas de Vontade do Paciente, é um documento por meio do qual qualquer pessoa, lúcida, maior de 18 anos ou emancipada, poderá registrar, prévia e expressamente, a sua vontade em relação aos cuidados e tratamentos que deseja ou não receber, na hipótese de sofrer ou vir a sofrer de doença grave e estiver incapacitada de expressar a sua vontade, de forma livre, consciente e com autonomia.” Em outras palavras: “O testamento vital é a exteriorização da vontade do paciente de ter uma morte natural e digna: ortotanásia; sem prolongamentos desnecessários: distanásia; e sem abreviação da vida, de modo direto e/ou assistido, por terceira pessoa: eutanásia.”
Segundo Daniela Ito, no entanto, deve ficar muito claro que o “testamento vital não tem validade ou aplicação no Brasil”.