Fisioterapia em Cuidados Paliativos: a busca incessante pela independência e bem-estar do paciente

Durante o trabalho das equipes multidisciplinares em Cuidados Paliativos, uma atuação – que sempre é pensada de forma individual e respeitando as necessidades de cada paciente em função da situação de seu quadro clínico – é a fisioterapia. Esses profissionais são responsáveis por buscar a cada nova sessão as melhores atividades em prol da retomada e/ou manutenção da independência de pacientes debilitados, tanto em função da doença, quanto do tratamento.

Membro do Comitê de Fisioterapia da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), o Prof. Dr. Juliano Ferreira Arcuri, fisioterapeuta, docente no Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (CEUSNP) cita um princípio da Organização Mundial da Saúde (OMS) que se combina perfeitamente com o trabalho dos fisioterapeutas. “Viver tão ativamente quanto possível, até o momento da sua morte”.

Arcuri lembra que o trabalho dos fisioterapeutas em Cuidados Paliativos é focado em proporcionar ao paciente mais conforto e independência em suas atividades rotineiras, e comenta sobre um caso em que participou do atendimento que deixa isso bastante evidente. “A perda da independência, em especial referente ao autocuidado, as atividades de vida diária e a mobilidade (como caminhar e transferir-se da cama para uma cadeira), são coisas que trazem muito sofrimento e perda de dignidade. Nós, fisioterapeutas, podemos nesse sentido fazer exercícios específicos, adaptações, prescrever órteses e dispositivos de auxílio à mobilidade, permitindo que pacientes mantenham essa independência com segurança. Lembro de uma paciente que estava nos dias finais de vida e com muito sofrimento associado a uma obstrução intestinal maligna. Apesar de saber que ela não teria os benefícios comuns de uma caminhada, percebemos que ela poderia ter outros benefícios com o caminhar. Levamos ela na praça do hospital onde ela foi orientada a como caminhar com segurança. Ela e o marido puderam, então, andar juntos e ter momentos que ele relatou que foram muito importantes para eles. Quando a atividade física traz momentos significativos à vida e promove dignidade, nós podemos e devemos estar junto aos pacientes que recebem Cuidados Paliativos”, relata Arcuri.

O acesso aos Cuidados Paliativos a pacientes e profissionais de saúde

No Brasil, os Cuidados Paliativos passam por uma fase de conscientização da sociedade em geral sobre seus conceitos, benefícios e atuação, incluindo os profissionais de saúde que ainda não conhecem bem a prática. Isso facilita e amplia a oferta de mais dignidade e qualidade de vida a pacientes que convivem com doenças graves e/ou incuráveis enquanto compreendem melhor seu prognóstico.

Juliano Arcuri explica que mais profissionais de fisioterapia devem ter acesso, por mais básico que seja, aos conceitos e benefícios da prática, que já foi reconhecida, inclusive, como uma área de atuação. “Penso que todos os fisioterapeutas precisam ter um conhecimento básico para aplicar pequenas ações em Cuidados Paliativos. E essa minha visão hoje tem suporte da nossa categoria profissional o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) que publicou uma resolução que descreve os Cuidados Paliativos como área de atuação, com incentivo para que seja um conteúdo abordado na graduação e na pós-graduação”, diz o fisioterapeuta.

Essa visão é compartilhada por Nahãmi Cruz de Lucena, fisioterapeuta, diretora de comunicação da ANCP gestão 2021-2022, membro do Comitê de Fisioterapia da ANCP e Supervisora dos Programas de Residências Multiprofissionais em Saúde do Idoso e Cuidados Paliativos do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP). “Com toda certeza acho que mais fisioterapeutas precisam conhecer o que são os Cuidados Paliativos e seu papel dentro de uma equipe interdisciplinar. O que acho que mais dificulta esse acesso é a falta de conhecimento mesmo no nível básico, mas infelizmente ainda temos poucos profissionais capacitados para disseminar informação e formação de qualidade em diversas regiões do Brasil, principalmente no que se refere à graduação. Outro fator que muitas vezes dificulta é o encaminhamento desses pacientes para o atendimento”, explica a especialista.

Arcuri complementa. “Penso que, mesmo que inconscientemente, algumas pessoas consideram Cuidados Paliativos como algo bonito, uma ‘perfumaria’. É preciso que todos percebam cuidados paliativos como um direito dos pacientes e uma responsabilidade de todos os profissionais. Não ter uma equipe de cuidados paliativos não pode mais ser visto como uma desculpa para termos pacientes em sofrimento”.

Aproximando-se dos Cuidados Paliativos

Tanto Juliano Arcuri, quanto Nahãmi de Lucena, tiveram os primeiros contatos com os Cuidados Paliativos em momentos diferentes de suas carreiras. O docente relembra que atuar com pessoas experientes e em diferentes cenários contribuiu muito para uma acepção ampliada do que é, e como a fisioterapia poderia ser empregada nesse aspecto de tratamento. “Tive o privilégio de ter aprendido sobre Cuidados Paliativos durante minha graduação, em uma liga de dor e Cuidados Paliativos, gerenciados pelo Prof. Carlos e a Profª. Thereza, na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mas essa era uma atividade extracurricular, e eu ainda não podia perceber o impacto que isso teria no meu futuro profissional. O mundo ainda via Cuidados Paliativos como algo voltado mais ao câncer, e a própria fisioterapia em oncologia estava ainda em ascensão. Percebia a importância do fisioterapeuta no controle não-farmacológico da dor, mas ainda não via toda a amplitude que poderíamos atuar”, comenta Arcuri.

Juliano salienta que teve ainda mais proximidade com os Cuidados Paliativos em outro local, quando o contato com equipes multiprofissionais lhe deu mais consciência sobre o real impacto que a fisioterapia tem dentro do atendimento. “Meu contato com Cuidados Paliativos de forma mais ampla foi no Hospital Estadual Américo Brasiliense (HEAB), onde fui trabalhar entre meu mestrado e doutorado. Lá eu consegui trabalhar com pessoas de outras profissões que me deram a oportunidade de colocar em prática uma fisioterapia que, até então, não tinha tido oportunidade. Isso me deu base e fundamentação ajudou a perceber aquilo que fazia sentido e aquilo que não fazia. Pude, então, aprender com as evidências científicas existentes, com a minha experiência e formação prévia, mas em especial com uma equipe interprofissional que me deu todo o suporte pra que eu construísse aquilo que eu entendia por fisioterapia em Cuidados Paliativos”, detalha o docente.

Para Nahãmi de Lucena, o caminho se iniciou um pouco mais tarde, em função da falta de informações sobre o Cuidado Paliativo durante seu período de estudos na universidade. Mesmo assim, ela diz que sua visão com foco no paciente a ajudou a compreender melhor sobre a prática e seus benefícios ao paciente. “Quando iniciei minha graduação em 1999 não se falava absolutamente nada sobre Cuidados Paliativos. Terminei a graduação em 2004 e continuei sem ouvir falar sobre a temática. Porém, sempre tive uma formação bastante humanística e centrada no paciente. Isso, com toda certeza, me fez ser uma profissional com pensamento diferente para atender às demandas do paciente de forma mais proporcional e individualizada. Meu primeiro contato foi em 2011, quando o hospital em que iniciei tinha acabado de inaugurar o primeiro serviço de Cuidados Paliativos de Pernambuco. Em 2013 comecei efetivamente a trabalhar com essa abordagem”, lembra Nahãmi.

Desafios no caminho

A fisioterapia vem conquistando vitórias ao longo do tempo, como o já citado reconhecimento como área de atuação em Cuidados Paliativos. Porém, assim como ainda acontece em outras atividades profissionais, as dificuldades se mostram verdadeiras barreiras a serem ultrapassadas.

Para Juliano Arcuri, diversos aspectos impactam no trabalho dos fisioterapeutas em Cuidados Paliativos, mas há possibilidade de se contornar essas dificuldades. “Acredito que um grande desafio seja que tenhamos um sistema de saúde que reconheça plenamente as ações de Cuidados Paliativos. Isso porque não é possível fazer Cuidados Paliativos sozinho, precisamos de uma rede”. O docente lembra que até mesmo algumas expectativas criadas por parte de familiares e cuidadores dos pacientes podem tornar o trabalho do fisioterapeuta mais complicado. “A visão dos familiares sobre expectativas irreais acontece, sim, e bastante, prejudicando o trabalho. Mas, ao mesmo tempo, essa expectativa pode ser alinhada por bons processos de comunicação, desde que não tenhamos outros profissionais alimentando falsas esperanças. Penso que a qualidade de oferta de Cuidados Paliativos pelos fisioterapeutas ou por qualquer outro profissional é dependente de termos todos os profissionais e a gestão sabendo do que se trata Cuidados Paliativos”, ressalta Arcuri.

O aspecto da comunicação também é apresentado por Nahãmi de Lucena como um dos pontos que criam dificuldades no processo de compreensão dos Cuidados Paliativos – inclusive, por parte de profissionais de saúde. “Infelizmente, muitos profissionais – por falta de conhecimento do que são os Cuidados Paliativos e a dificuldade de saber controlar sintomas difíceis – juntamente com um défice de comunicação adequada, criam um grande gargalo sobre essa abordagem de cuidar. Outra grande dificuldade é o encaminhamento tardio dos pacientes, o que gera um difícil estereótipo a ser quebrado: que Cuidados Paliativos não cuida somente no momento da terminalidade da vida, mas sim desde o um diagnostico que ameace a vida”.

A fisioterapia deve ser celebrada

Quando o trabalho do fisioterapeuta surte efeito positivo em um paciente que passa por Cuidados Paliativos, oferecendo-lhe maior independência e qualidade de vida durante o tratamento da doença, pode-se considerar que o sucesso foi alcançado. Juliano Arcuri diz que esse é um momento nobre para o profissional. “A reabilitação de aspectos da funcionalidade dos pacientes recebendo Cuidados Paliativos é algo a ser celebrado sempre. Gera, não somente a autonomia e independência, mas também oportunidades de fazer a vida ter sentido. Penso que, nos próximos anos, ou você compreende Cuidados Paliativos, ou não vai mais estar adequado para praticar fisioterapia”, conclui o docente.

Redação

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