Foco em equidade, ESG e convergência de modelos de prestação de serviços: questões urgentes para 2022

Um dos setores mais afetados pela pandemia de Covid-19 no mundo foi o de saúde. Profissionais da linha de frente de combate à doença, hospitais, operadoras de saúde e empresas atuantes no segmento, de modo geral, foram impactados de alguma forma pela nova realidade. Prestes a completar dois anos de existência, a pandemia segue impondo desafios ao setor global de saúde. Diante dessas transformações no sistema, a Deloitte, maior organização de serviços profissionais do mundo, destaca, no relatório Global Health Outlook 2022, seis questões setoriais urgentes e como os líderes da área podem lidar com elas: equidade na saúde; ESG (sigla em inglês para governança ambiental, social e corporativa), saúde mental e bem-estar, futuro da medicina, saúde pública reinventada, e convergência do modelo de prestação de serviços de saúde.

“O setor de saúde está praticamente há dois anos enfrentando diariamente os novos desafios apresentados pela pandemia, que continua a ser foco de atenção e preocupação dos sistemas de saúde, aqui no Brasil e no mundo todo. Os líderes do segmento têm se deparado com questões que envolvem a experiência humana de sua força de trabalho, novos modelos de atuação, de atendimento e de serviços em saúde, como o aumento da telemedicina por conta da pandemia, além, é claro, de toda a estrutura envolvendo vacinas e tratamentos necessários. As organizações do setor têm cada vez mais desafios pela frente e precisam se adaptar a diversas questões, como diminuir a desigualdade na saúde, se enquadrar nas métricas de ESG e novos modelos de prestação de serviços de saúde”, destaca Luís Joaquim, sócio-líder de Life Sciences & Health Care da Deloitte.

Equidade na saúde. O relatório global da Deloitte destaca que essa é uma das principais preocupações entre os executivos da área, e as organizações percebem que devem preencher as lacunas nessas disparidades como empregadores, membros da comunidade e defensores da mudança. O estudo aponta que as empresas do segmento podem trabalhar em direção a mudanças sistêmicas por meio de uma estratégia que coloca a equidade em saúde no centro e se expande em quatro domínios: a organização, suas ofertas, sua comunidade e seus ecossistema. Os players do setor podem tomar ações específicas em todos esses domínios para promover significativamente a equidade em saúde. Embora as desigualdades variem entre um país e outro, muitas delas são compartilhadas mundo afora. 

O Brasil, por exemplo, tem sido historicamente um país com altos níveis de desigualdade social, estando entre as nações com a maior disparidade de renda, segundo as agências das Nações Unidas. Enquanto o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece cobertura para toda a população, 23% têm acesso à saúde privada, onde se concentram mais de 50% dos gastos assistenciais, de acordo o Portal da Transparência. Com base nos dados do projeto “Impacto MR”, entre os brasileiros que apresentaram sintomas de Sars-CoV-2 e fizeram o teste, 9,9% tinham renda entre meio e um salário-mínimo; 14,9%, entre um e dois salários-mínimos, e 29,3% ganhavam quatro ou mais salários-mínimos. Os menos privilegiados têm maior taxa de mortalidade, segundo o PROADIS-SUS. Há uma série de dados que mostram essa desigualdade no Brasil e a importância de que os stakeholders do setor se atentem a elas.

ESG. As métricas ESG estão dominando a pauta de todas as indústrias, inclusive a da saúde. E o assunto requer atenção em 2022, pois de acordo com o estudo da Deloitte os sistemas de saúde do mundo, juntos, respondem por 4% das emissões globais de dióxido de carbono, mais do que as indústrias de aviação ou o transporte marítimo, por exemplo. A mitigação e adaptação às mudanças climáticas apresentam uma oportunidade global para refazer as bases dos cuidados de saúde e introduzir novos modelos operacionais para resiliência e sustentabilidade. A resposta de uma organização às mudanças climáticas deve ser integrada em um processo de planejamento e tomada de decisão transparente e abrangente. Os líderes do setor devem deixar de lado as estruturas e preconceitos existentes sobre como deveria ser o setor de saúde e avaliar, em vez disso, seu papel em um segmento que provavelmente será reconfigurado à medida que avança para uma baixa emissão de carbono.

No Brasil, o mercado de saúde está historicamente ligado às preocupações ESG, embora a abordagem holística do tema seja uma preocupação relativamente nova. Os players têm se preocupado mais com seu impacto social geral após a abertura de capital e ao considerar investimentos estrangeiros. Filantropias que incluem o impacto social como parte de sua missão normalmente o fazem por meio de sua oferta de cuidados, e abranger todo o aspecto de ESG deve acontecer à medida que a população geral se torna mais engajada em suas causas. Em relação a questões ambientais, por exemplo, de acordo com o Brazilian Journal of Health Review, a pandemia do novo Coronavírus trouxe desafios que foram além da assistência à saúde. Devido à mudança de comportamento de consumo nos ambientes hospitalar e doméstico, houve um aumento acentuado nos custos de distribuição de produtos de higiene e equipamentos de proteção individual, dificultando a acessibilidade a regiões remotas e empresas ou pessoas com capacidade financeira limitada. No Brasil existem mais de 490 mil estabelecimentos de saúde, sendo 170 membros ativos da Rede Global de Hospitais Verdes e Saudáveis ​​no Brasil.

Saúde mental e bem-estar. Para envidar esforços para a melhoria da saúde mental e o bem-estar nas organizações e na sociedade em geral, o relatório destaca que são necessários, entre outros aspectos, uma maior conscientização pública, e um envolvimento, cada vez maior, dos empregadores. À medida que o home office foi adotado e diversas restrições de circulação entraram em vigor, os sintomas de ansiedade e depressão tornaram-se mais frequentes e aumentaram a conscientização sobre a visibilidade do tratamento. As consultas remotas também simplificaram o processo de tratamento, assim, embora a percepção geral seja de declínio da saúde mental, a compreensão dos problemas cresceu e há uma perspectiva positiva de possibilitar melhores cuidados mentais no futuro. A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), por exemplo, informou que 59% de seus associados perceberam um aumento de até 25% nas consultas.

Futuro da medicina. As inovações da ciência médica moldam e remodelam continuamente o setor de saúde, mudando o foco para a prevenção e o bem-estar, transferindo os cuidados para fora das instalações de saúde e colocando os consumidores no centro de seus próprios cuidados. Ainda hoje, os produtos de medicina digital estão começando a transformar os modelos de pesquisa e assistência em saúde, e a pandemia de Covid-19 acelerou o processo. Algumas das práticas que podem ajudar os líderes de saúde aqui no Brasil a equilibrar os enormes benefícios da inovação em tecnologia médica com a praticidade de controlar os gastos com saúde são: intensificação do cuidado centrado na pessoa; ampliação do cuidado para além da doença, aumentando a ação na prevenção e bem-estar; maior foco em saúde comportamental e determinantes sociais da saúde; evolução dos processos de qualidade e segurança; e maior transparência de dados entre as partes, com maior quantificação de resultados.

A segurança cibernética também deve ser foco de atenção com ofertas de telemedicina e registros médicos eletrônicos, que podem alavancar o blockchain como uma oferta importante em relação à segurança avançada e facilitadora de atendimento remoto. Outra prioridade é a Autorização Emergencial de Telemedicina – a telemedicina foi autorizada temporariamente no Brasil desde abril de 2020 por meio da Lei 13.989/20, mas apenas durante a pandemia de Covid-19. No entanto, a regulamentação permanente ainda está em discussão, e a primeira consulta está sendo discutida presencialmente, pré-requisito da inscrição do médico nos Conselhos Regionais de Medicina de todos os Estados para os quais prestam serviços remotos, e o uso da telemedicina nas especialidades médicas.

Saúde pública reinventada. A saúde pública como direito dado à população tem grandes desafios em relação aos seus princípios – equidade, integralidade e universalidade. Esforços contínuos em relação às tecnologias remotas devem apoiar o sistema no alcance de regiões remotas, e espera-se que a integralidade das ofertas seja aprimorada devido a um impulso geral para parcerias público-privadas. Alguns passos, de acordo com o Global Health Outlook 2022, podem ajudar as organizações a avançar em direção a um futuro mais sustentável: estabelecer novos modelos de colaboração e fortalecer os existentes, articular uma proposta de valor compartilhado, alinhar financiamento e incentivos com prevenção, promoção da saúde e bem-estar, compartilhar dados entre setores em tempo real e focar na saúde pública do futuro em torno da equidade. No Brasil, já existem parcerias público-privadas, como o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde, que são seis hospitais privados unidos com o objetivo de fortalecer e desenvolver a relação com a saúde pública e atender às necessidades do SUS. A saúde pública também ganhou reputação devido aos esforços de vacinação e aos desafios gerais que foram destacados em relação às condições de admissão de pacientes no auge da pandemia.

Convergência dos modelos de prestação de serviços de saúde. Os serviços de saúde estão sob crescente pressão durante a pandemia, à medida que os sistemas de saúde em todo o mundo lutam com o aumento vertiginoso do número de pacientes, esgotamento de funcionários e escassez de força de trabalho, interrupções na cadeia de suprimentos e escassez de equipamentos e instalações insuficientes e/ou desatualizadas. Uma das soluções está na transformação digital e na convergência do modelo de prestação de serviços de saúde – uma tendência que se acelerou durante a pandemia. As medidas de distanciamento social já forçaram muitos fornecedores a empregarem tecnologia de atendimento virtual para consultas ambulatoriais agendadas. Hospitais e sistemas de saúde estão se voltando para computação em nuvem, telecomunicações 5G, inteligência artificial (IA) e dados e análises interoperáveis ​​para enfrentar os desafios atuais e construir modelos de prestação de cuidados com tecnologia digital para o futuro do setor.

No Brasil, as empresas de diagnóstico médico estão testando inovação e algoritmos de diagnóstico para ter um papel maior no atendimento. Esse movimento está intimamente ligado aos centros de tratamento de referência tanto no mercado privado quanto no público. Houve, ainda, diversas aquisições não só de hospitais, mas também de prestadores de serviços em saúde. Tal competitividade levou ao baixo preço, levando os players à necessidade de contenção de custos e fortalecimento dos controles. A atenção básica vem ganhando espaço e modelos como cartões de saúde e clínicas populares têm sido alternativas para o paciente. Os prestadores de serviços de saúde reforçaram seus controles e investiram em tecnologia, pois o abuso, a fraude e o desperdício permanecem em evidência.

Luís Joaquim destaca, além das seis questões setoriais urgentes apontadas no relatório global, outros temas que são de extrema relevância no mercado nacional:

Healthtechs. Espera-se que alianças interessantes surjam entre as empresas de cuidados de saúde e as gigantes da tecnologia, com cada uma trazendo seus pontos fortes diferentes. Empresas de tecnologia tipicamente fornecem conhecimento digital, dados, insights de análise, experiência do cliente e grandes orçamentos de investimento. Já as entidades de saúde trazem conhecimentos clínico e de mercado e a confiança do consumidor.

Consolidação do mercado. As organizações que procuram inovar buscarão consolidação para ganhar mais capacidades, recursos e relacionamentos. As operações de M&A (fusões e aquisições) provavelmente serão necessárias para as empresas competirem neste mundo em constante transformação, com a entrada de disruptores e o impulso mais amplo para que o atendimento seja prestado de uma maneira mais otimizada, equitativa, preventiva e focada no bem-estar. O mercado brasileiro registrou, ao final de 2021, 273 transações para os setores healthcare, farmacêutico, higiene, estética e cosméticos, 28,2% a mais do que o que foi observado em 2020, de acordo com dados da TTR (Transactional Track Record). O valor médio das transações divulgadas em 2021 foi de R$ 566,24 Milhões. Alguns dos pontos relacionados à intensa movimentação do setor observadas nos últimos anos são: a necessidade de empresas tradicionais e healthtechs se adaptarem e se reinventarem; mercado da saúde com grandes recursos financeiros ou buscando em Bolsa; mudança de modelo de negócios; grandes grupos de saúde verticalizando e criando novas linhas de receita; e maior controle dos cursos.

“Mesmo sob a hipótese de um cenário externo e interno de estagnação, a demanda por produtos de saúde no Brasil tende a continuar crescendo acima da média da economia. Os planos privados de saúde são o 3º produto mais desejado pela população brasileira, apenas atrás de moradia e educação”, explica Joaquim, sobre os motivos pelos quais há uma intensa movimentação do mercado. Ainda sobre as razões, o sócio da Deloitte destaca:

  • Promulgação da lei 13.097, autorizando os investimentos estrangeiros – inclusive o controle – na área de saúde no Brasil em diversos setores, como hospitais, clínicas;
  • Consolidação/Ganhos de Escala: A união entre companhias resulta em ganhos de market share, aumento do poder de barganha com clientes e fornecedores, diluição de custos fixos e proteção contra competidores atuais e potenciais;
  • Captura de sinergias: Processos de fusões e aquisições possibilitam a eliminação de custos administrativos redundantes, otimização dos investimentos e melhor gestão financeira e operacional;
  • Questões familiares/sucessórias: Resolução de disputadas familiares, inexistência ou desinteresse de sucessores e/ou profissionalização da administração;
  • Investidores financeiros como fundos de private equity possuem um prazo para retornar o capital para seus cotistas e buscam a realização dos lucros obtidos através de uma saída via fusões e aquisições e/ou mercado de capitais.

Saúde baseada em valor. As organizações devem estar dispostas a investir em modelos financeiros emergentes, como saúde baseada em valor, serviços de saúde e pagamentos capitalizados que coloquem as necessidades do paciente no centro. O foco está mudando de cuidado com a saúde para cuidado com a saúde e com o bem-estar. Mais recursos estão sendo alocados do fim da cadeia da saúde (tratamento e pós-atendimento) para o início. Haverá um maior foco na promoção de estilos de vida saudáveis, vitalidade e bem-estar, sobre prevenção primária e secundária e no diagnóstico precoce. Os modelos de pagamento baseados em valor são projetados para reduzir os gastos e melhorar os resultados. Em comparação com o FFS (fee-for-Service), esses modelos colocam maior responsabilidade pelos resultados clínicos e de custos em organizações e/ou profissionais individuais que prestam atendimento. No Brasil, a verticalização das operadoras consegue controlar melhor os custos e investir em tratamentos mais eficientes, com menos desperdícios. Porém, ainda se tem muito que trabalhar para utilização da tecnologia que beneficie a medicina preventiva, evolua o relacionamento médico-paciente, transacione a solicitação de protocolos clínicos padronizados para medicina personalizada e construa um modelo de remuneração baseada em performance.

Integração e parceria das empresas de saúde. Um outro movimento de grande relevância tem sido a incorporação de novas abordagens nas relações entre clientes e fornecedores em saúde. Grandes empresas da indústria farmacêutica, operadoras de planos privados, prestadores de serviço, entre outras instituições, tem somado forças, cada um em seu campo de atuação, incluindo invariavelmente no debate uma parte neutra, e assim tem revisitado os modelos atuais de atenção à saúde, refletindo em propostas de valor para o futuro da população brasileira. Iniciativas que podem ser vistas como economia em saúde e que não renunciam à oferta mais adequada à necessidade das pessoas em cada fase de suas vidas, com um potencial de contribuição também no setor público. Esses atores começam a entender a necessidade e os ganhos do trabalho conjunto, deixando de ter uma relação meramente comercial para construção de simbioses com entregas de melhores desfechos aos pacientes e custos administráveis.

Redação

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