Levantamento feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre os concursos públicos para contratação de médicos indica que, em média, o valor oferecido por prefeituras de todo o país representa menos da metade do que é referenciado pela categoria. Atualmente, o piso pleiteado é de R$ 14.134,58 para 20 horas semanais de trabalho. Segundo os editais lançados no primeiro semestre de 2018, no entanto, a média de salários oferecidos foi de R$ 5.520,73 para essa jornada.
Entre os 441 concursos analisados pelo CFM, que totalizam pouco mais de cinco mil vagas e cadastros reserva, somente quatro oferecem salários cujo valor por hora supera o piso nacional – dois no Paraná, um em Minas Gerais e um no Amazonas. Quando se avalia a remuneração inicial média por estado, no entanto, nenhum deles alcança o piso sugerido pela categoria. Confira a lista completa de concursos em www.portal.cfm.org.br.
Com 37% das vagas oferecidas em concursos abertos neste ano, o Nordeste possui a menor média salarial dentre as regiões brasileiras. Para jornadas semanais de 20 horas, os concursos na região oferecem salário inicial médio inferior a R$ 4 mil. Aos que concorreram às vagas de 40 horas, a remuneração média foi de R$ 6,6 mil.
Já no Sudeste, onde se concentra quase um terço das vagas abertas no período, o vencimento médio girou em torno de R$ 4 mil (20 horas por semana) e R$ 8 mil (40 horas). O Norte reúne o menor volume de vagas, apenas 4%, para as quais foram oferecidos valores médios de R$ 4,6 mil (20 horas) e R$ 10,2 mil (40 horas).
As regiões Sul e Centro-Oeste registraram médias salariais acima da nacional, com vencimentos de R$ 6.278,24 e R$ 7.108,68 por 20 horas semanais, respectivamente. Aos interessados em assumir postos que exigem o dobro dessa carga horária nestas regiões, a oferta média foi de R$ 11,5 mil no Sul e R$ 11,1 mil no Centro-Oeste. Quase 500 vagas estavam disponíveis em concursos de abrangência nacional, como os da Marinha do Brasil, Polícia Federal e Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh).
Demanda aos presidenciáveis – De acordo com o presidente do CFM, Carlos Vital, os problemas que afetam o sistema público devem ser solucionados pelos gestores do SUS. Na sua avaliação, a criação de uma carreira de Estado para o médico seria uma dessas soluções. “A implantação efetiva dessa proposta, que está pronta para ser votada na Câmara dos Deputados, beneficia os médicos, a população e os gestores”, ressaltou Carlos Vital.
Segundo ele, esta é uma das pautas apresentadas aos candidatos à presidência da República nas Eleições Gerais de 2018, que ao longo do mês de agosto receberam das entidades médicas proposições que devem ser priorizadas em plataformas eleitorais e programas de Governo. Para as entidades médicas, o trabalho em saúde, especialmente do médico, precisa ser valorizado.
“Os médicos da rede pública devem ser contemplados com a implantação de Planos de Cargos, Carreiras e Vencimento, com a fixação de valor mínimo de remuneração para o médico em atividade no SUS, tendo como parâmetro inicial o piso nacional da categoria estabelecido pela sua representação sindical, contemplando ainda aspectos como educação continuada e todos os direitos dos servidores públicos”, destaca um trecho da carta aos presidenciáveis.
Remuneração não é fator de fixação
Apesar dos baixos valores pagos na maioria dos concursos públicos com vagas para médicos, o Conselho Federal de Medina (CFM) avalia que a falta de médicos em determinados contextos envolve outros fatores. De acordo com a última edição da pesquisa Demografia Médica no Brasil, entre os fatores que dificultam a adesão dos médicos jovens ao serviço público, o principal é a falta de condições adequadas de trabalho, apontada por 91,6% dos entrevistados.
“Embora a remuneração seja um importante aspecto a ser considerado na decisão por permanecer ou não em um local de trabalho, este não é o mais relevante”, destaca o 1º secretário da autarquia, Hermann von Tiesenhausen. Ao serem questionados sobre o que os levaria a permanecer em um local de trabalho, cita ele, 84% dos egressos dos cursos de medicina disseram que as condições de trabalho são o principal determinante para fixação em uma instituição ou cidade.
A pergunta oferecia sete opções e permitia respostas múltiplas. A segunda condição determinante mais apontada foi a qualidade de vida, com 66,2%. Em terceiro, a remuneração foi citada por 63,1%. Já a possibilidade de aperfeiçoamento e especialização foi destacada por 50,2%. Outros 47,8% se referiram a plano de carreira; 45,7%, ao ambiente com segurança, sem violência; e 32,7% ao reconhecimento profissional.
Expectativas de rendimento – De acordo com o mesmo estudo, desenvolvido pela Universidade de São Paulo (USP) em parceria com o CFM e o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), o rendimento entre R$ 8 mil e R$ 12 mil mensais foi considerado ideal por 43% dos egressos para o início de carreira de um médico, somados todos os vínculos de trabalho. Outros 19,9% citaram rendimentos de até R$ 8 mil, e 21,6%, de R$ 12 mil a R$ 16 mil.
Ao serem indagados sobre a expectativa salarial após cinco anos de formados, 81,8% dos egressos consideraram como ideal um rendimento acima de R$ 16 mil. Nesse grupo, 21,5% deles citaram salários de R$ 20 a R$ 24 mil, e 33,1%, de R$ 24 mil ou mais. Caso pudessem optar pela forma de remuneração, 34,3% dos novos médicos escolheriam o salário mensal. Como segunda escolha, mas bem abaixo, 12,9% preferem a remuneração por hora trabalhada. Um terço de todos os egressos, 33,6%, optou por uma remuneração mista, de várias modalidades.
Baixa remuneração afronta Código de Ética
Um dos certames lançado no início do ano foi o da prefeitura de Pinheiral, no Rio de Janeiro, que oferecia salário mínimo (R$ 954,00) para médicos especialistas e também para diversos cargos de nível médio e fundamental. O coordenador da Comissão Nacional Pró-SUS, Donizetti Giamberardino Filho, acredita que ofertas como esta afrontam princípios fundamentais do próprio Código de Ética Médica.
Enquanto em Pinheiral (RJ) o salário mínimo é a base da remuneração médica, o mais alto vencimento oferecido aparece em concorrência realizada pela prefeitura de Maraã, interior do Amazonas. A seleção, que dispõe de três vagas temporárias para médicos especialistas, com carga horária de 40 horas semanais, oferece remuneração de R$ 30 mil. Naquele estado, no entanto, a média salarial oferecida para 20 horas semanais de trabalho é de apenas R$ 2.829,75 (confira no quadro abaixo).
“As normas éticas estabelecem que, para exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico necessita ter boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa. Por isso, entendemos como prioridade o fim da precarização do trabalho médico e a adoção de remuneração compatível com a formação, a dedicação e a responsabilidade que o cargo exige”, destacou.
Na avaliação do conselheiro, é bem conhecida a situação de desigualdade entre as regiões brasileiras, especialmente em aspectos relacionados ao mercado de trabalho e concentração de renda. “A qualidade de vida, o lazer, a distância de grandes centros, a renda média e a existência de pelo menos um hospital, entre outras variáveis, são aspectos significativos para explicar a distribuição e também o interesse do médico em estar presente ou não em uma área remota”.
Por isso, completa Giamberardino, em lugar de vínculos frágeis, o médico deve entrar no Sistema Único de Saúde (SUS) por meio de um concurso que lhe ofereça “direitos trabalhistas e perspectivas de progressão funcional, programas de educação continuada, infraestrutura adequada, entre outras características, nos mesmos moldes das carreiras que já existem, por exemplo, para juízes e procuradores”.