A Associação Médica Brasileira (AMB) enviou, na última sexta-feira (23), um ofício ao Palácio do Planalto pedindo a demissão do secretário de Educação Superior do MEC, Arnaldo Barbosa de Lima Júnior. A entidade alega que o secretário prevaricou ao ignorar denúncias apresentadas pela AMB sobre irregularidades em processos de revalidação de diplomas médicos envolvendo universidades públicas e instituições privadas.
O esquema bilionário criou facilidades para que egressos de cursos de medicina no exterior consigam a habilitação para atuar no Brasil mesmo sem ter sido aprovados em nenhum exame ou prova que avalie conhecimento teórico ou prático na área médica. Para isso, basta que o interessado tenha condições de pagar cursos de complementação e intermediadores, que facilitam a alocação nas universidades onde existem as referidas complementações.
As denúncias foram entregues em mãos ao secretário, na sede do MEC, pelo vice-presidente da AMB, Diogo Sampaio, em 14 de maio, e enviadas por e-mail em 16 de maio. Na reunião também estavam presentes Rosana Leite, então diretora de Desenvolvimento de Educação em Saúde do MEC, e José Bonamigo, diretor da AMB.
Apesar de todas as advertências quanto à necessidade de mecanismos de maior controle e austeridade, Arnaldo Barbosa de Lima Júnior ainda anunciou, na semana passada, a proposta de estender o processo de revalidação de diplomas médicos às escolas particulares.
“Trata-se de mercantilizar e promover um desmonte nos mecanismos de revalidação, o que vai acabar tornando o Exame Revalida figurativo. Mais do que isso, legaliza uma prática que até agora era feita de forma irregular e delituosa. Um caminho sem volta no que diz respeito a garantir qualidade no atendimento à saúde da população e que só trará benefícios aos donos de faculdades privadas e aos estudantes que não teriam condições de ser aprovados no Revalida. Quais motivações existem para tamanha desfaçatez?”, avalia Lincoln Ferreira, presidente da AMB.
A alteração só seria possível por meio de mudanças na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), previstas no Programa Future-se, lançado para aumentar a autonomia administrativa das universidades federais. A proposta está em total desacordo com o que foi prometido pelo Presidente da República Jair Bolsonaro na campanha e em audiência com a AMB e o CFM, quando deixou claro que defenderia a revalidação justa, sem artifícios ou facilitações. “Permitir que universidades particulares atuem na revalidação de diplomas enfraquece o Exame Revalida, desrespeita os médicos do país, coloca os futuros pacientes em risco e afronta uma determinação presidencial”, alerta o vice-presidente da AMB, Diogo Sampaio.
AMB e CFM enviaram ofícios na última sexta-feira ao presidente da República, Jair Bolsonaro, ratificando as denúncias e solicitando a demissão do secretário Arnaldo Lima, pois não há mais como dialogar e negociar as reformas na educação médica fundamentais ao País com um interlocutor que tem se caracterizado pela preocupação maior com as universidades particulares do que com garantir que somente profissionais realmente capacitados possam atender a população.
Erro legitimado
A AMB se posicionou veementemente contra essa proposta no Grupo de Trabalho criado pelo MEC, mas foi ignorada. “Infelizmente, o GT foi usado para conferir uma pretensa legitimidade para uma proposta que já estava montada pelo MEC”, ressalta Diogo.
A entidade entende que o Exame Revalida deve ser pré-requisito para qualquer processo de revalidação de diplomas em medicina e que a autorização e todas as etapas do processo devem ser restritas às universidades públicas. Além disso, o Revalida deve atestar a capacidade técnica, as habilidades e atitudes necessárias para o exercício de uma medicina de qualidade e impedir a “burla” e o uso dos cursos de complementação como alternativa para obtenção de revalidação.
“O atual processo já não garante que os egressos do exterior realmente possuam os conhecimentos necessários para atuar como médico. Com o desmonte proposto pelo secretário, isso fica ainda mais distante. Não é necessário inventar a roda, mas fazer o que o mundo inteiro já consagrou, de maneira correta e responsável”, destaca o presidente da AMB, Lincoln Ferreira.
Revalidação sem atalhos
Outro problema identificado pela AMB nas propostas do MEC é a distorção da complementação curricular. O recurso foi criado no passado para possibilitar que quem não teve oportunidade de estudar particularidades da medicina brasileira — como as doenças tropicais, por exemplo — pudesse complementar a formação e revalidar o diploma. O que acontece hoje, entretanto, vai na contramão desse conceito.
“A complementação curricular não pode ser uma espécie de recuperação, uma segunda chance para que o candidato tenha o diploma revalidado. Isso acaba permitindo uma série de ‘burlas’ e ‘atalhos’ para os diplomados no exterior que não conseguiram aprovação no Revalida”, explica Diogo Sampaio.
O presidente da AMB, Lincoln Ferreira, finaliza: “Temos que desmistificar a ideia de que a revalidação de diplomas em medicina é uma penalidade a quem se formou no exterior. Não é! No mundo inteiro, o processo é a garantia que o Estado dá ao cidadão de que os médicos que atuam nesses países, mesmo egressos de outras nações, possuem capacidade técnica, habilidades e atitudes necessárias para o exercício de uma medicina de qualidade. No Brasil, precisamos rever nossos processos para que isso seja realidade”.