Mês de conscientização do câncer da criança: profissionais nem sempre estão preparados para diagnosticar

Dra. Silvia Brandalise, presidente e diretora do Centro Infantil Boldrini

O mês de setembro é internacionalmente dedicado à conscientização do câncer da criança e do adolescente, mas os números no Brasil estão muito distantes da meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) de se alcançar mundialmente até 2030, pelo menos 60% de cura para as crianças com câncer. Países de baixo e de nível médio de desenvolvimento, nisso inclui-se o Brasil, teriam praticamente que dobrar seus índices. Um dos fatores que contribuem para os baixos índices é a falta do diagnóstico precoce, muitas vezes resultado da falta da disciplina Oncologia nas faculdades de Medicina.

Segundo a presidente do Centro Infantil Boldrini, referência na América Latina em tratamento do câncer infantil e doenças do sangue, em Campinas (SP), Dra. Silvia Brandalise, se o médico pediatra não suspeitar do diagnóstico de câncer em seu paciente, este será o maior entrave para o sucesso do tratamento. “Nos casos de tumor cerebral, por exemplo, estes atrasos chegam a vários meses após a queixa dos primeiros sintomas apresentados pela criança. Todavia, só se pensa em câncer, quando se conhece o tema”, alerta.

Recente levantamento nas 292 faculdades de Medicina credenciadas pelo MEC, 49 não disponibilizam a matéria Oncologia em suas grades. Analisando as 242 faculdades remanescentes, o tema é obrigatório em somente 46, sendo tema optativo em 13 faculdades e como oferta de estágio em três. “Em outras palavras, em mais da metade das Faculdades de Medicina do Brasil o tema Oncologia não é ministrado de forma obrigatória no curso de graduação. A pergunta que emerge é: ‘como o médico vai suspeitar de câncer se ele não aprendeu este tema durante os 6 anos da graduação em Medicina?’”, questiona Brandalise, que é médica e pesquisadora.

Ainda de acordo com a pesquisa, a matéria Oncologia é oferecida de uma forma geral, com foco em pacientes adultos e idosos, cuidados paliativos, sendo agregada com a Hematologia em 13 instituições. “O câncer da criança e do adolescente raramente é descriminado no conteúdo programático. É surpreendente verificar que nestes últimos quatro anos, foram aprovadas mais 62 novas instituições de Medicina no Brasil, totalizando as 292 anteriormente mencionadas. Contudo, o tema Oncologia figurou no currículo bem aquém do esperado, nestas novas faculdades”, alerta a presidente do Boldrini.

Para Dra. Silvia, o estudante da graduação em Medicina não aprende sobre a epidemiologia do câncer da criança e do adolescente, os fatores de risco relacionados à doença, sobre os sintomas clínicos, como suspeitar e como diagnosticar a doença, estabelecer os diagnósticos diferenciais com outras patologias próprias desta faixa etária, desconhecendo, também, os fundamentos do tratamento e como encaminhar os casos suspeitos. “O médico assim formado terá enorme dificuldade para suspeitar do câncer do seu jovem paciente. Considerando-se que o câncer em uma incidência crescente na população pediátrica se reveste de alta relevância, a inserção obrigatória deste tema nas faculdades das áreas da saúde”, defende.

Segundo a presidente do Boldrini, para alcançar a meta da OMS deveremos voltar a discutir com a Sociedade Civil, Universidades/Faculdades e o Poder Público sobre aquilo que ganhamos através dos tempos e o que perdemos. “Devemos nos lembrar do provérbio africano, “If you want to go fast, go alone. If you want to go far, go together” (“Se você quiser ir rápido, vá sozinho. Se você quiser ir longe, vá junto”). A vida da criança é um bem maior”, finaliza Dra. Silvia Brandalise.

Números

A cada ano, cerca de 300 mil crianças com idades entre zero e 19 anos são diagnosticadas como portadoras de câncer. Avanços notáveis tenham sido obtidos nestas 3 últimas décadas nos países desenvolvidos, chegando-se a níveis de cura de 80% dos casos. No Centro Infantil Boldrini chegamos a este índice em alguns casos, mas essa não é a realidade nos países em desenvolvimento, onde a probabilidade de morte pela doença entre as crianças é quatro vezes maior comparando àquelas do primeiro mundo.

Redação

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