O que a Covid-19 tem nos ensinado acerca da saúde mental coletiva

Autor e poeta brasileiro, Mário Quintana um dia antecipou: “O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente”. Ao longo da história, a humanidade atravessou períodos conturbados que alteraram permanentemente o curso de nossas vidas, afetando o comportamento coletivo através das décadas.

Comparável a epidemias como a Varíola, a Gripe Espanhola e a H1N1, a pandemia de Covid-19 nos leva a observar o passado para compreender o inevitável no presente: estamos vivenciando as consequências do estresse emocional ao qual fomos submetidos, e isso se estenderá por um período temporal indeterminado.

Isolamento, perda de entes queridos, insegurança e a mente humana como seu próprio obstáculo: como lidar com a sobrecarga que antecede a superação? O aprendizado é de fato possível em meio ao caos?

À PRIMEIRA VISTA

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil é considerado o país mais ansioso do mundo. Atualmente, estima-se que a ansiedade atinja mais de 18 milhões de brasileiros – número que equivale a mais que o dobro da população de capitais como o Rio de Janeiro, por exemplo.

Hoje, mais de um ano após o início da pandemia de Covid-19 no Brasil, dados referentes ao agravamento de transtornos psicológicos já podem ser quantificados e avaliados por profissionais e pesquisadores. Médica psiquiatra no setor Univida da Unimed Chapecó (SC), Dra. Rafaela Pavan, observou algumas mudanças. “O que percebemos foi a exacerbação de sintomas de quem já estava em tratamento ou precisava estar em tratamento. Planos de alta acabaram por ser suspensos e quem já deveria estar em acompanhamento procurou mais os serviços”, pontua.

Fatores de risco ao bem-estar, o isolamento e a redução da interação social direta foram associados a situações potencialmente prejudiciais a quem apresenta transtornos mentais. As mudanças, a imprevisibilidade e o medo recorrente acarretam consequências a longo prazo.

Psicóloga clínica dos setores de Medicina Preventiva e Serviço de Atenção Domiciliar da Unimed Chapecó, Helena Rodrigues da Silva, destaca o fato de que pandemias e epidemias geram reflexos psicológicos duradouros. “Alguns autores apontam que os impactos na saúde mental da população, após situações de epidemias, foram mais prevalentes e duradouros que os impactos físicos ou econômicos”, menciona.

QUANDO O MEDO ALCANÇA O CORPO

Sentir-se coagido a “dar conta de tudo” não é mais um sentimento tão particular. Estamos sós, amedrontados e distantes de espaços antes associados à socialização e ao relaxamento. Em suma, estamos distantes, mas nossas emoções nunca estiveram tão próximas.

Em momentos como este, sinais comuns costumam se manifestar coletivamente. “A principal alteração que temos visto é a irritabilidade e a falta de paciência. Basta observar as pessoas, estão, praticamente todas, no limite”, menciona Rafaela. Além disso, a psiquiatra pontua que o agravamento de quadros como a ansiedade, a depressão e o estresse pós-traumático pôde ser observado em pacientes previamente diagnosticados durante o período de isolamento social.

Nestas circunstâncias, é comum que o indivíduo apresente sintomas como o estresse, a apatia, o nervosismo, a solidão e o medo irracional. Em conjunto, estas disfunções podem provocar sequelas físicas e emocionais que englobam alterações de apetite, conflitos familiares, complicações gastrointestinais e até o consumo excessivo de álcool ou drogas ilícitas.

Aos 26 anos de idade, a gestora de pessoas Amanda Oliveira (nome fictício) lida com os sintomas da ansiedade e da depressão desde 2014. Os primeiros sinais, que iniciaram aos 18 anos de idade, se manifestaram como uma tristeza irracional. Após a primeira crise de pânico, que fez com que a então estudante buscasse amparo profissional, tudo passou a fazer sentido. “Tratei três vezes casos de depressão e ansiedade, e os três casos envolveram crises de pânico”, compartilha.

Além disso, Amanda sublinha o fato de que o início da pandemia de covid-19 afetou diretamente seu psicológico. “No primeiro mês de pandemia eu já senti uma diferença drástica na minha piora. No trabalho eu via que não conseguia manter o foco por causa da ansiedade, e em casa eu era uma pessoa muito irritada, descontava tudo na minha família”, conta.

Mais que sintomas associados ao próprio comportamento, a gestora experimentou as consequências físicas do estresse emocional. Graves e recorrentes, enxaquecas e dores muscula- res limitavam movimentos e impossibilitavam o desempenho de atividades rotineiras.

O MITO DA AUTOSSUFICIÊNCIA

Apesar das diferenças que nos fazem humanos, uma característica em especial nos aproxima da natureza coletiva: somos seres sociais. Em situações de isolamento, reflexos psíquicos coletivos são sequelas naturais e expectáveis.

De acordo com dados colhidos pela Universidade de São Paulo (USP), o Brasil classifica-se em primeiro lugar entre os países com mais casos de depressão e ansiedade durante a pandemia. Na internet, pesquisas divulgadas pelo Google Trends apontam que a busca por atendimento psicológico aumentou consideravelmente no último ano, ultrapassando 2019 em 30%.

Benéfica em qualquer período da vida, a psicoterapia abrange objetivos variados e adaptados às demandas do paciente. Atualmente, contar com apoio profissional para driblar os sentimentos de insegurança e impotência tem sido imprescindível a pacientes como Amanda. “É muito bom fazer acompanhamento hoje. Eu demorei demais pra procurar ajuda nessa situação. Eu achei que podia lidar sozinha, que a pandemia não estava sendo fácil pra ninguém. Eu deveria ter buscado um profissional logo no início”, recorda.

Para a psiquiatra Rafaela, a terapia é fundamental à compressão de sintomas e sentimentos relacionados. “A terapia vai ajudar basicamente na busca da origem dos sintomas. Mesmo quando há necessidade importante de medicação, aprender a lidar com os sintomas é essencial”, frisa.

SE O DIÁLOGO NÃO FOR O BASTANTE

Mais que pungentes desconfortos emocionais, os transtornos psicológicos consistem em desequilíbrios químicos cerebrais. Quando a disponibilidade de substâncias essenciais ao bem-estar e à disposição tornam-se escassas, a recuperação do paciente pode exigir tratamentos medicamentosos.

Para a psicóloga Helena, esta necessidade pode ser detectada através da parceria entre o paciente e um profissional capacitado. “Precisamos nos atentar aos nossos limites individuais. Da mesma forma que identificamos a necessidade de tomar um medicamento para dores de cabeça quando parecem muito fortes, nosso corpo também precisa de auxílio para lidar com as situações de alterações emocionais. Os psicotrópicos possuem um papel bastante importante nessas situações”, informa.

“Agora entendo que devia ter começado antes, que eu seria outra pessoa se estivesse tomando o medicamento correto”, conta Amanda, que resistiu à intervenção medicamentosa por receio e insegurança. Hoje, a gestora compreende que o uso de psicotrópicos é natural e benéfico ao seu quadro. “Eu não vejo problema nenhum em utilizar, e eles me fazem bem”, reconhece.

Apesar de abordados com frequência ao longo da última década, os transtornos psicológicos ainda são vistos com resistência – às vezes pelos próprios pacientes, que levam tempo para pedir ajuda. Pensando nisso, Rafaela enfatiza: “Uma maneira de entender [a necessidade de buscar ajuda] é: quando começa influenciar/atrapalhar a minha vida. Quando o não se sentir bem começa ser mais frequente que o oposto”.

Além disso, Helena sinaliza alguns indicadores preocupantes. “Sofrimento intenso e persistente, presença de pensamentos ou comportamentos suicidas, sintomas psicóticos, abuso de substâncias…Devemos nos atentar aos sinais que aparecem nos ‘extremos’ do nosso normal”, alerta a psicóloga.


 

Dia Mundial de Combate ao Estresse e o efeito do Coronavírus na saúde mental das pessoas

Depois de tanto tempo vivendo a pandemia do Coronavírus, ainda é difícil definir com exatidão o estado em que ficou a saúde mental das pessoas. Em meio a este cenário e seus efeitos na vida das pessoas, a semana do Combate ao Estresse, cuja data é celebrada no dia 23 de setembro, é um período relevante para discutir as consequências do estresse no organismo e como tratar quadros graves.

A médica endocrinologista do Hospital Brasília Jamilly Drago explica que o estresse pode ser entendido como uma forma de exaustão do organismo. Ele pode ser causado pela ansiedade e pela depressão devido à exposição a determinados ambientes. “O estrese provoca uma série de produções hormonais e de neurotransmissores que agitam todo o organismo. Esses acontecimentos têm influência em vários órgãos e sistemas”, explica.

Os sintomas físicos mais comuns do estresse são dor de cabeça, falta de energia, cólica, problemas gastrointestinais e até mesmo queda de cabelo, enquanto os sintomas psicológicos podem variar entre irritabilidade, dificuldade de concentração, raiva e tristeza. Problemas hormonais também podem surgir a partir de episódios de estresse crônico, que também pode desencadear diversos problemas de saúde tais como câncer, doenças autoimunes e diabetes.

Não cuidar da higiene do sono devidamente também estressa. A falta de tempo de repouso adequado pode ser um fator causador de estresse. “Não dormir gera estresse e o estresse pode gerar insônia, torna-se um ciclo vicioso. O hormônio responsável por essa alteração é o cortisol. Se alterado, ele pode afetar diretamente a qualidade do sono”, explica Jamilly.

A médica endocrinologista e pediatra do Exame Imagem e Laboratório/Dasa Fernanda Lopes explica que o cortisol é um hormônio da glândula adrenal e é secretado ao longo do dia, podendo ter picos de secreção em situações de estresse metabólico, como numa infecção ou trauma e em casos de estresse emocional.

Fernanda destaca que o exame do cortisol deve ser solicitado preferencialmente quando o paciente apresenta quadro clínico de excesso ou falta de cortisol, e não como rotina. “O hormônio pode estar aumentado em pacientes com excesso de peso e por estresse de coleta sanguínea, então é importante contextualizar o paciente para evitar interpretações errôneas”, esclarece Fernanda.

O excesso de cortisol pode levar a síndrome de cushing, um quadro que cursa com obesidade abdominal, estrias violáceas, aumento da pressão sanguínea. “O estresse não costuma gerar este quadro, mas se o paciente tiver o  quadro clínico descrito, necessita de uma boa investigação”, explica a endocrinologista do Exame.

Para tratar o estresse é preciso identificar sua causa. Antes de mais nada, o paciente precisa de atenção de um profissional da psicologia ou psiquiatria. A princípio, recomenda-se a meditação, prática de exercícios de respiração, atividade física, busca de práticas para a melhora da qualidade do sono, como diminuir a luminosidade no quarto e consumo de alimentos mais leves antes de dormir. Para casos mais graves é necessário acompanhamento psiquiátrico para indicação de remédios.

Redação

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