Pesquisa sem comprovação, fake news e negligência causam ressurgimento de doenças graves

Uma pesquisa não comprovada, fake news espalhadas pelas redes sociais, desinformação e negligência com a prevenção de doenças estão causando riscos para a saúde pública que podem ter consequências desastrosas em todo o mundo. A incidência de casos recentes de sarampo está deixando em alerta a população, mas outras doenças tão ou mais perigosas podem voltar. O Professor de Microbiologia e Imunologia Dr. Thiago Miranda da Silva, biólogo da Faculdade de Ciências Biológicas da PUC-Campinas, explica como esse fenômeno está ocorrendo e o que deve ser feito para evitar uma crise de saúde pública.

“São duas as principais causas do reaparecimento de doenças evitáveis como caxumba, rubéola e agora do sarampo, cujos registros de aumentos de casos no Brasil estão preocupando autoridades sanitárias ao redor do mundo. A primeira é a negligência de pessoas que deixam de se vacinar ou de levar seus filhos aos postos de saúde. A segunda é o movimento ‘Anti-Vaxx’, que ganhou força após a divulgação de uma pesquisa nunca comprovada entre a vacinação e o surgimento de doenças e reforçada por diferentes fake news compartilhadas pela internet”, diz o professor.

O temor é que a negligência e o movimento anti-vacina gerem até a volta de doenças erradicadas do país há muito tempo, como a poliomielite, o que traria consequências desastrosas.

Pesquisa falsa

“Esse movimento começou em 1998 quando o ex-médico e ex-pesquisador britânico Andrew Wakefield publicou na revista The Lancet uma pesquisa feita com apenas 12 crianças. Ele concluiu que quatro delas eram autistas e a causa eram vacinas”, diz o professor Thiago. Ele conta que outros pesquisadores quiseram ter acesso a detalhes dessa pesquisa, mas Wakefield nunca liberou os dados e isso gerou desconfianças. Além de ser um universo de pesquisa muito pequeno, ele nunca apresentou dados sobre o estudo e acabou perdendo sua permissão para trabalhar como médico e pesquisador, sendo banido do meio científico.

Apesar disso, a fraude científica acabou ganhando adeptos e foi disseminada pela internet. Outras informações falsas acabaram dando mais força ao boicote às vacinas. O professor responde cada uma das alegações apresentadas pelo movimento.

A vacina causa autismo – A pesquisa apresentada por Andre Wakefield foi comprovada como sendo fraude e ele nunca apresentou os dados que a comprovassem. Por isso, acabou afastado da medicina e do meio científico. Nenhum estudo posterior mais robusto encontrou correlação entre a vacinação e o autismo.

Vacinas podem causar doenças autoimunes – Os críticos às vacinas dizem que elas estimulam demais o sistema imunológico e podem causar doenças autoimunes. Não é verdade. O corpo humano é constantemente estimulado imunologicamente por outros fatores, como os contatos com diferentes vírus por vias diversas, constantemente, muito mais do que pelas vacinas.

Vacinas têm metais pesados – A quantidade existente é muito pequena e não causa qualquer problema. As pessoas tem muito mais contato com metais pesados pelos alimentos e pela água consumidos diariamente.

Vacinas são constantemente retiradas do mercado por riscos à saúde – São raros os casos em que os órgãos de saúde registraram riscos, geralmente por problemas pontuais durante a fabricação de lotes determinados. Caso isso ocorra, os lotes são imediatamente retirados do sistema de saúde e são rigorosamente analisados. Deve ficar claro também que as vacinas, entes de ser disponibilizadas, passam também por minuciosos testes que garantam a segurança à população,

Vários países estão diminuindo a vacinação – Muito pelo contrário, a maioria dos países está reforçando a vacinação para controlar doenças. O Brasil é referência mundial em vacinação e outros países adotaram ou aprimoraram suas campanhas nacionais de vacinação, inclusive baseando-se no calendário brasileiro.

Negligência

Mesmo as pessoas que não se deixam se enganar pelas fake news acabam deixando de se vacinar ou vacinar seus filhos, na maioria desses casos por negligência ou descaso.

“Muitos acham que as doenças foram extintas e não precisam mais se preocupar. No Brasil várias delas foram controladas por conta do exemplar programa de vacinação brasileiro. Mas é bom saber que pessoas de outros países que não fazem vacinação em massa acabam vindo para cá e podem estar doentes”, diz o professor.

Ele diz que, para evitar problemas, o ideal é que o índice de vacinação passe de 95%. “Isso cria uma barreira que praticamente impede a volta da doença, protegendo pessoas que não podem ser vacinadas ou que não adquirem imunidade após vacinação”, diz.

O problema é que a adesão às campanhas de vacinação está diminuindo e, em algumas cidades ou regiões, esse percentual despencou. “No Estado de São Paulo, a cobertura vacinal da população contra o sarampo, na faixa entre 20 e 29 anos, está em torno 50%”, afirma.

O resultado disso é o reaparecimento das doenças. O contato com imigrantes que estão entrando no Brasil vindos de países com baixa cobertura vacinal, como venezuelanos, mas também europeus, asiáticos e norte-americanos, não seria problema se a população local estivesse com índice de vacinação acima dos 95%. O problema maior é que os brasileiros estão evitando ou se esquecendo de tomar as vacinas e, quando um estrangeiro doente adentra no país, ele pode espalhar o agente infeccioso na população que está suscetível.

O que deve ser feito?

O professor Thiago diz que duas atitudes por parte da população são importantes para preservar a saúde e evitar a volta das doenças. Uma delas é evitar espalhar notícias não comprovadas sobre a questão das vacinas pelas redes sociais.

A segunda atitude é procurar a carteira de vacinação e verificar se ela está em dia. No caso do sarampo, quem tem até 29 anos deve tomar duas doses da vacina tríplice viral e, acima de 30 anos (até 59 anos), apenas uma dose desta vacina. Em caso de dúvidas ou se não tiver carteira de vacinação, basta procurar a unidade de saúde mais próxima para receber as orientações sobre as vacinas necessárias.

Redação

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