Nesta segunda-feira (23), a Casa JOTA realizou um webinar sobre as ‘Regras de precificação de medicamentos e o acesso a novas tecnologias em saúde’. O evento contou com a participação de Andrey Villas Boas de Freitas, subsecretário de Advocacia da Concorrência, da Secretária de Advocacia da Concorrência e Competitividade, do Ministério da Economia; Amira Awada, vice-presidente do Instituto Vidas Raras; Bruno Abreu, diretor de Mercado e Assuntos Jurídicos do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma); e Manoela Albuquerque, repórter do JOTA e responsável pela moderação do debate. A íntegra está disponível no YouTube.
No Brasil, a aprovação e incorporação de qualquer medicamento depende de três órgãos: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) e Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). Existe uma consulta pública aberta que tem como objetivo revisar e atualizar as regras de categorização e de precificação de medicamentos determinados pela Resolução 2, de 2004. Desde então, as normas não acompanharam o avanço tecnológico e o contexto atual do país. Com isso, diversas terapias têm recebido classificações erradas, o que leva à entraves burocráticos e dificulta a disponibilização de medicamentos inovadores, principalmente no caso das doenças raras.
Andrey de Freitas, subsecretário de Advocacia da Concorrência, comentou sobre a importância de as etapas do processo de precificação de terapias estarem conectadas. “Entendo que hoje temos uma questão que tem sido problemática quando se fala na precificação de medicamentos no Brasil, que é o fato de se tratar as etapas, que vão desde o início do processo, com a apresentação de um medicamento no Brasil, até chegar na comercialização, como se fossem etapas desconexas. Isso tem gerado diversos problemas na condução do processo como um todo.”
Para o subsecretário, é evidente a dificuldade de tratar as questões de precificação em função de uma série de limitações da Resolução 2/2004. “A norma de precificação é antiga, quando a realidade era diferente e era importante abrir mercado para medicamentos genéricos e incorporar tecnologias. A modelagem não nos atende mais hoje […] agora há um movimento novo do setor, para tratar de doenças raras e com a tecnologia avançada. Não temos elementos suficientes para precificar essas tecnologias adequadamente. Isso cria uma enorme dificuldade para o medicamento chegar ao sistema de saúde”.
Ainda sobre divergências com o processo, Freitas afirma que o Ministério da Economia quer é uma modelagem de precificação que dinamize esse mercado, evitando os problemas atuais. “Temos visto uma série de medicamentos adiando a entrada, ou entrando via judicialização, ou tendo precificação inadequada e que só serve para uma parcela da população. Hoje, o que pretendemos é chegar a um modelo de precificação de medicamentos que ajude o setor funcionar com pesquisa, concorrência e desenvolvimento da indústria nacional. Não acreditamos em proteção de mercado que faz com que a gente tenha oferta de remédios pior do que outros países parecidos com o nosso”.
Outra importante questão acerca do assunto diz respeito à uma nova terapia para o tratamento da amiloidose hereditária por transtirretina, uma doença genética rara, progressiva, que afeta a população adulta e os casos não tratados podem levar à morte em aproximadamente 10 anos. Um novo medicamento, voltado para tratamento do estágio II da doença, foi classificado e precificado de forma errada e há mais de um ano segue sem solução, o que impede o acesso dos pacientes. Os portadores dessa condição vivem uma corrida contra o tempo, uma vez que o único medicamento aprovado para o tratamento dessa doença é destinado apenas ao estágio 1.
Para Bruno Abreu, diretor de Mercado e Assuntos Jurídicos do Sindusfarma, um ponto fundamental para ajudar os pacientes que estão morrendo sem o tratamento de amiloidose hereditária é discutir novamente a regulação e precificação. “Pelo regramento da CMED há problemas de precificação das novas tecnologias e, pela minuta, continuará tendo, porque pelos requisitos há elementos que não são feitos mais”.
Além disso, Abreu aponta que é preciso também se pensar em duas tabelas de preços, algo que poderia ser útil seria ter uma lista de preços para mercados privados e outra para mercados incorporados. O executivo afirma que dar um preço de entrada completamente dissociado da realidade inviabiliza a comercialização, porque isso impacta o mercado global, já que todo mundo referência outros países. “Contaminamos a precificação de entrada de um medicamento pensando lá na frente, na incorporação pelo sistema de saúde […]. A discussão tem que estar também no financiamento, isto é, como ele vai entrar com um preço justo no sistema, que geralmente é menor do que o preço de entrada”
Amira Awada, vice-presidente do Instituto Vidas Raras, pontua que até alguns anos atrás grande parte das doenças raras não possuíam tratamento, e, hoje, com a evolução da medicina, novos tratamentos foram desenvolvidos. Porém, quando surge um tratamento distinto, para uma doença que já tem um medicamento, a CMED compara com o anterior, o que leva a terapia inovadora a ter uma base de preço desconectada com o seu valor clínico.
“Temos esse problema com a atrofia muscular espinhal e agora com a amiloidose hereditária por transtirretina com os dois novos medicamentos […]. Se as regras não acompanharem as inovações tecnológicas se cria uma barreira em que os pacientes não serão tratados. O que hoje acontece é que se compara uma droga com uma tecnologia antiga e o paciente na ponta não é atendido”. Para a representante do IVR, as classificações equivocadas levam a um mercado pouco competitivo, que dificulta a entrada de arsenais terapêuticos no país, além de atraso para chegar aos pacientes.
A demora para aprovação e incorporação de medicamentos, principalmente quando se trata de doenças raras acaba dificultando, inclusive, a utilização dos medicamentos adquados no tempo correto. “Não é só o fato que o paciente pode aguardar por muito tempo o medicamento e vir a óbito, mas também existe a questão que algumas tecnologias, se não forem usadas em uma janela de oportunidade específica, como de idade ou em um momento específico da doença, já não adianta mais. Alguns medicamentos destinados às doenças raras apresentam grande sucesso no aumento da qualidade de vida dos pacientes quando utilizados no momento correto, é encantador”, completa o subsecretário.
Amira explica também que sua organização, junto com a Associação Brasileira de Amiloidose Hereditária (ABPAR), estarão em Brasília pedindo o apoio para alguns membros do congresso nacional para que aconteça essa mudança de legislação. “Um mercado não regulado é um mercado não seguro, nós precisamos de uma nova regulamentação, visando obviamente suas limitações e evoluir essas discussões. Como o paciente não pode esperar chegarmos a um entendimento e que algo seja publicado […] Enquanto outras drogas mais avançadas já são lançadas em outros países, eles continuam sem nenhum atendimento, nem mesmo por ação judicial”.