São Paulo sofre um “apagão” na realização de cirurgias para varizes na rede pública

O impacto deixado pela pandemia de Covid-19 nos cuidados com as doenças crônicas começa a ser delineado aos poucos. Os números de procedimentos durante a emergência epidemiológica apontam um “apagão” no atendimento de doenças que já sofriam com filas de espera na rede pública. É o caso dos tratamentos para varizes nas unidades do Sistema Único de Saúde. Dados apurados pela Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV) mostram uma queda média, em nível nacional, de 69% no total de cirurgias para essa doença que afeta milhões de brasileiros, quando comparados os procedimentos realizados entre janeiro a dezembro de 2021 em relação ao mesmo intervalo em 2019. Em São Paulo, esta queda chega a -67%.

“Para algumas pessoas, as varizes são problemas menores, que não carecem de atenção. Trata-se de engano limitar essa percepção de que é uma preocupação meramente estética. Pelo contrário, sem o cuidado devido, as varizes implicam em perda de qualidade de vida, sobretudo para as mulheres, onde são mais prevalentes, que podem sofrer com dores e desconforto, comprometendo sua rotina. Além disso, as varizes podem evoluir para situações graves e de difícil reversão, como as úlceras de estase, que são feridas crônicas de difícil cicatrização e que tem grande impacto econômico e na qualidade de vida do paciente”, ressaltou Julio Peclat, presidente da SBACV.

Tratamentos – Há dois anos, a rede pública contabilizou a realização de 68.743 cirurgias para varizes na rede pública. Este montante inclui tratamentos cirúrgicos de varizes bilateral e unilateral, bem como a ressecção das veias. Em 2020, ano em que a pandemia efetivamente se instalou no país a partir de março, este total caiu 59%, ficando com uma produção efetiva de 28.354 operações.

Em 2021, houve um esforço dos serviços espalhados pelo país de retomada do atendimento. Mesmo assim, foi insuficiente para recuperar os patamares pré-pandêmicos, com um déficit de 24% no volume de cirurgias para varizes. O dado absoluto foi de 21.604 procedimentos. Ao longo de dez anos (2011-2021), o SUS respondeu pela realização de 552.332 operações de varizes, com uma média anual de 55.233 casos atendidos. Assim, o resultado alcançado ano passado foi de apenas 40% desse número.

O fenômeno foi sentido em todas as regiões brasileiras, que registraram um comportamento semelhante nos seus indicadores informados oficialmente ao Ministério da Saúde, cujos dados disponibilizados foram analisados pela SBACV. Em termos proporcionais, dentre as regiões, o pior desempenho foi sentido na Região Norte, com uma queda de 72% no número de cirurgias, quando colocados em perspectivas as informações de 2019 e de 2021. Na sequência, aparecem o Sul (-71%), o Sudeste (-70%), o Nordeste (-63%) e o Centro-Oeste (-51%).

Dados absolutos – O problema fica ainda mais evidente quando são relacionados os dados absolutos. No período analisado, o volume de cirurgias em cada região caiu significativamente. No Norte, foi de um total de 941 cirurgias (2019) para 262, em 2021. Isso na soma do que foi feito em sete estados. No Sul, a variação foi de 16.857 para 4.948, no mesmo intervalo. Nas quatro unidades do Sudeste, os números foram de 39.647, antes da pandemia, para 11.839, no ano passado.

No período verificado pela SBACV, os nove estados do Nordeste tiveram redução em na produtividade de cirurgias, que foram de 8.123 para 3.010, em dois anos. O mesmo aconteceu nas quatro unidades do Centro-Oeste, com um decréscimo na realização de operações, que totalizaram 3.175 procedimentos, em 2019, e 1.545, em 2021.

Na comparação entre 2019 e 2021, dentre os 27 estados, 26 apresentaram variação percentual negativa ao avaliar os dados de realização de cirurgias para varizes. Os piores desempenhos relativos foram percebidos nas seguintes unidades: Acre (-95%), Espírito Santo (-92%), Mato Grosso do Sul (-92%), Bahia (-84%), Paraná (-84%), Distrito Federal (-74%), Minas Gerais (-73%), Ceará (-70%), Pará (-70%) e São Paulo (-67%). Em outras áreas, os índices variaram de -15% (Alagoas) a -66% (Paraíba). O único estado a registrar resultado positivo foi o Mato Grosso (44%).

Saúde pública – Na avaliação de Mateus Borges, diretor de Publicações da SBACV que coordenou o levantamento, é necessário entender que varizes são um problema de saúde pública, com consequências individuais e coletivas. “Neste caso específico, é preciso tomar medidas para recuperar os níveis de atendimento no período pré-pandêmico. Nos dois últimos anos, os serviços da rede SUS sofreram com a postergação dos atendimentos eletivos, caso das varizes, e com a priorização dos pacientes com Covid-19”, ressaltou.

Além disso, os especialistas da SBACV apontam o receio dos pacientes com varizes de irem aos consultórios e hospitais para consultas e cirurgias por medo de exposição ao Coronavírus. Borges entende que esse cenário exige dos gestores a promoção de uma campanha de esclarecimento dos gestores para conscientizar a população sobre a importância dos cuidados. Julio Peclat acrescenta que isso deve ocorrer com a adoção de medidas de planejamento e reforço da infraestrutura de atendimento para acolher a demanda reprimida.

Doença – Varizes são veias alongadas, dilatadas e tortuosas que se desenvolvem abaixo da pele, que, em função de sua fase de desenvolvimento, podem ser de pequeno, médio ou de grande calibre. Os membros inferiores (pés, pernas e coxas) são os mais acometidos por ser doença que pode ser causada por múltiplos fatores, como predisposição genética, gravidez, idade avançada, sexo feminino, etc. Além do transtorno em si, causados pelos sintomas, as varizes podem ser responsáveis por alguma outra situação até mais.

Quando não recebem os cuidados necessários, as varizes podem dar origem a outras complicações. As principais e de maior risco são flebites, tromboses, manchas nas pernas e feridas (úlceras). Também podem piorar na forma de insuficiência venosa, com sintomas como, sensação de peso, cansaço e queimação nas pernas, bem como dormência, alterações de mudança da textura da pele, deixando-a mais suscetível a lesões, úlceras, infecções e sangramento.

Gravidade – De acordo com a Classificação Clínica, Etiológica, Anatômica e Patológica (CEAP), referência entre os angiologistas e cirurgiões vasculares para classificar o nível de gravidade de doenças venosas, os problemas que afetam as veias podem ir do nível C0 – menor gravidade, sem sinais visíveis de doença venosa, porém com possíveis sintomas – até o C6 – estágio mais grave, com úlcera aberta e ativa nos membros inferiores.

Além da CEAP, os médicos especialistas em varizes utilizam o Escore de Gravidade de Clínica Venosa (VCSS – sigla em Inglês) para entenderem como a situação das veias e os sintomas decorrentes comprometem a qualidade de vida dos pacientes. Os casos são avaliados individualmente para saber como a doença venosa afeta a rotina, ajudando a definir o melhor tratamento.

Quando há indicação cirúrgica, o cirurgião vascular precisa recomendar o melhor tratamento de acordo com a necessidade do paciente. Independentemente da classificação de gravidade das varizes, ter um acompanhamento médico é essencial para evitar a evolução da doença. Estudos indicam que, no mundo, 80% da população pode chegar a ter estágios leves de doença venosa, 20% a 64% podem evoluir para graus mais altos e, entre 1% e 5% chegam aos casos severos. Entretanto, no Brasil, o último estágio varia entre 15% a 20%.

Redação

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